Por Gilberto Maringoni
Apesar da consolidação de governos que vão do centro à esquerda, crise econômica e avanços da direita acendem sinal de alerta para as forças progressistas
O panorama latino-americano nos próximos dois anos será marcado por pelo menos três fatores de enorme relevância. O primeiro é a crise econômica internacional. O segundo é o governo Barack Obama, na Casa Branca. E o terceiro é representado por um conjunto de 14 processos eleitorais que acontecem até o final de 2010, em vários países.
A crise aprofunda-se na região. Iniciada nas hipotecas residenciais dos Estados Unidos ela chegou ao continente embalada especialmente em uma grande redução do crédito internacional e pela contração dos mercados para as exportações. No caso brasileiro, ela é agravada por políticas monetária e fiscal contracionistas.
Uma das características da crise é a queda acentuada dos preços internacionais das commodities, o centro das pautas de exportação da maioria dos países. Itens como alimentos, minérios e petróleo atravessaram uma bolha altista nos últimos cinco anos. A especulação em tais mercadorias tornou-se opção para grandes investidores quando a taxa de juros norte-americana caiu sensivelmente, exibindo uma nítida correlação entre os dois fatores. O capital migrou de títulos do Tesouro para bolsas de mercadorias.
A elevação dos preços das commodities possibilitou seguidos superávits nas balanças comerciais e conseqüentes elevações nos PIBs de cada país. O preço do petróleo é um símbolo dos tempos. Ele conheceu sucessivas altas, até bater os US$ 150 por barril em julho de 2008. Em quase toda a América Latina, aumentos de receitas de exportação possibilitaram expansão de crédito, melhorias nos padrões de vida das populações, elevação de gastos sociais e alta popularidade para os governantes.
A partir da segunda quinzena de setembro de 2008, os especuladores saíram das bolsas de mercadorias e correram a cobrir rombos em seus negócios no mercado doméstico dos EUA. A bolha murchou. Num segundo momento, a fuga de capitais dos países da periferia dirigiu-se para investimentos em dólar e em títulos de risco próximo a zero,
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como os do governo estadunidense. O efeito mais espetacular disso tudo é a queda dos preços do petróleo, que chegou a menos de US$ 40 o barril, no início deste ano.
Mais crise, menos dinheiro
Apesar das eleições de governos embalados em campanhas que se opunham às chamadas reformas neoliberais, a partir de 1998, o fato é que nenhum deles mudou radicalmente os modelos de desenvolvimento então vigentes. Soja, cana, carne e minérios in natura ainda dominam a pauta de exportações brasileira, carne e trigo definem as vendas da Argentina ao exterior, gás e soja ordenam o comércio boliviano com outros países, cobre e pescados ainda são o que o Chile tem de melhor para comercializar e a economia venezuelana segue dependente das exportações de petróleo.
A tradução prática é que agora haverá menos dinheiro para programas sociais, responsáveis em grande medida por alavancar a popularidade de governantes como Hugo Chávez, Evo Morales, o casal Kirchner, Evo Morales e mesmo Lula. A aprovação popular de tais líderes pode entrar numa espiral descendente em pouco tempo.
A crise pode ter outro efeito, que não apenas o de arranhar economias e reputações. A experiência histórica mostra ser justamente em períodos de depressão econômica que vários países conseguiram atuar no contra-ciclo de crises, mudando suas matrizes produtivas e obtendo novas inserções internacionais. Os exemplos clássicos estão na industrialização do Brasil, da Argentina e do México, a partir dos escombros da crise de 1929. Intensas lutas políticas no interior de cada país terminaram com a vitória de concepções nacional-desenvolvimentistas, concretização de maciças intervenções estatais na economia e adoção de processos de substituição de importações. O caso brasileiro é examinado em detalhes por Celso Furtado em seu clássico Formação econômica do Brasil. O motor da recuperação foi a expansão do mercado interno, que possibilitou a reversão da crise já em 1933, dois anos antes dos EUA!
Até agora, as tentativas de mudanças nas economias nacionais têm sido para lá de tímidas.
Rearticulação da direita
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Às incertezas na economia, soma-se uma crescente complexidade no cenário político interno de cada país, percebida desde 2007. O novo sinal foi dado pela ofensiva da direita, em suas variantes locais.
A principal delas se deu pela rearticulação da IV Frota estadunidense para a região. Nítida marca da Guerra Fria, a armada serve como força de intimidação imperial, em tempos de agudização de tensões.
O caso mais expressivo de conspiração reacionária acontece na Bolívia, onde o setor de ricos produtores rurais de Santa Cruz e de outras províncias agro-exportadoras insurgiu-se contra o governo de Evo Morales, provocou massacres de camponeses e ameaçou dar curso a um processo de autonomia separatista. Com dificuldades, Morales conseguiu isolar tais setores e retomar a iniciativa política. A vitória governamental no referendo constitucional, em janeiro último, isolou momentaneamente as forças reacionárias.
A ofensiva conservadora tem no governo colombiano um ator de peso. Principal representante da gestão George W. Bush na América do Sul, o presidente Alvaro Uribe desencadeou uma ofensiva militar para derrotar as Forças Armadas Revolucionárias da Colombia (FARC), que envolveu a invasão do território equatoriano e atritos com o governo venezuelano. No final de 2008, uma série de denúncias de corrupção e conluio com o narcotráfico desmoralizou parte da cúpula do governo.
O Equador, após auditar sua dívida externa, iniciou um movimento de moratória. É uma situação extremamente difícil, pois a economia do país é dolarizada, o que reduz sobremaneira a soberania econômica. O país praticamente não tem banco central e sua economia não possui defesas diante da crise.
No caso argentino, os grandes produtores agrícolas derrotaram o governo de Cristina Kirchner no Congresso, em julho de 2008. O tema em pauta era uma taxação nos produtos exportáveis, como defesa do mercado interno e da sustentação da taxa de câmbio em parâmetros que não levassem à sua sobrevalorização excessiva, o que acarretaria problemas econômicos sérios.
No Brasil, neoliberalismo no poder
No Brasil, acontece um caso curioso. Hegemonizado pelo neoliberalismo e pela direita - especialmente pela gestão autônoma do Banco Central e pela atuação dos Ministérios da
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Defesa, das Minas e Energia e do Planejamento - o governo Lula tenta contemporizar os atritos que esta atuação vem provocando. Mas não consegue cooptar os setores da velha direita – PSDB e DEM,cúpula do judiciário e grande imprensa - para sua perspectiva eleitoral em 2010.
Realizando uma diplomacia que atende ao interesse de grandes empresas, o Itamaraty distanciou-se das articulações entre os países do G-20, na reunião da OMC em Genebra, em agosto, buscando aproximar-se dos países ricos. Trata-se de um projeto de internacionalização das grandes empresas brasileiras, de âmbito sul-americano e para a região sul do mundo. Seria algo assemelhado aos cheabols coreanos dos anos 1980 e ao projeto implantado a partir da gestão Felipe Gonzáles, na Espanha. Ou seja, fazer do Estado uma ferramenta para que grandes corporações ganhem o mercado externo.
A ação do governo Lula tem procurado alavancar, com impulso estatal e alterações legais, a expansão de empresas estatais e privadas, como a Petrobras, a Vale do Rio Doce, o Banco do Brasil, a Embraer, a Brasil Telecom/Oi, a Gerdau, a Odebrecht, a Mendes Júnior, o agronegócio (etanol e soja) e outras. Vitaminadas por financiamentos a juros subsidiados do BNDES, suas ações regionais têm merecido linhas de crédito. Nunca é demais lembrar que a maioria dessas firmas são financiadoras eleitorais do PT e dos partidos governistas.
Em um contexto desse tipo, a ação principal da diplomacia brasileira se dá através das empresas e não por meio de organismos multilaterais regionais, como o Mercosul, a Unasul, o Banco do Sul e outros. A crise econômica pode refrear momentaneamente essa conduta cada vez mais clara da ação governamental.
Sinal amarelo na Venezuela
O caso venezuelano é outro que merece atenção. Nas eleições para governadores e prefeitos, realizadas em novembro de 2008, os aliados de Chávez obtiveram uma expressiva vitória numérica. O governo ganhou a disputa em pelo menos 18 dos 23 Estados da federação. Cerca de 5,6 milhões de eleitores votaram em candidatos do PSUV, quase 1,2 milhão a mais do que os apoiadores das propostas governistas no referendo de 2007. Após dez anos e 14 eleições, Chávez exibiu uma surpreendente margem de aprovação. No entanto, tais resultados quantitativos não puderam esconder debilidades sérias na
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dinâmica política local. Elas ficaram claras desde pelo menos o referendo de 2007. Naquela ocasião, as alterações propostas pelo oficialismo na Constituição do país foram derrotadas por pequena margem. Chávez, nas duas oportunidades, apostou na tática eleitoral que lhe garantiu doze vitórias entre 1998 e 2006: transformar as eleições em um plebiscito entr e sua gestão e os representantes do imperialismo, segundo suas palavras. Dessa forma, qualquer embate reveste-se de características de tudo ou nada, colocando em questão todo o processo. Os candidatos governistas perderam em Estados importantes. Zulia, por exemplo, permaneceu com a oposição. Ali se situa o lago Maracaibo, responsável por quase 80% da produção petroleira nacional. Apesar da abrangência de vários programas sociais, assustadores índices de violência e desordem administrativa redundaram em desgaste das gestões municipais dos apoiadores de Chávez.
O governo segue com o apoio da maioria da população, mas o cenário político apresenta-se mais matizado. A linha plebiscitária das disputas é algo que não leva em conta o surgimento, em 2007, de uma direita não golpista. A mudança não se deveu a uma alteração programática, mas pelo fato de a tática anti institucional ter se mostrado ineficaz. Se, até certo ponto, Chávez obteve sucesso em chamar seus detratores de "lacaios do Império", o aprofundamento da democracia no país - em grande parte devido à atuação do governo - cria uma situação que exige maior tolerância e flexibilidade política.
Em 15 de fevereiro, o governante venezuelano venceu o referendo que possibilita a qualquer dirigente federal, estadual ou municipal de candidatar quantas vezes desejar a um cargo majoritário.
Obama em busca de um interlocutor
Por fim, é necessário atentar para a interferência imperial no novo período. A eleição de Barack Obama reveste-se de expressiva vitória contra o racismo em uma sociedade na qual aumentam as disparidades sociais. Os EUA não deixarão de lado sua hegemonia internacional e nem seu poder imperial perderá fôlego. Mas é possível que existam mudanças de forma em seu trato para com a América Latina. É uma situação em que, de imediato, a tática do confronto direto, como nos anos Bush, pode não surtir efeito aos
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olhos da população. É algo a ser levado em conta nos processos eleitorais que se desenrolarão até 2010.
Possivelmente Obama tentará mudar seu aliado preferencial na América do Sul. A companhia de Uribe, marcado como um homem de Bush, tende a se tornar incômoda e ineficiente. A Colômbia tem reduzida influência no subcontinente. Quem será o novo interlocutor preferencial da casa Branca, ainda não está claro. Mas Lula é um forte candidato.
As eleições
Após os referendos na Bolívia (janeiro) e na Venezuela (fevereiro) e as eleições presidenciais em El Salvador (15 de março), vencidas pela agora moderada Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional, os seguintes países terão pleitos importantes ainda em 2009: Equador (presidenciais, 26 de abril), Panamá (presidenciais, 3 de maio), México (5 de julho, legislativas), Argentina (25 de outubro, legislativas), Uruguai (25 de novembro, presidenciais), Honduras (29 de novembro, presidenciais), Bolívia (6 de dezembro, presidenciais) e Chile (11 de dezembro, presidenciais). Em 2010, pelo menos três disputas presidenciais são significativas: Costa Rica (fevereiro), Colômbia (maio) e Brasil (outubro).
A direita tradicional ameaça os governos centristas no Chile, na Argentina e no Brasil. Na Bolívia, a extrema habilidade de Evo Morales vem permitindo que seu governo isole paulatinamente a direita boliviana. Há uma grande possibilidade de uma nova vitória da Frente Ampla no Uruguai.
Tais administrações enfrentarão campanhas em período de desemprego alto e de acirramento das tensões sociais. No caso brasileiro, abre-se um terreno grande para a disputa de opções políticas por parte da esquerda. A grande questão é diferenciar-se da campanha histérica e pseudomoralista que a direita já vem esboçando pela imprensa.
2009 será um ano definidor, tanto pela extensão da crise econômica, quanto pela possibilidade de se afirmarem alternativas populares no terreno econômico e político. A história continental está - para o bem e para o mal - aberta, como há muito não se via.
Vc gosta de escrever, hein...
ResponderExcluirParabéns pelo blog!
Tem interesse em troca de link?
Abraços!
Futebol – Paixão e Profissão
Vinícius Braccini
Nem fui eu que escrevi, o texto é do Gilberto Maringoni. Valeu, vou acompanhar seu blog.
ResponderExcluirAbs!