sexta-feira, 29 de março de 2013

Globo consegue o que a ditadura não conseguiu: calar imprensa alternativa. Somos todos Azenha!




por Luiz Carlos Azenha

Meu advogado, Cesar Kloury, me proíbe de discutir especificidades sobre a sentença da Justiça carioca que me condenou a pagar 30 mil reais ao diretor de Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel, supostamente por mover contra ele uma “campanha difamatória” em 28 posts do Viomundo, todos ligados a críticas políticas que fiz a Kamel em circunstâncias diretamente relacionadas à campanha presidencial de 2006, quando eu era repórter da Globo.
Lembro: eu não era um qualquer, na Globo, então. Era recém-chegado de ser correspondente da emissora em Nova York. Fui o repórter destacado para cobrir o candidato tucano Geraldo Alckmin durante a campanha de 2006. Ouvi, na redação de São Paulo, diretamente do então editor de economia do Jornal Nacional, Marco Aurélio Mello, que tinha sido determinado desde o Rio que as reportagens de economia deveriam ser “esquecidas”– tirar o pé, foi a frase — porque supostamente poderiam beneficiar a reeleição de Lula.
Vi colegas, como Mariana Kotscho e Cecília Negrão, reclamando que a cobertura da emissora nas eleições presidenciais não era imparcial.
Um importante repórter da emissora ligava para o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, dizendo que a Globo pretendia entregar a eleição para o tucano Geraldo Alckmin. Ouvi o telefonema. Mais tarde, instado pelo próprio ministro, confirmei o que era também minha impressão.
Pessoalmente, tive uma reportagem potencialmente danosa para o então candidato a governador de São Paulo, José Serra, censurada. A reportagem dava conta de que Serra, enquanto ministro, tinha autorizado a maior parte das doações irregulares de ambulâncias a prefeituras.
Quando uma produtora localizou no interior de Minas Gerais o ex-assessor do ministro da Saúde Serra, Platão Fischer-Puller, que poderia esclarecer aspectos obscuros sobre a gestão do ministro no governo FHC, ela foi desencorajada a perseguí-lo, enquanto todos os recursos da emissora foram destinados a denunciar o contador do PT Delúbio Soares e o ex-ministro da Saúde Humberto Costa, este posteriormente absolvido de todas as acusações.
Tive reportagem sobre Carlinhos Cachoeira — muito mais tarde revelado como fonte da revista Veja para escândalos do governo Lula — ‘deslocada’ de telejornal mais nobre da emissora para o Bom Dia Brasil, como pode atestar o então editor Marco Aurélio Mello.
Num episódio específico, fui perseguido na redação por um feitor munido de um rádio de comunicação com o qual falava diretamente com o Rio de Janeiro: tratava-se de obter minha assinatura para um abaixo-assinado em apoio a Ali Kamel sobre a cobertura das eleições de 2006.
Considero que isso caracteriza assédio moral, já que o beneficiado pelo abaixo-assinado era chefe e poderia promover ou prejudicar subordinados de acordo com a adesão.
Argumentei, então, que o comentarista de política da Globo, Arnaldo Jabor, havia dito em plena campanha eleitoral que Lula era comparável ao ditador da Coréia do Norte, Kim Il-Sung, e que não acreditava ser essa postura compatível com a suposta imparcialidade da emissora. Resposta do editor, que hoje ocupa importante cargo na hierarquia da Globo: Jabor era o “palhaço” da casa, não deveria ser levado a sério.
No dia do primeiro turno das eleições, alertado por colega, ouvi uma gravação entre o delegado da Polícia Federal Edmilson Bruno e um grupo de jornalistas, na qual eles combinavam como deveria ser feito o vazamento das fotos do dinheiro que teria sido usado pelo PT para comprar um dossiê contra o candidato Serra.
Achei o assunto relevante e reproduzi uma transcrição — confesso, defeituosa pela pressa – no Viomundo.
Fui advertido por telefone pelo atual chefão da Globo, Carlos Henrique Schroeder, de que não deveria ter revelado em meu blog pessoal, hospedado na Globo.com, informações levantadas durante meu trabalho como repórter da emissora.
Contestei: a gravação, em minha opinião, era jornalisticamente relevante para o entendimento de todo o contexto do vazamento, que se deu exatamente na véspera do primeiro turno.
Enojado com o que havia testemunhado ao longo de 2006, inclusive com a represália exercida contra colegas — dentre os quais Rodrigo Vianna, Marco Aurélio Mello e Carlos Dornelles — e interessado especialmente em conhecer o mundo da blogosfera — pedi antecipadamente a rescisão de meu contrato com a emissora, na qual ganhava salário de alto executivo, com mais de um ano de antecedência, assumindo o compromisso de não trabalhar para outra emissora antes do vencimento do contrato pelo qual já não recebia salário.
Ou seja, fiz isso apesar dos grandes danos para minha carreira profissional e meu sustento pessoal.
Apesar das mentiras, ilações e tentativas de assassinato de caráter, perpretradas pelo jornal O Globo* e colunistas associados de Veja, friso: sempre vivi de meu salário. Este site sempre foi mantido graças a meu próprio salário de jornalista-trabalhador.
O objetivo do Viomundo sempre foi o de defender o interesse público e os movimentos sociais, sub-representados na mídia corporativa. Declaramos oficialmente: não recebemos patrocínio de governos ou empresas públicas ou estatais, ao contrário da Folha, de O Globo ou do Estadão. Nem do governo federal, nem de governos estaduais ou municipais.
Porém, para tudo existe um limite. A ação que me foi movida pela TV Globo (nominalmente por Ali Kamel) me custou R$ 30 mil reais em honorários advocatícios.
Fora o que eventualmente terei de gastar para derrotá-la. Agora, pensem comigo: qual é o limite das Organizações Globo para gastar com advogados?
O objetivo da emissora, ainda que por vias tortas, é claro: intimidar e calar aqueles que são capazes de desvendar o que se passa nos bastidores dela, justamente por terem fontes e conhecimento das engrenagens globais.
Sou arrimo de família: sustento mãe, irmão, ajudo irmã, filhas e mantenho este site graças a dinheiro de meu próprio bolso e da valiosa colaboração gratuita de milhares de leitores.
Cheguei ao extremo de meu limite financeiro, o que obviamente não é o caso das Organizações Globo, que concentram pelo menos 50% de todas as verbas publicitárias do Brasil, com o equivalente poder político, midiático e lobístico.
Durante a ditadura militar, implantada com o apoio das Organizações Globo, da Folha e do Estadão — entre outros que teriam se beneficiado do regime de força — houve uma forte tentativa de sufocar os meios alternativos de informação, dentre os quais destaco os jornais Movimento e Pasquim.
Hoje, através da judicialização de debate político, de um confronto que leva para a Justiça uma disputa entre desiguais, estamos fadados ao sufoco lento e gradual.
E, por mais que isso me doa profundamente no coração e na alma, devo admitir que perdemos. Não no campo político, mas no financeiro. Perdi. Ali Kamel e a Globo venceram. Calaram, pelo bolso, o Viomundo.
Estou certo de que meus queridíssimos leitores e apoiadores encontrarão alternativas à altura. O certo é que as Organizações Globo, uma das maiores empresas de jornalismo do mundo, nominalmente representadas aqui por Ali Kamel, mais uma vez impuseram seu monopólio informativo ao Brasil.
Eu os vejo por aí.

PS do Viomundo: Vem aí um livro escrito por mim com Rodrigo Vianna, Marco Aurelio Mello e outras testemunhas — identificadas ou não — narrando os bastidores da cobertura da eleição presidencial de 2006 na Globo, além de retratar tudo o que vocês testemunharam pessoalmente em 2010 e 2012.

PS do Viomundo 2: *Descreverei detalhadamente, em breve, como O Globo e associados tentaram praticar comigo o tradicional assassinato de caráter da mídia corporativa brasileira.



Justiça conclui que Ali Kamel não manda na Globo



por Luiz Carlos Azenha

Ali Kamel, o nem todo poderoso diretor da Central Globo de Jornalismo, venceu mais uma.
Fui condenado a pagar a ele a indenização de 30 mil reais por uma suposta “campanha difamatória”. O poderosíssimo Viomundo difamou uma das maiores empresas de comunicação do mundo!  Cabe recurso e, obviamente, o dr. Cesar Kloury vai recorrer.
Kamel bate um recorde: 4 vitórias em 4 ações na primeira instância da Justiça carioca. Alguém tem dúvida sobre o resultado dos processos que ele também move contra Luís Nassif e o sr. Cloaca? Nem o Barcelona tem esse aproveitamento!
O fulcro da decisão judicial é de que ele teria sido citado em 28 postagens do Viomundo, que existe desde 2004. Só a versão mais recente do site tem 8.140 post publicados. Ou seja, Ali Kamel foi mencionado em 0,0034% dos posts aqui publicados, na suposta “campanha difamatória”.
Em um trecho da sentença, segundo o Portal Imprensa, a magistrada afirma que eu “teria elaborado uma série de criticas contra matérias publicadas pelos diversos veículos de comunicação vinculados às Organizações Globo, atribuindo-lhe [Nota do Viomundo: Ao Kamel] a responsabilidade pelo conteúdo editorial”.
Para a juíza, segundo o Consultor Jurídico, a vinculação de Ali Kamel com a linha editorial dos meios de comunicação da Globo é uma “falsa afirmação” (grifo meu), já que ele está subordinado a superiores hierárquicos e a empresa possui um Conselho Editorial composto pelos editores dos diversos veículos do grupo, incluindo Kamel.
Em outras palavras, descobriram que o Ali Kamel não manda na Globo, apenas psicografa as ordens do dr. Roberto.  A recente ascensão dele ao cargo de diretor da Central Globo de Jornalismo foi apenas uma coincidência.
Ex e atuais funcionários da Globo: sobre o poder de Kamel, é tudo imaginação da parte de vocês!
Ali Kamel processou Rodrigo Vianna por causa de uma piada. Processou Marco Aurélio Mello por uma obra de ficção. E a mim por atribuir a ele poder que não tem. Porém, como ex-profissionais que atuamos nos bastidores da TV Globo, nas coberturas mais importantes, subordinados diretamente a ele, sabemos muito bem o que ele fez no verão passado.
Foi apenas por acaso, assim, à toa, que pedi a rescisão antecipada de meu contrato com a TV Globo, onde ganhava salário de executivo, com mais de um ano de antecipação. Não queria associar meu nome à falta de poder do Ali Kamel.
Em minha opinião, o texto definitivo sobre as represálias da Globo contra blogueiros, que se deram todas depois das eleições de 2010, foi escrito por Miguel do Rosário, aqui, quando da condenação de Rodrigo Vianna. Um trecho:

É inacreditável que o diretor de jornalismo da empresa que comete todo o tipo de abuso contra a democracia, contra a dignidade humana, a empresa que se empenha dia e noite para denegrir a imagem do Brasil, aqui e no exterior, cujos métodos de jornalismo fazem os crimes de Ruport Murdoch parecerem estrepolias de uma criança mimada, pretenda processar um blogueiro por causa de um chiste!

PS do Viomundo: Obrigado a todos os que manifestaram solidariedade. É o que nos dá força. A sentença abre uma possibilidade jurídica interessante: queremos a ata do Conselho Editorial da Globo que decidiu pela cobertura da bolinha de papel, por exemplo!




quarta-feira, 27 de março de 2013

1º de abril: militares que resistiram ao golpe de 1964 relembram perseguição



1º de abril: militares que resistiram ao golpe de 1964 relembram perseguição
Ferro Costa vê com ceticismo o presente: "Às vezes, eu vou a uma reunião de turma e parece que estou em uma reunião dos republicanos do Tea Party" (Foto: Daniella Cambaúva. RBA)
Esquecidas durante décadas, as histórias de militares vítimas da ditadura (1964-1985) finalmente começam a aflorar. Seja pelas mãos da Comissão Nacional da Verdade, seja pela mobilização dos integrantes das Forças Armadas cassados pelo regime, um dos lados esquecidos dos anos de chumbo ganha rosto e forma. 
Ao longo do governo autoritário, oficialmente, estima-se que tenham morrido 357 pessoas, mas familiares de vítimas afirmam que esse número chega a 426, e que pode aumentar em decorrência das investigações da Comissão da Verdade (CNV), instituída em maio de 2012. 
Nesse balanço, falta contabilizar opositores presos, torturados e aqueles que foram obrigados a se exilar. Essa história, porém, não estará completa se não registrar membros das Forças Armadas que resistiram ao golpe e se recusaram a obedecer ordens de seus superiores. Considerados subversivos, foram demitidos e, em alguns casos, perseguidos. 
Com a finalidade de apurar denúncias, a Comissão da Verdade criou o Grupo de Trabalho Perseguição a Militares. A equipe foi criada em outubro de 2012, após a tomada de depoimento do brigadeiro da Aeronáutica Rui Moreira Lima, preso três vezes durante o regime. O grupo, liderado pelo pesquisador Cláudio Fonteles, prepara um trabalho grande sobre o tema, que será apresentado em abril.
Enquanto isso não ocorre, sobram histórias de militares que, assumindo uma postura totalmente contrária à dos golpistas de 1964, não se sujeitaram ao descumprimento da legalidade, às torturas e às mortes. No ano passado, aRBA recordou, no aniversário da derrubada do presidente constitucional João Goulart, a herança viva do regime, em uma série de reportagens que seguem atuais (sugere-se a leitura no box abaixo). Agora, aproveita a ocasião para dar voz àqueles que, depois de 49 anos, relembram o preço que tiveram de pagar por não aderir ao golpe. Nos próximos dias, serão cinco histórias. A começar pela de Paulo Henrique Ferro Costa, o homem “de sorte” que viu a “face da morte” e escapou.


Um homem de sorte


“Eu posso dizer que eu vi a face da morte. Aquela sala escura... Naquelas paredes, estava impregnado o grito de sangue de todos os torturados. E eu vi a face da morte ali. Eu me preparei para morrer. É horrível você morrer quando a natureza não programou aquele dia pra você”. Assim prossegue o relato de Paulo Henrique Ferro Costa, um dos membros da Marinha brasileira que resistiu ao golpe. Hoje aposentado, recebe a reportagem da RBA em sua casa em Niterói, rodeado por documentos. Solícito, tem a fala tranquila, com uma voz quase inaudível, sorrindo timidamente enquanto fala.
Conta, com riqueza de detalhes, diversos momentos de sua vida até que, por um instante, seus olhos azuis se desviam. Ele olha para frente, e a parede de sua sala parece levá-lo para as dependências do quartel da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, zona norte do Rio de Janeiro. Ali ele esteve durante sua última prisão, no mês de maio de 1970 – a mais dura, conta. 
“Vivia com uma menina que se envolveu na luta armada. Eu não aprovava. Eles iam prendê-la. Em um golpe de sorte, ela conseguiu escapar. E eles me prenderam na suposição de que eu soubesse onde ela estava. Eles me torturaram barbaramente”, conta. “Ela conseguiu escapar. Felizmente”, conclui, aliviado. 
Natural de Belém do Pará, Ferro Costa havia terminado a Escola Naval em 1961 e era segundo-tenente em 1964. Não concordava com o golpe, nem com a ditadura. Afirma ter entrado na Marinha por convicção “de luta contra o fascismo”, com intuito de ajudar o Brasil e também de ter uma boa profissão. “Eu não entrei para dar golpe”, diz.  
Ferro Costa estava fazendo uma viagem de férias entre 31 de março e 1° de abril. A Marinha convocou a ele e outros que não haviam se apresentado imediatamente após o golpe. Ele conta que exercia papel de liderança junto aos marinheiros à época e tinha esperanças de uma possível resistência tanto por parte do presidente João Goulart, quanto de dentro das próprias Forças Armadas. “Dentro da Marinha, tivemos controle total. A esquadra toda estava nas nossas mãos, dos legalistas. Mesmo a cúpula militar sendo golpista, os navios não podiam sair porque os marinheiros não deixavam. Os oficiais que estavam no gabinete davam as ordens e a gente tinha o controle total, absoluto. O que aconteceu foi que o Jango não quis o enfrentamento. Ficou com receio de que essas coisas tivessem desdobramento”, afirma.
Em 12 de abril de 1964, foi levado ao Princesa Leopoldina, um transatlântico que manteve presos oficiais da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. “Antes fui à casa de alguns colegas. Disse 'você sabe que estou me apresentando, se acontecer alguma coisa comigo, você sabe onde foi, quem foi'”. Era a primeira vez que ele entrava em um transatlântico. “As condições do navio eram suportáveis. A tortura eu não tive nos primeiros anos. Eu tive conhecimento dela em toda sua extensão no quartel da Barão de Mesquita.”
O próximo ato foi sua demissão da Marinha, em 19 de agosto. “Fui considerado morto, então, não tinha certidão de serviço militar. O decreto, inclusive, me considera morto”, diz, mostrando uma cópia do decreto expedido pelo Ministério da Marinha. 
Foi preso novamente em 1965 e então condenado a cumprir 730 dias de prisão. Como já tinha ficado 257 dias na cadeia – 14 a mais do que o equivalente a um terço de sua pena –, foi solto. “Foi montado um inquérito contra mim, mas eles não tinham provas. Colocaram lá um rapaz que não era da Marinha, que não tinha o curso da Escola Naval. E ele faz um depoimento contra mim, dizia que eu o havia convidado para participar de um plano de comunicação da Marinha, cujo primeiro item era a sublevação dos marinheiros e o segundo item era a chacina dos oficiais. Gravíssimo. Mas eu não o conhecia, ele montou essa história”, lembra, segurando nas mãos a cópia de quatro folhas de papel pautado, com um depoimento escrito à mão, sem assinatura. 
Ficou em liberdade até 1970, quando foi levado para o quartel da Barão de Mesquita, um dos maiores centros de detenção clandestina da ditadura. Foi lá onde morreu o deputado Rubens Paiva, segundo concluiu recentemente a Comissão da Verdade. Ferro Costa atribui sua sobrevivência à sorte. “Quando eu estava preso, depois de ser torturado, chamaram um oficial da comunidade de informação da Marinha. Por sorte, esse oficial tinha sido meu comandante no Colégio Naval. Ele me viu, me olhou... E eu disse: 'Olha, o curso que eu tenho é o mesmo que você tem, e eu não estudei no Colégio Naval para passar por isso'. E ele disse: 'Vou te tirar daqui'. E tirou”.
Sua saída foi dramática. Ficou por mais de duas horas algemado no porta-malas de um furgão, rodando pela cidade, tentando respirar através de uma passagem de ar muito pequena. “Fiquei me desidratando. Quase desmaio ali.”  Depois, ficou em uma prisão no Ministério da Marinha, em uma cela de 4 palmos por 11. “Não tinha água. Sabe esses sanitários que você tem aquele deposito de água para dar descarga? É dali que você tirava água para beber.” 
Depois de uma semana, foi para a Base Naval da Ilha das Flores até que, mais uma vez, a sorte o favoreceu. “Minha família estava me procurando naquela angústia, porque as pessoas sumiam e ninguém sabia”. Foi quando seu pai telefonou ao Dops e, por coincidência, conversou com um general com quem havia servido o Exército e que era encarregado de seu inquérito. “E ele diz pro meu pai: 'Seu filho vai sair amanhã'. Sou um homem de sorte. Estou vivo mais por sorte do que por outra coisa.”
Questionado sobre sequelas físicas, ele responde que não as teve, mas conta que jamais conseguiu esquecer aquele período. “Dizem que a memória deleta a dor, mas a memória não deleta a dor da tortura. Ela permanece com a pessoa até a morte. É muito difícil você esquecer o que você passou lá.” 
Ferro Costa já foi chamado de comunista inúmeras vezes. Nega ter tido qualquer ligação com grupos de resistência à ditadura. “Eu tinha leituras”, resume. Entre seus autores, estavam Darcy Ribeiro, Celso Furtado. Se lia Marx? “Todo mundo lia. Era uma efervescência incrível”, responde.  “Mas o que me influenciava mais era [Franz] Kafka, [Jean-Paulo] Sartre.” 
Não tão otimista em relação à Comissão da Verdade, acredita na necessidade apurar casos de prisões arbitrárias e torturas, mas principalmente de se aprofundar no contexto histórico do Brasil na década de 1960. “A Comissão da Verdade vai apurar casos emblemáticos, como o do Rubens Paiva, do Herzog. Mas e o enredo do golpe? É fundamental, que não havia possibilidade de se implantar no Brasil um regime comunista, que muita gente honesta foi perseguida.”
Essa avaliação que se faz, para Ferro Costa, se deve em parte ao modo como ocorreu o fim do regime. Segundo ele, o ato se resumiu a um acordo. A anistia, em sua opinião, veio tarde. 
Depois de sair de sua última prisão em 1970, exilou-se em Paris. Voltou no final dos anos 1970, quando já se discutia a anistia – nome que ele critica, preferindo usar “reparação”. Fez três concursos e foi aprovado. Sua primeira opção era a Eletronorte. Seu passado fichado, no entanto, impediu que ele assumisse o cargo. Acabou indo para a Fundação Educacional, em Brasília.  
“O que é mais grave é que a minha geração cristalizou essa verdade, de que os comunistas eram os verdadeiros inimigos do Brasil, e não a miséria e o atraso. Às vezes, eu vou em reunião de turma e parece que estou em uma reunião dos republicanos do Tea Party!”, conclui. 




terça-feira, 26 de março de 2013

Polícia paraguaia desaloja camponeses e destrói suas moradias

É assim que age o atual governo do Paraguai tão festejado pelo PIG e pela bancada do PSDB...
Imagen activa(Prensa Latina) Mais de 200 policiais paraguaios desalojaram, com o apoio de helicópteros, dezenas de famílias camponesas que ocupavam uma fazenda, destruindo suas moradias e plantações no departamento (estado paraguaio) de Canindeyú.

Esse incidente, mais recente ato de repressão na luta dos trabalhadores sem terras, foi realizado enquanto indígenas da comunidade Sawhoyamaxa, do departamento de Caaguazú, continuam firmes em seus terrenos ancestrais contra sua venda a compradores privados.

O despejo dos camponeses aconteceu em um lugar conhecido como Sidepar e a ampla mobilização policial foi acompanhada pelo promotor Jalil Raschid, o mesmo implicado em ação igual em junho do ano passado em Curuguaty, deixando 11 camponeses e seis policiais mortos.

Rachid foi reiteradamente condenado pelos advogados defensores dos camponeses presos devido àquele incidente, por sua estreita relação com latifundistas da região e por ser acusado de perseguir famílias camponesas.

A operação teve como cenário uma região de 900 hectares exigida há anos pelas famílias camponesas que alegam que estas terras foram adquiridas pelos latifundistas de forma ilegal com o apoio das autoridades.

No lugar, os ocupantes tinham levantado humildes barracos e plantado milho e feijão para sua própria alimentação, mas com maquinaria pesada a polícia se encarregou de destruir as construções e o plantio.

Estes incidentes com camponeses e indígenas, suscitados a pouco mais de vinte dias das eleições presidencias marcadas para 21 de abril, provocaram mais protestos de organizações progressistas e foram apontados como evidência do difícil problema da posse de terra no Paraguai.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Rota declara combate aos “seguidores” de Lamarca e Marighella



Calos Marighella e Carlos Lamarca sacrificaram suas vidas em nome do povo e de seu país, sempre estiveram do lado da classe trabalhadora. Já a Rota, sempre defendeu os interesses da elite branca paulista, embora seus ordenados sejam pagos por toda a sociedade. Não sou contra que se homenageie a Rota, mas que fique bem claro de quem parte essa homenagem, que fique claro quais setores da sociedade se sentem gratificados e protegidos pela ações desse grupo. Uma dica, o shopping Pátio Higienópolis é uma boa pedida, aqui, com certeza os matadores da Rota serão aplaudidos de pé.


No site oficial da Polícia Militar (PM), num texto intitulado “A história dos Boinas Negras”, a Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar (Rota), considerada o batalhão especial da corporação, declara combate aos “remanescentes e seguidores de Lamarca e Marighella”. O texto associa a luta dos guerrilheiros contra o regime civil-militar (1964-85) com as facções criminosas de hoje.
“Mais uma vez dentro da história, o Primeiro Batalhão Policial Militar ‘TOBIAS DE AGUIAR’, sob o comando do Ten Cel SALVADOR D’AQUINO [fundador da Rota], é chamado a dar sequência no seu passado heróico, desta vez no combate à Guerrilha Urbana que atormentava o povo paulista (sic)”, diz trecho do texto.
Trecho do texto no site da PM que associa a luta dos guerrilheiros contra a ditadura com as facções criminosas de hoje


 O vereador Paulo Telhada
Foto: Reprodução
Para enaltecer as “campanhas de guerra” da Rota, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou, nesta quinta-feira (21), um projeto de decreto legislativo que permite a realização de uma homenagem aos feitos do batalhão, entre eles a companhia chamada “Boinas Negras”, que atuou durante a ditadura militar. De autoria do ex-coronel do batalhão e vereador pelo PSDB Paulo Telhada, o objetivo do projeto é “homenagear o Batalhão pelos relevantes serviços prestados a sociedade brasileira e, em especial, ao povo do Estado de São Paulo.".
No texto do projeto, Telhada destaca ainda a atuação da Rota durante o regime, que perseguiu guerrilheiros como Carlos Lamarca e Carlos Marighella. A sessão em que será feita a homenagem ainda não tem data marcada.






sexta-feira, 22 de março de 2013

Plantando maconha para a vitória

 Melhor plantar para a paz...


Nos anos 1980, um filme de 14 minutos começou a circular entre os ativistas norte-americanos pró-liberação da maconha: nele, o Departamento de Agricultura do governo dos Estados Unidos pedia ao país que plantasse cânhamo (a mesma planta da maconha) para ajudar na guerra, em 1942. “Cânhamo para amarrar navios, cânhamo para toas, cânhamo para rebocar e atrelar, cânhamo para incontáveis usos navais tanto a bordo quanto em terra!” Nada poderia ser mais patriótico, sugeria o filme, do que plantar maconha.

Antes de o algodão dominar o setor e o lobby dos plantadores acabar com as lavouras de cânhamo sob o pretexto de proibir a droga, a fibra era largamente utilizada em várias partes do planeta. Inclusive os cordames e velas das caravelas de nossos descobridores eram feitos de cânhamo. O Novo Mundo já nasceu ligado de alguma forma à planta… Eu sempre me perguntei, aliás, por que não plantar cânhamo oficialmente no Nordeste brasileiro, onde cresce tão bem, mesmo em solo árido –plantas com baixo teor de THC, o princípio ativo da maconha, que seriam utilizadas somente para extrair a fibra e fabricar de roupas, por exemplo. O óleo também é super-nutritivo e seu uso está sendo estudado como biocombustível. Qual o problema?

Enfim, é muito curioso descobrir que o plantio da proibidíssima maconha já foi incentivado nos EUA. Quando o filme foi descoberto, o governo negou, disse que se tratava de um embuste. Não havia registro oficial sobre a produção em lugar algum, mas os ativistas não desistiram. As autoridades americanas só não contavam com um detalhe: embora o registro tenha desaparecido do catálogo eletrônico, as velhas fichas da Biblioteca do Congresso não haviam sido incineradas, e estava lá: Hemp for Victory (Cânhamo para a Vitória), Departamento de Agricultura dos EUA, 1942. Bingo.

“Podemos apenas especular sobre o autor da decisão de ‘apagar’ Hemp for Victory dos vários arquivos oficiais. Ao que parece, a ‘reescrita’ da História Oficial, algo que supomos só ter acontecido na Rússia comunista e em outros Estados não democráticos, acontece também nos Estados Unidos”, escreveu Rowan Robinson em O Grande Livro da Cannabis (Jorge Zahar), que conta a história.

Em 2010, o pessoal do blog O Imperador Está Nu legendou em português e disponibilizou no youtube o filme, em duas partes. Assista. Você vai ver como as visões sobre a maconha variam de acordo com a ocasião. Uma hora heróica, outra hora banida da sociedade até como fibra.

Para conferir os docs, clique em Hemp for Victory – Parte 1  e Parte 2
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 21 de março de 2013

Câmara de São Paulo homenageará matadores da OBAN por ações na ditadura militar. Decreto legislativo é do vereador coronel Telhada (PSDB). Olha o golpe aí!


A extrema-direita está contando as horas, enquanto isso, a presidenta Dilma fecha com a burguesia e seus porta-vozes. Quem se levantará para defender esse governo quando o golpe vier? Quanto a câmara dos vereadores de São Paulo, nada de novo. Entre essa gente o espírito de 13 de dezembro de 1968 permaneceu intacto. No mais, a ditadura nunca acabou nos bairros periféricos deste estado.  

Pragmatismo Político

rota ditadura homenagem câmara spA Câmara de São Paulo aprovou a concessão da Salva de Prata — homenagem da Casa cedida em sessão solene pelos relevantes serviços prestados a sociedade – ao batalhão das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota).

O projeto de decreto legislativo 02-00006/2013, de autoria do vereador coronel Telhada (PSDB), justifica a homenagem, dentre outras coisas, pelas “campanhas de guerra”, como os feitos da companhia chamada Boinas Negras que atuou durante a ditadura militar perseguindo guerrilheiros da esquerda como Carlos Lamarca e Carlos Marighella.

Câmara de São Paulo homenageará ROTA por ações na ditadura militar. Projeto é do vereador coronel Telhada (PSDB).

Na justificativa, Telhada diz que a Rota se destacou no que a Polícia Militar chama de campanha do Vale do Rio Ribeira do Iguape, em 1970, “para sufocar a Guerrilha Rural instituída por Carlos Lamarca”.

O texto de Telhada aprovado pelos vereadores, retirado do portal da PM, também conta a história da origem dos Boinas Negras.

A sessão em que será feita a homenagem ainda não tem data marcada.

Abaixo, uma amostra dos "bons serviços" prestados pela Rota e afins.










quarta-feira, 20 de março de 2013

Toda a poesia de Paulo Leminski

 Mestre!


Chega às livrarias na semana que vem, dia 28, Toda Poesia, obra que reúne pela primeira vez, e em um só volume, de 424 páginas, 600 poemas do escritor curitibano Paulo Leminski, um dos grandes nomes da literatura brasileira da segunda metade do século 20.

Ao longo dos nove meses de gestação do livro, a viúva de Leminski, a também poeta Alice Ruiz, trabalhou com a editora Sofia Mariutti, da Companhia das Letras. Ela conversou com a reportagem da Gazeta do Povo sobre todo o processo de elaboração do projeto, negociado com ela pelo proprietário da Companhia, o escritor e editor Luiz Schwarcz, que foi responsável pela publicação de Caprichos & Relaxos (1983), pela Brasiliense, da qual era diretor à época. O livro fez de Leminski um nome nacional. Leia a seguir trechos da entrevista.

Como se deu a negociação para que a Companhia das Letras pudesse reunir, em um só volume, toda a obra poética de Paulo Leminski?

A negociação se deu entre o Luiz Schwarcz [diretor da Companhia das Letras] e a poeta Alice Ruiz [viúva de Leminski], que já haviam começado esse diálogo décadas atrás, em 1983, quando a editora Brasiliense publicava Caprichos & Relaxos.

Você já estava familiarizada com essa obra? Qual seria, em sua opinião, o lugar dele na história da poesia brasileira do século 20?

Sim, eu já estava bastante familiarizada com a obra, só não conhecia as primeiras edições, independentes, e 40 Clics em Curitiba, que hoje é uma raridade vendida a R$ 300 no [ sebo on-line] Estante Virtual. O Leminski foi um dos primeiros poetas de que gostei, acho que quem me apresentou a ele foi meu pai, ainda na adolescência, e aí sua poesia foi como uma porta de entrada para a poesia concreta, que até hoje é a corrente com que tenho mais afinidade. E quanto ao seu lugar na poesia brasileira do século 20, bem, não sou a única a achar que ele é o maior poeta que o Brasil conheceu desde a década de 1970. 

Como foi feito o trabalho de escolha e organização dos textos? Quais critérios foram utilizados no processo de edição?

A escolha dos textos partiu da Alice, que nos enviou os seis livros dos quais partiu a nossa edição: 40 Clics, Caprichos & Relaxos, Distraídos Venceremos, La Vie en Close, O Ex-estranho e Winterverno. Depois, pedi à Alice para ver os originais de Polonaises e Não Fosse Isso e Era Menos, Não Fosse Tanto e Era Quase, que integram Caprichos & Relaxos, e foi aí que me dei conta de que nem todos os poemas dessas edições caseiras saíram na edição da Brasiliense. Resolvemos então reuni-los na última seção, “Poemas Esparsos”. 

Os critérios da nossa edição foram os seguintes: em primeiro lugar, publicar toda a poesia já lançada em livro. O cancioneiro de Leminski ainda não está todo catalogado, por exemplo, e seria matéria para um outro capítulo. Estrela [Ruiz Leminski], filha dele, tem se dedicado à música do pai. Outro critério importante que tivemos de adotar durante a edição foi não repetir poemas. Eram muitos os textos repetidos ao longo da obra, com quase nenhuma ou nenhuma diferença entre eles – não havia por que repeti-los. Tudo isso está explicado ao longo das notas editoriais. Era importante, ainda, tentar reduzir o número de páginas, para que seu preço fosse acessível ao público jovem, de estudantes. Ainda que seja um catatau, Toda Poesia tem 424 páginas e custa R$ 46, o que considero uma vitória. Por isso, também, não quisemos reproduzir as imagens de 40 Clics nem as de Winterverno. Além de encarecer o livro, elas não eram fundamentais na criação nem na compreensão dos versos como são fundamentais os trabalhos gráficos dos poemas concretos, esses sim reproduzidos ao longo de Toda Poesia.

A viúva de Leminski, a poeta Alice Ruiz, teve papel importante nesse processo. Como se deu o diálogo e o trabalho em parceria com ela?

Todas essas decisões foram tomadas junto com a Alice Ruiz, com quem me reuni por duas tardes inteiras e mantive um contato muito próximo por esses nove meses de gestação do livro. Depois veio a sua apresentação ao livro, emocionada e inspiradora. 

Fale um pouco sobre o projeto gráfico do livro. De que maneira ele reflete o universo da obra de Leminski?

A capa e o projeto gráfico são da Elisa V. Randow, que além de designer é uma grande artista. Tudo é difícil quando se trata de dar uma unidade à obra poética de um artista tão plural como Leminski, e considero a opção do bigode na capa muito acertada: é extra-poética e concentra a estética personalíssima de Leminski. Além da capa, a Elisa trabalhou também no miolo, e trouxe a ideia dos pingos de nanquim para separar poemas que aparecem na mesma página, resgatando o traço oriental que já era característico de La Vie en Close e Distraídos Venceremos.

O que, na sua opinião, há de mais surpreendente nessa edição? 

A quantidade de poemas, mais de 600! Antes, não tinha a dimensão de quanto Leminski era prolífero. O poema breve é o seu disfarce. 

Fale sobre a contribuição de José Miguel Wisnik à edição, um posfácio inédito que fala sobre a obra musical de Leminski. 

Coisas do acaso objetivo: fui a um show do Zé Miguel em agosto de 2012 em que ele falou um pouco do Leminski, da relação entre os dois, que além de parceiros musicais têm uma mesma ascendência, polonesa por parte de pai e mineira por parte da mãe. E aí o Zé Miguel tocou, acompanhado da Monica Salmaso, “Polonaises”, uma música de influência chopiniana que ele compôs a partir de um poema polonês de Adam Mickiewicz que o Leminski traduziu e usa como epígrafe do livro homônimo: “Choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas...”. Aí veio esse insight de que seria ótimo se o Zé Miguel contribuísse com o livro falando um pouco do Leminski cancionista. O texto dele é a grande novidade para o aparato crítico.

Há planos de a Editora publicar um outro livro com as letras das canções compostas por Leminski?

Vale notar que muitas canções aparecem no livro, algumas porque a princípio eram poemas, outras porque já faziam parte da obra publicada, como “Verdura”, que foi gravada por Caetano Veloso, e “Dor Elegante”, parceria com Itamar Assumpção. Mas o catálogo das canções ainda não está pronto; pelo que a Alice me disse, é muito mais coisa do que podemos imaginar, e a Estrela está trabalhando nisso. E bem, existe um outro porém: letra de música é uma coisa, poema é outra. A letra e a música andam juntas, e para o poema basta a página. Mas a Companhia das Letras não exclui a possibilidade de publicar outras obras de Leminski, sejam os livros de não ficção ou as canções. E estamos estudando as possibilidades.



Artigo
O Leminski “essências e medulas”

Falando, em A Geração que Esbanjou Seus Poetas, sobre a importância da obra do então recém-falecido Vladimir Maiakovski (1893-1930) para a poesia moderna russa, Roman Jakobson afirma que a dificuldade em discorrer sobre ela residia no fato de que, naquele momento, não era “o ritmo e sim a morte” do poeta o assunto dominante. E, citando versos do próprio Maiakovski, completava afirmando que o “sofrer repentino” ainda não estava pronto a ceder a uma “dor claramente absorvida”.

Se, no caso da obra de Paulo Leminski – também, a exemplo do futurista russo, prematuramente desaparecido –, tal verdade igualmente se aplicou há 24 anos, hoje, pode-se dizer que o imbróglio editorial que tanto postergou a edição de suas poesias completas, nos possibilita, “claramente absorvida” a “dor” de sua perda, um distanciamento crítico suficiente para uma análise de sua linguagem que priorize o seu “ritmo” antes que a sua “morte”. 

A poesia de Leminski é uma poesia haicai, com influxo direto dos poemas-minuto oswald-andradianos. Obcecado pelo minimalismo da forma japonesa – sobre cuja figura de proa, o poeta Matsuó Bashô, chegou a escrever uma minibiografia – acoplou à sua concentração, síntese e rigor extremos o amor/humor da linguagem pau-brasil modernista, criando uma dicção personalíssima, que sobrepuja em muito à intuição e ao improviso da geração dita marginal, ou alternativa, como queiram, à qual ele está cronologicamente atrelado, e cujas obras (poemas compostos não raro em guardanapos de papel de bar, a partir de manchetes de jornal, outdoors, grafitis, etc.), hoje lidas, ao contrário da sua, soam, quando muito, como registros pontuais algo interessantes da sociedade sufocada pela ditadura militar de então. O humor e a lírica do haicai leminskiano, passando ao largo de tais diluições, sabem soar ainda hoje inventivos e atuais.
Não se queira, no entanto, dizer que Toda Poesia de Paulo Leminski, sem exceção, resiste. Não. E o que a edição de seus versos coligidos pede é justamente um crivo crítico apurado (de seu “ritmo”, antes de que de sua “morte”, para lembrar uma vez mais o Maiakovski que Jakobson lamentava em não poder abordar criticamente àquela ocasião), e que o espaço de que disponho, aqui, infelizmente não permite levar a cabo. 

Este crivo deve, segundo penso, separar o joio do trigo da obra. Os caprichos dos relaxos, para lembrar o título da coletânea que, em meados dos anos de 1980, “elevaria” a condição de sua poesia para além dos mimeógrafos dos quais seus contemporâneos marginais (e o próprio poeta também) serviam-se (eles mesmos, às suas próprias custas, na maioria das vezes) para divulgarem seus versos. A edição da obra pela Brasiliense viria, aliás, a ampliar o leque de sua fama primeiramente entreaberto pela bela gravação da canção “Verdura”, música e letra do próprio Leminski, por Caetano Veloso (também seu contemporâneo e, cuja vertente poética de uma obra de teor eminentemente musical-popular, o poeta idolatrava a ponto de afirmar repetidamente que considerava superior a da maioria dos poetas do século 20). A partir de Caprichos e Relaxos, o interesse pela poesia leminskiana só viria a crescer, até sua morte, em 1989. 

Que a longamente acalentada e aguardada edição de seus poemas completos, finalmente concretizada pela Companhia das Letras, venha sensibilizar o mercado para recolocar em circulação também a refinadíssima prosa de invenção leminskiana que é o seu Catatau – romance-ensaio que conjuga Jorge Luis Borges (ao trazer René Descartes para o “labirinto de enganos deleitáveis” da fauna e flora brasileiras dos seiscentos) e o James Joyce do Finnegans Wake (com uma pletora de palavras-valise que descompõe a razão cartesiana). 

E, mais que isto, que o Leminski “essências e medulas” (Ezra Pound) do haicai venha a alavancar o panorama há tanto tempo desolador – porque, com raríssimas exceções, acrítico, diluído e amorfo – da poesia contemporânea daqui e d’alhures.

Daniel Lacerda, doutor em Estudos Literários pela UFPR





terça-feira, 19 de março de 2013

Pepe Mujica da uma banana para o papa argentino e não vai a missa. "Não somos crentes"; "o Uruguai é um país laico"

Pena que nossa presidenta não tenha um terço da coragem de nosso vizinho Pepe Mujica. Quem enfrentou os gorilas da ditadura pró EUA não pode se dobrar a um padreco de saia. Pepe Mujica, esse sim é o cara!

Aclaran por qué Mujica no fue a Roma: "No somos creyentes"

La primera dama y senadora de Uruguay, Lucía Topolansky, señaló hoy las razones de la ausencia del presidente charrúa en la misa de asunción. "Uruguay es un Estado laico", argumentó. Sí estuvo el vicepresidente Astori
Aclaran por qué Mujica no fue a Roma: "No somos creyentes"
 Tengo mas que lo hacer!

La esposa y legisladora del presidente uruguayo José Mujica, Lucía Topolansky, aclaró hoy que "el Pepe" no concurrió a la misa inaugural del pontificado del papa argentino Francisco porque "no son creyentes". Y explicó que consideraron "más oportuno" enviar al vicepresidente Danilo Astori en su lugar ya que el funcionario cree en la religión católica.

"Uruguay es un país absolutamente laico. La Iglesia está separada del Estado desde el siglo pasado. En eso tiene un diferencial con el resto de Latinoamérica. Tenemos un gran respeto, hay libertad de culto, pero no somos creyentes. Como el vicepresidente sí lo es, consideró más oportuno el presidente que viajara él", explicó Topolansky en diálogo con el programa Guetap, en radio VorterixNuestro país no lo vivió como algo central de la sociedad, esa es la verdad”, agregó.

En tanto, la senadora reconoció la importancia del suceso y dijo que "la sorprendió" que el heredero de Pedro sea argentino."Que el Papa sea rioplatense es bueno. Como las cosas tienen siempre su lectura política, es una novedad que sea latinoamericano", admitió.

"Yo felicito -agregó- a los católicos y en especial a los argentinos por este nombramiento. Se puede decir que es un papa latinoamericano y si se quiere rioplatense. Me parece fantástico que tome mate y le guste el tango".
"Ojalá le vaya muy bien porque las religiones tienen su peso, generan esperanza", evaluó la primera dama uruguaya.

Por otra parte, Topolansky señaló que le llamó la atención de que el pontífice mencione a América Latina como “la Patria Grande”, algo que era una consigna de los sectores de izquierda en las décadas anteriores.
Se está volviendo común hablar de la patria grande. Hay un resurgir del pensamiento de los libertadores”, aseguró, en referencia a los dichos del prelado papal que trascendieron en el marco del almuerzo que mantuvo con la presidente Cristina Kirchner.  

Tras el nombramiento de Bergoglio como papa, la mirada de la prensa volvió a posarse sobre los uruguayos. Es que el estilo austero de Francisco recuerda al perfil de José Mujica, quien también defiende el vivir con lo necesario. En relación a ello, la BBC de Londres los comparó al señalar que el actual Sumo Pontífice es el "Pepe Mujica del Vaticano". Sin embargo, el presidente uruguayo dijo ayer a la TV de ese país que eso le hace sonreír, aunque marcó cierta distancia con el sacerdote.

“Lo que tenemos bien en común es que le gusta el tango y toma mate. Eso puede ser lo que tenga de parecido, lo demás… vivimos en una época cruel, mucho Twitter, mucha cosa, creo que se dice mucha cosa y que creo que tal vez no se piense lo suficiente”, concluyó. 


segunda-feira, 18 de março de 2013

Passo a passo, o plano da Usaid para acabar com o governo Chávez



Documento secreto do WikiLeaks detalha como o embaixador William Brownfield planejava acabar com o chavismo


Após o fracasso do golpe contra Hugo Chávez em 2002, a embaixada estadunidense em Caracas resolveu tomar para si a tarefa de reorganizar a oposição venezuelana, apostando em uma estratégia de longo prazo que minaria o poder do governo. Em agosto de 2004, mesmo mês do referendo revocatório promovido pela oposição com amplo apoio da missão estadunidense, o texano William Brownfield chegou a Caracas, nomeado por George W. Bush, para assumir o posto de embaixador no país. Pragmático e sucinto, William Brownfield (foto abaixo) elaborou um plano de 5 pontos para acabar com o chavismo em médio prazo, como revela um documento do WikiLeaks analisado pela Agência Pública.

O documento secreto, enviado por Brownfield a Washington em 9 de novembro de 2006, relembra as diretrizes traçadas dois anos antes. “O foco da estratégia é: 1) Fortalecer instituições democráticas, 2) Infiltrar-se na base política de Chávez, 3) Dividir o Chavismo, 4) Proteger negócios vitais para os EUA, e 5) Isolar Chávez internacionalmente”, escreveu Brownfield, hoje secretário anti-narcóticos do Departamento de Estado – órgão que cuida do treinamento de forças policiais estrangeiras pelos EUA, incluindo em dezenas de países latino-americanos.

Entre 2004 e 2006, a Usaid (Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional) realizou diversas ações para levar adiante a estratégia divisada por Brownfield, doando nada menos de US$ 15 milhões a mais de 300 organizações da sociedade civil. A Usaid, através do seu Escritório de Iniciativas de Transição (OTI) – criado dois meses depois do fracassado golpe – deu assistência técnica e capacitação às organizações e colocou-as em contato com movimentos internacionais. Além disso, explica o documento, “desde a chegada da OTI foram formadas 39 organizações com foco em advocacy (convencimento); muitas dessas organizações são resultado direto dos programas e financiamentos da OTI”.

Um dos principais objetivos da Usaid era levar casos de violações de direitos humanos para a corte interamericana de Direitos Humanos com o objetivo de obter condenações e minar a credibilidade internacional do governo venezuelano. Foi o que fez, segundo o relato do ex-embaixador, o Observatório das Prisões Venezuelanas, que conseguiu que a Corte emitisse uma decisão requerendo medidas especiais para resolver as violações de direitos humanos na prisão ‘La Pica’, no leste do país. Outra organização, a “Human Rights Lawyers Network in Bolivar State” (rede de advogados de direitos humanos no estado de Bolívar), apresentou à Corte Internacional um caso de massacre de 12 mineiros pelo exército Venezuelano no estado de Bolívar. O grupo foi criado, segundo Brownfield, “a partir do programa da Freedom House, e um financiamento da DAI distribui pequenas bolsas no programa”.

A empresa DAI – Development Alternatives Inc – foi de 2004 a 2009 a principal gerente da verba da Usaid no país, tendo distribuído milhões de dólares a diversas organizações a partir da estratégia do governo norte-americano.

Ela desembolsou, por exemplo, US$ 726 mil em 22 bolsas para organizações de direitos humanos, segundo o documento do WikiLeaks. Também ajudou a criar o Centro de Direitos Humanos da Universidade Central da Venezuela. “Eles têm tido sucesso em chamar a atenção para o Direito de Cooperação Internacional e à situação dos direitos humanos na Venezuela, como uma voz nacional e internacional”, explica o texano Brownfield no despacho diplomático.

Outras áreas nas quais financiamento para ONGs ajudaria a concretizar a estratégia americana incluíam tentativas de neutralizar o “mecanismo de controle Chavista”, que utiliza “vocabulário democrático” para apoiar a ideologia revolucionária bolivariana, nas palavras do diplomata. “A OTI tem lutado contra isso através de um programa de educação cívica chamado ‘Democracia entre nós’, cujo princípio era ensinar ao povo venezuelano o que, de fato, significava democracia. Programas educacionais dirigidos, como tolerância política, participação e direitos humanos já atingiram mais de 600 mil pessoas”, diz o documento.

Dividindo o chavismo

Em seguida, o documento detalha as estratégias para “dividir o chavismo”, baseadas na concepção de que Chávez tentava “polarizar a sociedade venezuelana usando uma retórica de ódio e violência”. O remédio, na cabeça de Brownfield, seria dar auxílio a ONGs locais que trabalham em “fortalezas Chavistas” e com os “líderes Chavistas” para “contra-atacar a retórica” e “promover alianças”. Os esforços da Usaid neste sentido custaram US$ 1,1 milhão para atingir 238 mil pessoas em mais de 3 mil fóruns, workshops e sessões de treinamento, “transmitindo valores alternativos e dando oportunidade a ativistas de oposição de interagirem com Chavistas, obtendo o desejado efeito de tirá-los lentamente do Chavismo”.

Exemplos são o grupo “Visor Participativo” composto por 34 ONGs formadas e supervisionadas pela OTI, para trabalhar no fortalecimento das municipalidades. “Enquanto Chávez tenta recentralizar o país, a OTI, através do Visor, está apoiando a descentralização”, escreve Brownfield.

Outra iniciativa, a custo superior a US$ 1,2 milhões, promoveu a criação de 54 projetos sociais em toda a Venezuela “permitindo visitas do Embaixador a áreas pobres do país e demonstrando a preocupação do governo dos EUA com o povo venezuelano”, detalha Brownfield. “Esse programa confunde os bolivarianos e atrasa a tentativa de Chávez usar os EUA como um ‘inimigo unificador’”.

Com o objetivo de “isolar Chávez internacionalmente”, o embaixador gaba-se de que a USAID, através das ONG americana Freedom House, financiou viagens de membros de organizações de direitos humanos da Venezuela ao México, Guatemala, Peru, Chile, Argentina, Costa Rica e Washington. “Além disso, o DAI trouxe dezenas de líderes internacionais à Venezuela e também professores universitários, membros de ONGs e líderes políticos para participarem de workshops e seminários, para que eles voltassem aos seus países de origem entendendo melhor a realidade da Venezuela, tornando-se fortes aliados da oposição venezuelana”.

Brownfield termina o documento, escrito em 2006, com um alerta: “Chávez deve vencer a eleição presidencial de 3 de dezembro e a OTI espera que a atmosfera para o trabalho na Venezuela se torne mais complicada”. De fato, o embaixador saiu do país no ano seguinte, assumindo o mesmo posto na Colômbia antes de ser designado pelo governo Obama para cuidar de cooperação policial com outros países.

Antes de Brownfield assumir a política dos EUA para a Venezuela o escritório de Iniciativas de Transição (OTI) focava sua atuação no fortalecimento dos partidos políticos de oposição – como mostra outro documento do WikiLeaks, de 13 de julho de 2004 – incluindo um projeto de US$ 550 mil destinado a promover consultorias de especialistas latino-americanos em liderança política e estratégia aos partidos, e um projeto de US$ 450 com o International Republican Institute (IRI) – do Partido Republicano - para treinar os partidos de oposição a “delinear, planejar e executar campanhas eleitorais” em “escolas de treinamento de campanha”.

Em 2010, sob crescente pressão do governo venezuelano, o escritório da OTI no país foi fechado, e suas funções foram transferidas para o escritório para América Latina e Caribe da Usaid.


Foto: Departamento de Estado dos EUA