sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Curso de MG é suspenso por ter 'orientação comunista'

O poder judiciário brasileiro cada vez mais se consolida como uma trincheira da elite branca nacional, é  sempre bom lembrar que o primeiro setor do estado alemão a cair nas garras dos nazista foi justamente o judiciário. 



Um programa de extensão ligado à Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) foi suspenso por determinação judicial sob alegação de que "ostenta feição predominantemente político-partidária". Na avaliação do juiz José Carlos do Vale Madeira, da 5ª Vara Federal no Maranhão, o Centro de Difusão do Comunismo (CDC) comete "grave ofensa" ao princípio da moralidade porque "favorece a militância política anticapitalista em detrimento de outras militâncias" existentes no País.
O programa, coordenado pelo professor André Mayer, do curso de Serviço Social da Ufop, é constituído de quatro ações articuladas para "estudar, debater e realizar a crítica à ordem do capital". Participam do CDC 20 bolsistas que recebem R$ 250 mensais, além de estudantes e quaisquer pessoas que queiram aderir ao programa. Na lista de atividades, gratuitas e abertas à comunidade em geral, estão incluídos dois projetos (Liga dos Comunistas - Núcleo de Estudos Marxistas e Equipe Rosa Luxemburgo - Grupo de Debate e Militância Anticapitalista) e dois cursos (Mineração e Exploração dos Trabalhadores na Região da Ufop e Relações Sociais na Ordem do Capital - As Categorias Centrais da Teoria Social de Marx). Elas são realizados duas vezes por ano no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) em Mariana, município próximo a Ouro Preto, também na região central de Minas.

Foice e martelo
O juiz Vale Madeira concordou com os argumentos de Pedro Leonel, de que o programa afeta a "igualdade de oportunidades" para os partidos que disputam eleições porque é sustentado com recursos públicos e tem "evidente opção político-partidária que exalta a militância política anticapitalista". "O símbolo utilizado pela Ufop para divulgá-lo é precisamente aquele universalmente associado aos partidos comunistas, ou seja, uma foice e um martelo. Este símbolo, com pequenas variações, é o mesmo utilizado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Comunista Brasileiro (PCB)", observou o magistrado. Ele lembrou também que a legislação eleitoral proíbe o uso de bens públicos para a promoção de legendas e declarou que o programa "desrespeita as demais convicções partidárias", exemplificando com socialistas, trabalhistas, democratas, cristãos e ambientalistas.
Em sua decisão, proferida após ouvir a instituição, o juiz determinou a imediata suspensão das atividades, assim como a contratação de professores, pagamento de bolsas de estudo, compra de materiais, disponibilização das dependências da universidade para o CDC e até mesmo a divulgação dos objetivos e atividades do programa. O magistrado ainda ordenou que seja dada publicidade à decisão - divulgada no site do CDC -, mas se negou a estipular uma multa diária à Ufop porque "não existem registros de descumprimento" da ordem judicial.
A reportagem tentou falar com o professor André Mayer, mas, segundo a assessoria da universidade, ele estava em reunião com o reitor no início da noite desta quarta-feira, 28. A instituição informou que vai recorrer da decisão para retomar o programa. O CDC recebeu diversas mensagens de "apoio e solidariedade" de docentes da própria Ufop e de outras instituições como a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).



quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Penitenciárias privadas batem recorde de lucro com política do encarceramento em massa. "Mercado das prisões" é o segundo mais rentável dos EUA ; negros são as principais vítimas (clientes?)

Gulag soviético, coisa de amador...

Os yankees sempre se assanharam ao falar dos gulags soviéticos,  sobre campos de trabalho forcado, opressão  em oposição a liberdade cristã ocidental/estadunidense. Alis, por falar em escravidão...


Opera Mundi 

"A nossa companhia foi fundada no princípio que poderíamos, sim, vender prisões. Da mesma forma como se vendem carros, imóveis ou hambúrgueres".  Simples e objetivo, um dos fundadores da CCA (Corrections Corporation of América), responsável pela privatização de dezenas de penitenciárias nos EUA, define sua área de atuação.

Desde a inauguração em 1983, a empresa passou a fazer parte do seleto grupo das multibilionárias dos EUA com um "produto" no mínimo controverso: prender pessoas. A lógica de mercado é simples: quanto mais presos os centros penitenciários abrigam, mais verbas federais são repassadas para a CCA e outras prisões, aumentando gradativamente os lucros. Segundo o instituto Pew Charitable Trusts, o setor registra recordes consecutivos de lucro no decorrer dos últimos anos e é o segundo mais rentável aos investidores do país.




Centenas  são detidos por motivos banais diariamente: sistema abastece lucro das penitenciárias e coloca negros massivamente na prisão

O maior complexo penitenciário da CCA em Lumpkin, Geórgia, por exemplo, recebe 200 dólares por cada preso todos os dias, rendendo um lucro anual de 50 milhões de dólares. Além disso, a empresa potencializa os vencimentos cobrando cinco dólares pelo minuto das ligações telefônicas - provavelmente a taxa por minuto mais cara do planeta. Os presos que trabalham no local - não importa quantas horas - recebem um dólar pelo dia trabalhado.

“Prender pessoas virou um negócio absolutamente lucrativo para iniciativa privada em especial para os lobistas que vão até Washington para garantir que as leis e a legislação do país funcionem para garantir que os pobres continuem sendo enviados ao cárcere”, afirma o cientista político Chris Kirkham ao portal Huffington Post.

Com a implantação da dinâmica de mercado às prisões, a população carcerária dos EUA teve um crescimento de mais de 500% - valor que representa 2,2 milhões de pessoas nas prisões norte-americanas. Os EUA, aliás, abrigam 25% da população carcerária do mundo.

Assim como Kirkman, ativistas sociais e grupos ligados aos Direitos Humanos acusam o governo e a iniciativa privada de promover uma “máquina”, que “gera pobres e marginalizados” para serem enviados à prisão mais tarde. “É um sistema de encarceramento massivo. Ou seja, você precisa promover a pobreza e não oferecer suporte – como educação de qualidade. Então, não resta outro caminho a não ser a criminalidade e, depois, a prisão. É um círculo que ajuda a manter as penitenciárias privadas lucrando”, afirma o ativista norte-americano Michael Snyder.

Os EUA gastaram cerca de 300 bilhões de dólares desde 1980 para expandir o sistema penitenciário. A justificativa oficial de Washington  para a utilização de prisões privadas, reiterada ao longo dos anos, é que compensa pagar uma quantia per capita às penitenciárias por preso a ter que arcar pelos custos de manutenção das prisões.


Situação dramática para negros



Se no contexto geral a política de encarceramento massivo já é crítica para as camadas populares, quando observado apenas entre os negros, o cenário é ainda mais dramático: estão presos 40% dos homens negros entre os 20 e 30 anos que não concluíram o ensino médio. Segundo o instituto de pesquisas sociais Pew Charitable Trusts, homens negros que não tiveram chance de concluir os estudos têm mais chances de serem presos do que conseguirem um trabalho.



Segundo dados oficiais, cerca de metade da população carcerária dos EUA é composta por negros. Em contrapartida, 12% da população norte-americana é composta por afro-americanos. “A pobreza é uma armadilha para a prisão. E quem mais sofre com isso são os negros que são estão em desvantagem na sociedade norte-americana”, afirma o professor da sociologia de Harvard, Bruce Western.

Sem tempo para sonhar: EUA têm mais negros na prisão hoje do que escravos no século XIX


No dia histórico do discurso “eu tenho um sonho”, de Martin Luther King, panorama social é dramático aos afrodescendentes norte-americanos










O presidente norte-americano, Barack Obama, participa nesta quarta-feira (28/08) em Washington de evento comemorativo pelo aniversário de 50 anos do emblemático discurso “Eu tenho um Sonho”, de Martin Luther King Jr. - considerado um marco da igualdade de direitos civis aos afro-americanos. Enquanto isso, entre becos e vielas dos EUA, os negros não vão ter muitos motivos para celebrar ou "sonhar com a esperança", como bradou Luther King em 1963.


De acordo com sociólogos e especialistas em estudos das camadas populares na América do Norte, os índices sociais - que incluem emprego, saúde e educação - entre os afrodescendentes norte-americanos são os piores em 25 anos. Por exemplo, um homem negro que não concluiu os estudos tem mais chances de ir para prisão do que conseguir uma vaga no mercado de trabalho. Uma criança negra tem hoje menos chances de ser criada pelos seus pais que um filho de escravos no século XIX. E o dado mais assombroso: há mais negros na prisão atualmente do que escravos nos EUA em 1850, de acordo com estudo da socióloga da Universidade de Ohio, Michelle Alexander.


“Negar a cidadania aos negros norte-americanos foi a marca da construção dos EUA. Centenas de anos mais tarde, ainda não temos uma democracia igualitária. Os argumentos e racionalizações que foram pregadas em apoio da exclusão racial e da discriminação em suas várias formas mudaram e evoluíram, mas o resultado se manteve praticamente o mesmo da época da escravidão”, argumenta Alexander em seu livro The New Jim Crow.

No dia em que médicos brasileiros chamaram médicos cubanos de “escravos”, a situação real, comprovada por estudos de institutos como o centro de pesquisas sociais da Universidade de Oxford e o African American Reference Sources, mostra que os EUA têm mais características que lembram uma senzala aos afrodescendentes que qualquer outro país do mundo.


Em entrevista a Opera Mundi, a professora da Universidade de Washington e autora do livro “Invisible Men: Mass Incarceration and the Myth of Black Progress”, Becky Pettit,argumenta que os progressos sociais alcançados pelos negros nas últimas décadas são muito pequenos quando comparados à sociedade norte-americana como um todo. É a “estagnação social” que acaba trazendo as comparações com a época da escravidão.

“Quando Obama assumiu a Presidência, alguns jornalistas falaram em “sociedade pós-racial” com a ascensão do primeiro presidente negro. Veja bem, eles falaram na ocasião do sucesso profissional do presidente como exemplo que existem hoje mais afrodescendentes nas universidades e em melhores condições sociais. No entanto, esqueceram de dizer que a maioria esmagadora da população carcerária dos EUA é negra. Quando se realizam pesquisas sobre o aumento do número de jovens negros em melhores condições de vida se esquece que mais que dobrou o número de presos e mortos diariamente. Esses não entram na conta dos centros de pesquisas governamentais, promovendo o “mito do progresso entre nos negros”, argumenta.

Segundo Becky Pettit, não há desde o começo da década de 1990 aumento no índice de negros que conseguem concluir o ensino médio. Além disso, o padrão de vida também despencou. Além do aumento da pobreza, serviços básicos como alimentação, saúde, gasolina (utilidade considerada fundamental para os norte-americanos) e transportes público estão em preços inacessíveis para muitos negros de baixa renda. Mais de 70% dos moradores de rua são afrodescendentes.



Michelle Alexander, por sua vez, critica o sistema judiciário do país e a truculência que envia em massa às prisões os negros. “Em 2013, vimos o fechamento de centenas de escolas de ensino fundamental em bairros majoritariamente negros. Onde essas crianças vão estudar? É um círculo vicioso que promove a pobreza, distribui leis que criminalizam a pobreza e levam as comunidades de cor para prisão”, critica em entrevista ao jornal LA Progresive.










terça-feira, 27 de agosto de 2013

Novas imagens que revelam toda a irracionalidade dos médicos racistas brasileiros

EUA



África do Sul



EUA



Irlanda do Norte



Palestina



Rússia, turma dos carecas do bosque 


(3931) Armando Paiva: FORTALEZA, CE, 26.08.2013: MAIS MÉDICOS/CE -  Manifestantes ligados ao Sindicato dos Médicos do Ceará (Simce) , realizam protesto durante a saída do grupo de 79 médicos selecionados pelo programa Mais Médicos, do governo Federal, participavam de curso na
Confesso que poucas vezes na vida senti tanta vergonha de ser brasileiro. Passo bem longe dessa elite branca que infesta o Brasil, mas não deixa de doer o coração ver gente tao sem alma manchando a imagem de meu país. Por outro lado, há  algo de positivo na atitude desses médicos burgueses. De uma vez por todas está  caindo a máscara dessa elite que apregoa democracia racial, que insiste naquela ladainha de povo moreno, simpático, pacato, que vive num pais abençoado por deus e demais besteiras desse tipo.  A elite brasileira é selvagem, truculenta, boçal e perigosa. Essa gente possui um ódio hidrófobo ao povo, está  pronta a apoiar e aplaudir qualquer tipo de barbárie que seja voltada contra os mais humildes, os deserdados do sistema, os párias, os excluídos. A elite brasileira é a cara da Ku Klux Klan, dos afrikaners pró apartheid, dos nazi-fascistas europeus, dos sionistas de Israel, etc. É contra essa gente que temos que lutar, que nosso ódio seja proporcional ao deles, mas claro, sem jamais perdermos nossa humanidade, além de nossa ternura.   


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Estádio só pra rico?

Ingressos disparam nos últimos dez anos no Brasil e novas arenas têm preços 119% maiores do que os estádios antigos, afastando os torcedores tradicionais

Ciro Barros e Giulia Afiune, Brasil de Fato

 “Tô sentindo isso na pele. Tenho um filho de 14 anos, flamenguista também, e ainda não consegui levar ele no Maracanã devido a essa sem-vergonhice que eles fizeram”, diz Reinaldo Reis, morador da comunidade da Estradinha e presidente da Associação de Moradores do Morro dos Tabajaras, na zona sul carioca.
Reinaldo, 39 anos, é um flamenguista fanático. Um papo breve com ele já basta para ouvir aqueles “causos” típicos do torcedor de estádio. Mas não de qualquer estádio; Reinaldo também tem uma relação umbilical com o Maracanã, sede carioca da Copa 2014. Frequentador desde os seis anos de idade, quando acompanhava um vizinho nos jogos do Fluminense, Reinaldo comemorou quando, aos 11 anos, ganhou permissão para ir ao Maraca sozinho. “Foi uma alegria muito grande quando a minha mãe me deu essa liberdade de ir ver o Flamengo. Eu já era flamenguista, mas só tinha ido no Maracanã ver o Fluminense. Eu gostava de ver o estádio. Mas ver o meu time lá foi muito legal”.
Desde então, Reinaldo se tornou, nas palavras de Nelson Rodrigues, um “Arquibaldo”: o torcedor de arquibancada. Supersticioso, sempre que pôde ficou na arquibancada superior do Maraca, entre a Raça Rubro-Negra e a Jovem Fla, torcidas organizadas do Flamengo. O jogo mais marcante? “Com certeza foi aquele Flamengo e Botafogo de 1992, quando caiu a arquibancada. Se eu tô aqui podendo falar com você foi porque eu cheguei um pouco atrasado naquele dia e por sorte não tava no meio da galera que caiu”, relembra. O jogo foi em 19 de julho de 1992, decisão do Campeonato Brasileiro entre Fla e Bota. Na ocasião, parte da grade de proteção da arquibancada superior cedeu e alguns torcedores caíram no anel de baixo. “Que sorte que eu não tava, meu irmão”, diz.
Desde que o seu filho mais velho nasceu, Reinaldo assumiu um compromisso: ir com o menino a todos os jogos do Flamengo no Maracanã. “Pô, meu primeiro filho, filho homem. A primeira coisa que eu quis foi levar ele pra torcer comigo. E eu tava levando ele em todos os jogos, todos mesmo, mas depois dessa reforma pra Copa não tem a menor condição”, afirma. “Antes de fechar para a reforma, já tava difícil. O ingresso mais barato a 40 reais já não era tão acessível. Mas agora, com esse absurdo que tá o preço dos jogos, não tem como. Se eu for pagar, por mais barato que seja, vai ser 80 reais o jogo. Para tomar um refrigerante, comer um cachorro-quente, tudo mais, eu tenho que levar no mínimo R$ 150. Qual trabalhador tem esse dinheiro sobrando pra gastar em ingresso?”, questiona.
O processo relatado por Reinaldo já é conhecido pelos torcedores e ganhou até nome: a elitização dos estádios. Saem os torcedores das camadas populares, entram os torcedores da elite (ou seriam consumidores?). “Está em curso um processo de transformação do estádio num local mais de consumo voltada para um torcedor mais endinheirado”, denuncia o antropólogo Antonio Oswaldo Cruz, da UFRJ. Para ele o marco inicial desse processo foi em 1999, quando ocorreu a reforma do próprio Maracanã para o Mundial de Clubes da Fifa, em 2000. Na ocasião, o estádio teve sua capacidade reduzida com a instalação de cadeiras no anel superior. O antropólogo também cita como exemplo da elitização, a construção da Arena da Baixada, em Curitiba. “Para este estádio foi feita uma pesquisa na Europa de plantas de estádio, concepções de estádio. Ele é voltado para um público mais consumidor de outras coisas do que futebol. Na época, um diretor do Atlético Paranaense dizia que ele não queria mais aquele público que bebia, ficava bêbado e depois ia ver o jogo dentro do estádio, ele queria um público mais espectador.”
Christopher Gaffney, geógrafo da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro da Associação Nacional de Torcedores (ANT), acredita que esse novo modelo faz com que os estádios deixem de ser espaços públicos de convivência e confraternização. Segundo Gaffney, as mudanças arquitetônicas também modificam o comportamento do torcedor, que passa a ser visto como um consumidor. “É uma domesticação da experiência pública. Você se sente mais em casa, mais relax, você senta na cadeira com encosto, com um drink na mão e assiste o jogo com uma atitude mais passiva. O torcedor apaixonado que usa ou usava o estádio como lugar de solidariedade social, que deixava as frustrações da semana lá no estádio, xingando o árbitro, ele não vai ter mais essa escolha, porque não vai poder pagar.”
A Copa do Mundo é, sem dúvida, um significativo novo degrau desse processo. O próprio Ministério do Esporte se assustou com os preços praticados nas novas arenas reformadas para o mundial. “O Ministério do Esporte reconhece que há uma elitização dos estádios nesse momento, mas o processo é muito recente”, afirma o secretário nacional de Futebol, Toninho Nascimento. “Estamos estudando formas para intervir nesse processo, mas é um pouco complicado porque grande parte das novas arenas são privadas. E nós não podemos fazer subsídio de ingresso”, diz.
O secretário nacional de Futebol chega a se comportar como torcedor ao comentar o assunto: “Se eu e a minha família formos ao Maracanã nós gastamos R$ 400, um absurdo. Isso não é preço para jogo de futebol. E, com isso, é claro que as classes sociais menos favorecidas vão acabar se afastando. Mas é ridículo você pensar que o futebol, que é um esporte popular, construído pelas classes populares, esteja afastando a população mais pobre. Os clubes deveriam escolher e ter outras formas de renda nos estádios que não fosse a bilheteria: ganhar dinheiro no restaurante, nas lojas, no estacionamento”, diz.
O processo de elitização em decorrência da Copa do Mundo no Brasil teve sua demonstração mais cabal no último dia 11 de julho, na entrevista de João Borba , presidente do Consórcio Maracanã S.A., vencedor da concessão do estádio à iniciativa privada, ao repórter Claudio Nogueira, do jornal O Globo. “Temos de trabalhar com os clubes nesta mudança de hábitos. Bandeirões gigantes, mastros de bambu, torcedores sem camisa, assistir aos jogos em pé… Fui no último fim de semana às finais do tênis em Wimbledon, e no convite, estava escrito que não é recomendável ir com uma determinada roupa… Quando um inglês lê ‘não recomendável’, entende que não deve usar aquele tipo de roupa.”
Preço do ingresso aumenta 300% e público menor que nos Estados Unidos

Entre 2003 e 2013, o Brasil testemunhou uma alta desenfreada do preço dos ingressos. Nestes 10 anos, o valor médio dos tíquetes subiu 300%. Bem acima da inflação no período, que foi de 73%, segundo o IPCA-IBGE. O salário mínimo neste mesmo período subiu 183% e a renda média do trabalhador, 37%. Os dados são da Pluri Consultoria.
“Muita gente viu os estádios cheios em jogos muito específicos, como na Copa das Confederações, e achou que o torcedor teria disposição para pagar um valor alto por esse em ambiente. Mas a realidade do dia a dia do futebol rapidamente tratou de sinalizar que o consumidor não vai pagar ”, diz o economista Fernando Ferreira, presidente da Pluri.
Em 2003, o ingresso custava em média R$ 9,50. Em 2013 essa média saltou para R$ 38. A consultoria também publicou, em julho, um estudo em que o Brasil aparece como o 18º colocado em média de público em um ranking dos 20 maiores. Com 12.983 torcedores de média de público no ano passado, o Campeonato Brasileiro perde nesse quesito para ligas como a Major League Soccer, dos EUA, o Campeonato Chinês e até mesmo a Segunda Divisão da Inglaterra.
Outro estudo da mesma consultoria constata que o Brasil tem um dos ingressos mais caros do mundo se comparado aos preços praticados em outros países. Um levantamento feito pela Pluri em 16 países (Brasil, Espanha, Itália, Turquia, México, Reino Unido, Portugal, Argentina, Chile, Costa Rica, França, Estados Unidos, Uruguai, Alemanha, Holanda e Japão) concluiu que o Brasil cobra o ingresso mais caro entre os países analisados. Para chegar a essa conclusão, a consultoria dividiu a renda per capita anual média pelo valor médio do ingresso mais barato em cada país. Dessa conta, sai um número de ingressos mais baratos possível de ser comprado por ano em cada país. No Brasil, segundo o estudo, é possível comprar 645 ingressos com a renda per capita média anual. O número está bem abaixo da média geral dos 16 países. Nela, constata-se que é possível comprar 1.308 ingressos com a renda per capita anual média dos 16 países analisados, 103% a mais de ingressos do que no Brasil, último colocado no ranking.
Segundo o levantamento feito com dados oficiais da CBF pelo geógrafo Christopher Gaffney, da UFF, há um crescimento da renda nos jogos Brasileirão associado a uma queda constante de público. De acordo com o levantamento, o público total do Campeonato Brasileiro passou de cerca de 6,5 milhões, em 2007, para 4,9 milhões, em 2012: uma queda de 15,2%. A média de público também caiu: em 2007, ela era de 17.461 pessoas por jogo e, em 2012, não passou de 12.970. A queda foi de 15,8%. A renda, no entanto, teve uma alta considerável: passou de cerca de R$ 80 milhões em 2007 para R$ 119 milhões em 2012, alta de 49%. “A média de público do Brasileirão está baixa, mas, ao mesmo tempo, os times estão ganhando mais do que nunca. É um claro processo de elitização que está acontecendo nos últimos anos.”, afirma o geógrafo.
Outro estudo divulgado pela consultoria BDO, que analisou as novas arenas reformadas para a Copa das Confederações deste ano, constatou uma grande diferença entre o preço médio dos ingressos nas novas arenas e nos estádios antigos. O preço médio dos ingressos nas seis arenas da Copa das Confederações foi de R$ 55,42 nas nove primeiras rodadas do Campeonato Brasileiro da Série A deste ano, enquanto que, nas arenas antigas, o preço foi de R$ 25,20. Ou seja, nas novas arenas os ingressos custaram, nas primeiras rodadas do Brasileirão deste ano, 119% a mais.
Para o consultor da gestão esportiva da BDO, Pedro Daniel, isso se explica por um novo conceito de ir ao estádio. “A ideia de pagar mais é por todo o serviço agregado. Nas novas arenas, o torcedor tem mais conforto, tem a questão da alimentação, o banheiro que ele pode utilizar. Todo esse pacote de serviços. Isso ainda na teoria, mas na prática a gente não vê ainda essa diferença tão grande. O que causa mais impacto, ainda é a curiosidade pelas novas arenas”, explica. “A tendência é de que os ingressos fiquem mais caros, os desse campeonato certamente vão ser os mais caros da história”. Pedro, porém, justifica o aumento dos ingressos: “Por uma visão estritamente econômica, [falar em aumento] faz sentido. Mas se compararmos os produtos, não. Hoje, o campeonato brasileiro não é mais o mesmo produto. Hoje temos o Alexandre Pato jogando no Corinthians, o Seedorf no Botafogo, o Forlán no Internacional, temos as novas arenas. É um novo produto. É natural que haja esse aumento”, argumenta.
Pensando no caso específico do Maracanã, o pesquisador Erick Omena, doutorando da Oxford Brookes University fez um cálculo de quanto o valor do ingresso passou a pesar na renda do torcedor. Ele pesquisou os preços desde a década de 1950 até o fechamento para a reforma da Copa, e acompanhou a evolução da relação entre o valor dos tíquetes mais baratos em comparação com o salário mínimo vigente. Em julho de 1950, o ingresso mais barato do Maraca representava cerca de 2% do salário mínimo. Sessenta anos depois, em agosto de 2010, o ingresso mais barato representava 6% do salário mínimo vigente. Nos preços de hoje, o ingresso mais barato do Maracanã chega a cerca de 12% do salário mínimo vigente. O levantamento de Omena foi publicado originalmente pelo jornalista Mauro Cezar Pereira, da ESPN.
Corinthians e Fluminense jogaram no Rio no dia 14. Público foi de 13 mil pessoas - Foto Reprodução

Os motivos dos clubes para elitizar os estádios
Para o antropólogo Antonio Oswaldo Cruz, da UFRJ, a elitização dos estádios se dá principalmente pela hiper-dependência dos clubes brasileiros em relação à transmissão. “A televisão exige que o futebol seja entregue para ela num pacote. O futebol tem que seguir uma série de regras para ser transformado em produto televisivo. Nesse sentido, o torcedor mais militante é uma ameaça ao espetáculo televisivo no futebol. A partir da década de 80 e 90 na Inglaterra, a aliança da TV paga com o futebol se aprofundou muito. E esse modelo foi exportado para o resto do mundo, com as finanças do futebol sendo basicamente atreladas aos contratos televisivos”, afirma o antropólogo. “E nunca é de mais lembrar que quanto mais gente fora do estádio, maior a audiência da TV”. Segundo relatório produzido pela auditoria Mazars, as cotas de TV representam cerca de 37,3% das receitas de 14 clubes da Série A do futebol brasileiro. O segundo posto ficou com o marketing, com 17,1%, e o terceiro, com a venda de jogadores (14,7%).
A venda de ingressos representa apenas 6,8% da arrecadação. Segundo Gaffney, é por isso que os clubes não valorizam a presença do torcedor nos estádios, encarando-os apenas como consumidores. “No passado, o torcedor ficava lá fora, vestia a camisa, comia churrasquinho, tomava cerveja com os amigos e batia um papo antes de entrar no estádio. Agora, o entorno do estádio é um mundo asséptico, não tem ninguém vendendo nada, não tem água, não tem sombra, então você é forçado entrar para consumir”, explica. A venda de produtos dentro do estádio poderia ser uma nova fonte de renda para os times. “Eles querem tornar os estádios uma espécie de shopping, onde o ingresso é o filtro principal para entrar em uma zona de consumo. O time vai lucrar com uma porcentagem dessas compras a mais em lojas, bares dentro do estádio, etc”.
Diferentemente de Gaffney, o economista Fernando Ferreira, não acredita que a elitização dos estádios seja feita para excluir a parcela mais pobre da população “Eu acho que esse aumento de preços foi fruto de um erro de avaliação. A gente viveu um momento recente de euforia no Brasil e as pessoas começaram a achar que havia público disposto a pagar muito mais pelo futebol. Mas não havia! Eles queriam cobrar o mais caro possível para ganhar mais.”
Ambos concordam, porém, que os clubes e os novos administradores possuem um único objetivo: o lucro. E até por isso, Ferreira acredita que os preços devem baixar. “Esses gestores já tiveram um choque de realidade e perceberam que com o preço lá em cima, os estádios ficam vazios. Não há dúvida de que o valor do ingresso vai cair porque os novos administradores dos estádios são agentes racionais, diferente dos clubes, que continuavam aumentando o preço mesmo com estádios vazios.”
De acordo com ele, os estádios cheios também são benéficos para os clubes, pois potencializam receitas de outras fontes. “Quando você enche o estádio e o povo tá lá, tem festa, o patrocinador acha ótimo, a TV acha ótimo, os parceiros comerciais do clube acham ótimo. O clube ganha de outras receitas também, porque quando vai negociar com o patrocinador ele vai falar ‘Ah, eu quero negociar com você porque nos jogos o estádio tá sempre cheio’”.

Aristocratas no estádio: um protesto bem humorado no Maracanã
Quem foi acompanhar o clássico entre Flamengo e Botafogo, no último dia 28 de julho, deu de cara com um protesto bem humorado nos arredores do estádio. Cerca de 30 torcedores das duas equipes estavam “fantasiados”: os homens usam ternos, sapatos sociais e gravatas; as mulheres, vestidos longos e chapéus. Eram os manifestantes da Aristocracia Flamenga e da Aristocracia Alvinegra, grupos de manifestantes que ironizavam a elitização do Maracanã. O ingresso mais barato para aquele jogo? Nada menos do que R$ 100.
“O anúncio do valor do ingresso foi mais ou menos o estopim para que a gente criasse esse protesto bem humorado”, afirma um dos organizadores da Aristocracia Alvinegra, Pedro Ivo Mendes. “Frequentando o Maracanã é possível ver que tem um projeto de mudança de público no estádio. Então quisemos ironizar isso”, diz. O protesto culminou com um “chá das cinco” feito pelas duas aristocracias.
No evento, os manifestantes levaram cartazes ironizando o preço dos ingressos e os comportamentos exigidos no Maracanã. Um dos letreiros pedia: “Silêncio, jogadores em campo”. O geógrafo Felipe Silva, participante do movimento, explica os sinais que vê desse novo comportamento. “O ato de você ficar em pé, cantando, com tambor e tudo, só é permitido em algumas áreas. Se for no lugar errado, vem alguém te reprimir. O problema é que eu não vi uma grande diferença nos serviços oferecidos dentro do estádio, tirando os banheiros”.
Protesto contra o alto preço dos ingressos - Foto: Reprodução

Das novas arenas, o Castelão vem sendo a maior decepção de público. A média de público nos 25 jogos realizados no estádio é de 10.916 pessoas por jogo, uma taxa de ocupação do estádio de 16,5%, pois o estádio tem capacidade de 66 mil lugares. Para Francisco Wellington da Silva, diretor da Cearamor, principal organizada do Ceará, que vem mandando seus jogos no Castelão, o principal problema são os preços praticados no estádio. “Desde que eu era criança e frequentava estádio, o futebol era uma coisa assim mais povão. Com a reforma, você não vê mais aquele torcedor mesmo, de verdade no campo”, afirma. “Tá tudo muito caro, preço do ingresso, bebida e comida lá dentro, fora que você não pode nem beber lá dentro… Futebol tá ficando chato”, conclui.

O que dizem os consórcios das novas arenas?
Os consórcios de empresas que administram os estádios afirmam que são os times que definem o preço do ingressos. Segundo os especialistas ouvidos pela Pública, manter o preço no alto seria uma estratégia dos clubes para forçar os torcedores a aderir aos programas de sócio-torcedor. “Isso funciona apenas para uma parcela de torcedores, e costuma estar diretamente atrelado ao momento do time. Ou seja, quando a fase é boa, o estádio enche, quando é ruim, volta a ficar vazio. Ingressos proibitivos não permitem que o torcedor crie vínculos com o time e desenvolva, com o tempo o desejo de se tornar sócio não apenas pela vantagem financeira, mas também pela experiência de ir ao jogo”, analisa Fernando Ferreira.
Segundo o grupo Arena Castelão Operadora de Estádio S/A, gestor do Castelão, em Fortaleza (CE), o ingresso normalmente custa R$ 30.
Já o Minas Arena, que administra o Mineirão, afirma que R$ 70 é o preço médio do setor mais barato em partidas do Cruzeiro, que tem contrato assinado para mandar seus jogos no estádio.
O consórcio responsável pelo estádio de Belo Horizonte nega a redução de torcedores nos estádios. “A média de público do Cruzeiro este ano está em torno de 20 mil torcedores, maior do que a registrada em anos anteriores, inclusive no Mineirão, antes da reforma”, informou, em nota.
A reportagem entrou em contato com o Complexo Maracanã Entretenimento S.A, gestor do estádio carioca, mas não obteve resposta até o fechamento.




sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Black Bloc: “Fazemos o que os outros não têm coragem de fazer”


“Os ativistas Black Bloc não são manifestantes, eles não estão lá para protestar. Eles estão lá para promover uma intervenção direta contra os mecanismos de opressão, suas ações são concebidas para causar danos às instituições opressivas.” É dessa forma que a estratégia de ação do grupo que vem ganhando notoriedade devido às manifestações no País é definida por um vídeo, divulgado pela página do Facebook “Black Bloc Brasil”, que explica parte das motivações e forma de pensar dos seus adeptos.
A ação, ou estratégia de luta, pode ser reconhecida em grupos de pessoas vestidas de preto, com máscaras ou faixas cobrindo os rostos. Durante os protestos, eles andam sempre juntos e, usualmente, atacam de maneira agressiva bancos, grandes corporações ou qualquer outro símbolo das instituições Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas”. Conheça a história e a forma de luta que se popularizou com o movimento antiglobalização e ganha destaque no Brasil “capitalistas e opressoras”, além de, caso julguem necessário, resistirem ou contra-atacarem intervenções policiais.
Devido ao atual ciclo de protestos de rua, o Black Bloc entrou no centro do debate político nacional. Parte das análises e opiniões classifica as suas ações como “vandalismo” ou “violência gratuita”, e também são recorrentes as críticas ao anonimato produzido pelas máscaras ou panos cobrindo a face dos adeptos. Mas o Black Bloc não é uma organização ou entidade. Leo Vinicius, autor do livro Urgência das ruas – Black Bloc, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global, da Conrad, (sob o pseudônimo Ned Ludd), a define o como uma forma de agir, orientada por procedimentos e táticas, que podem ser usados para defesa ou ataque em uma manifestação pública.
(Flickr.com/nofutureface)
Zuleide Silva (nome fictício), anarquista e adepta do Black Bloc no Ceará, frisa que eles têm como alvo as “instituições corporativas” e tentam defender os manifestantes fora do alcance das ações repressoras da polícia. “Fazemos o que os manifestantes não têm coragem de fazer. Botamos nossa cara a tapa por todo mundo”, afirma.
O jornalista e estudioso de movimentos anarquistas, Jairo Costa, no artigo “A tática Black Bloc”, publicado na Revista Mortal, lembra que o Black Bloc surgiu na Alemanha, na década de 1980, como uma forma utilizada por autonomistas e anarquistas para defenderem os squats (ocupações) e as universidades de ações da polícia e ataques de grupos nazistas e fascistas. “O Black Bloc foi resultado da busca emergencial por novas táticas de combate urbano contra as forças policiais e grupos nazifascistas. Diferentemente do que muitos pensam, o Black Bloc não é um tipo de organização anarquista, ONG libertária ou coisa parecida, é uma ação de guerrilha urbana”, contextualiza Costa.
De acordo com um dos “documentos informativos” disponíveis na página do Facebook, alguns dos elementos que os caracterizam são a horizontalidade interna, a ausência de lideranças, a autonomia para decidir onde e como agir, além da solidariedade entre os integrantes. Atualmente, há registros, por exemplo, de forças de ação Black Bloc nas recentes manifestações e levantes populares no Egito.
Manifestantes se reúnem em rua do Leblon, no Rio de Janeiro, próximos à casa do governador Sérgio Cabral (Foto: Mídia Ninja)
Black Bloc no Brasil
Para Leo Vinicius, é um “pouco surpreendente” que essa estratégia de manifestação urbana, bastante difundida ao redor do mundo, tenha demorado a chegar por aqui. “Essa forma de agir em protestos e manifestações ganhou muito destaque dentro dos movimentos antiglobalização, na virada da década de 1990 para 2000. Não é uma forma de ação política realmente nova”. No Brasil, existem páginas do movimento de quase todas as capitais e grandes cidades, a maior parte delas criadas durante o período de proliferação dos protestos. A maior é a Black Bloc Brasil, com quase 35 mil seguidores, seguida pela Black Bloc–RJ, com quase 20 mil membros.
A respeito da relação com o anarquismo, Vinicius faz uma ressalva. É preciso deixar claro que a noção de que “toda ação Black Bloc é feita por anarquistas e que todos anarquistas fazem Black Bloc” é falsa. “A história do Black Bloc tem uma ligação com o anarquismo, mas outras correntes como os autonomistas, comunistas e mesmo independentes também participavam. Nunca foi algo exclusivo do anarquismo. Na prática, o Black Bloc, por se tratar de uma estratégia de operação, pode ser utilizado até por movimentos da direita”, explica o escritor.
Para alguns ativistas, o processo de aceitação das manifestações de rua, feito pela grande mídia e por parte do público, de certa forma impôs que, para serem considerados legítimos, os protestos deveriam seguir um padrão: pacífico, organizado, com cartazes e faixas bem feitas e em perfeito acordo com as leis. Vinicius demonstra certa preocupação com a possibilidade do fortalecimento da ideia de que essa forma “pacífica” seja vista como o único meio possível ou legítimo de protestar. Ele afirma que não entende como violenta a ação Black Bloc de quebrar uma vidraça ou se defender de uma ação policial excessiva. “A violência é um conceito bastante subjetivo. Por isso, não dá pra taxar qualquer ato como violento, é preciso contextualizá-lo, entender as motivações por trás de cada gesto”, avalia.
Para ele, a eficácia de uma manifestação está em saber articular bem formas de ação “pacíficas” e “não pacíficas”. Foi esse equilíbrio, analisa, que fez com que o Movimento Passe Livre – São Paulo (MPL-SP) barrasse o aumento da tarifa na capital paulista. “Só com faixas e cartazes a tarifa não teria caído”, atesta. “Quem tem o poder político nas mãos só cede a uma reivindicação pelo medo, por sentir que as coisas podem sair da rotina, de que ele pode perder o controle do Estado”, sentencia.
Por outro lado, Vinicius alerta que é preciso perceber os limites para evitar que as ações mais “radicais” façam com que o movimento seja criminalizado ou se isole da sociedade e, com isso, perca o potencial de realizar qualquer mudança. Em sua obra, faz a seguinte definição daqueles que adotam a estratégia Black Bloc: “Eles praticam uma desobediência civil ativa e ação direta, afastando assim a política do teatro virtual perfeitamente doméstico, dentro do qual [a manifestação política tradicional] permanece encerrada. Os BB não se contentam com simples desfiles contestatórios, certamente importantes pela sua carga simbólica, mas incapazes de verdadeiramente sacudir a ordem das coisas”, aponta.
Outra crítica recorrente é o fato de os BB usarem máscaras ou panos para cobrirem os rostos. Os adeptos da ação explicam que as máscaras são um meio de proteger suas identidades para “evitar a perseguição policial” e outras formas de criminalização, como também criar um “sentimento de unidade” e impedir o surgimento de um “líder carismático”.
Luta antiglobalização
Com o passar do tempo, segundo Jairo Costa, as táticas Black Bloc passaram a ser reconhecidas como um meio de expressar a ira anticapitalista. Ele explica que geralmente as ações são planejadas para acontecer durante grandes manifestações de movimentos de esquerda.
O estudioso destaca como um dos momentos mais significativos da história Black Bloc a chamada “Batalha de Seattle”, em 1999, contra uma rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 30 de novembro daquele ano, após uma tarde de confrontos com as forças policiais, uma frente móvel de black blockers conseguiu quebrar o isolamento criado entre os manifestantes e o centro comercial da cidade. Após vencer o cerco policial, os manifestantes promoveram a destruição de várias propriedades, limusines e viaturas policiais, e fizeram várias pichações com a mensagem “Zona Autônoma Temporária”. Estimativas apontam prejuízos de 10 milhões de dólares, além de centenas de feridos e 68 prisões.
Para Costa, um dos episódios mais impactantes – e duros – da história Black Bloc foi o assassinato de Carlo Giuliani, jovem anarquista de 23 anos, durante a realização simultânea do Fórum Social de Gênova e a reunião do G8 (Grupo dos oito países mais ricos), na Itália, em julho de 2001. Ele lembra que, após vários confrontos violentos – alguns deles vencidos pelos manifestantes, que chegaram a provocar a fuga dos policiais, que deixaram carros blindados para trás –, ocorreu o episódio que levou à morte de Giuliani.
“Ele partiu para cima de um carro de polícia tentando atirar nele um extintor de incêndio. Muitos fotógrafos estavam por lá e seus registros falam por si. Ao se aproximar do carro, Giuliani é atingido por dois tiros, um na cabeça. E, numa cena macabra, o carro da polícia dá marcha a ré e atropela-o várias vezes”, narra. Os assassinos de Carlo Giuliani não foram condenados. Dois anos após o fato, a Justiça italiana considerou que a ação policial se deu como “reação legítima” ao comportamento do militante.
Alvos capitalistas
Entre as formas de ação direta do Black Bloc destacam-se os ataques aos chamados “alvos simbólicos do capital”, que incluem joalherias, lanchonetes norte-americanas ou ainda a depredação de instituições oficiais e empresas multinacionais. Costa explica que essas ações “não têm como objetivo atingir pessoas, mas bens de capital”.
Zuleide justifica a destruição praticada contra multinacionais ou outros símbolos capitalistas, porque elas seriam mecanismo de “exploração e exclusão das pessoas”. “Queremos que esses meios que oprimem e desrespeitam um ser humano se explodam, vão embora, morram. Trabalhar dez horas por dia para não ganhar nada, isso é o que nos enfurece. Por isso, nossas ações diretas a eles, porque queremos causar prejuízos, para que percebam que há pessoas que rejeitam aquilo e que lutam pela população”, explica.
Ela reconhece que essas ações diretas podem deixá-los “mal vistos” na sociedade, já que há pessoas que pensam: “Droga, não vou poder mais comer no ***** porque destruíram tudo”. Porém, Zuleide afirma que o trabalhador, explorado por essas corporações, “adoraria fazer o que nós fazemos”, mas, por ter família para sustentar e contas a pagar, não faz. “Esse é mais um dos motivos que nos fazem do jeito que somos”, pontua.
Vinicius explica que, nas “ações diretas”, os black blockers atacam bens particulares por considerarem que “a propriedade privada – principalmente a propriedade privada corporativa – é em si própria muito mais violenta do que qualquer ação que possa ser tomada contra ela”. Quebrar vitrines de lojas, por exemplo, teria como função destruir “feitiços” criados pela ideologia capitalista. Esses “feitiços” seriam meios de “embalar o esquecimento” de todas as violências cometidas “em nome do direito de propriedade privada” e de “todo o potencial de uma sociedade sem ela [as vitrines]”.
Sem violência?
Em praticamente todas as manifestações, independentemente das causas e dos organizadores, tornou-se comum o grito: “Sem violência! Sem violência!”, que tinha como destinatários os policiais que, teoricamente, entenderiam o caráter “pacifista” do ato. Também seria uma tentativa de coibir a ação de “vândalos” ou “baderneiros”, que perceberiam não contar com o apoio do restante da massa.
Zuleide reconhece que, inicialmente, a ação Black Bloc era alvo desses gritos, mas, segundo ela, quando as pessoas entendem a forma como eles atuam, isso muda. “Os manifestantes perceberam que o Estado não iria nos deixar falar, nos deixar reivindicar algo, e começaram a nos reprimir. Quando há confronto [com a polícia], nós os ajudamos retardando a movimentação policial ou tirando eles de situações que ofereçam perigo, e alguns perceberam isso”, afirma.
Apesar de os confrontos com policiais não serem uma novidade durante as suas ações, os adeptos afirmam não ter como objetivo atacar policiais. Contudo, outro documento intitulado “Manifesto Black Bloc” deixa claro que, caso a polícia assuma um caráter “opressor ou repressor”, ela se torna, automaticamente, uma “inimiga”.
No “Manual de Ação Direta – Black Bloc”, também disponível na internet, a desobediência civil é definida como “a não aceitação” de uma regra, lei ou decisão imposta, “que não faça sentido e para não se curvar a quem a impõe. É este o princípio da desobediência civil, violenta ou não”. Entre as possibilidades de desobediência civil são citadas, por exemplo, a não aceitação da proibição da polícia que a manifestação siga por determinado caminho, a resistência à captura de algum manifestante ou, ainda, a tentativa de resgatar alguém detido pelos policiais.
Também são ensinadas táticas para resistir a gás lacrimogêneo, sprays de pimenta e outras formas de ação policial, além de dicas de primeiros socorros e direitos legais dos manifestantes. De acordo com o documento, as orientações desse manual tratam apenas da desobediência civil “não violenta”.
Outra orientação é que seja definido, antes da manifestação, se a desobediência civil será “violenta” ou “não violenta”. Caso se opte pela ação ‘não violenta’, essa decisão deve ser respeitada por todos, visto que não cumprir o combinado pode pôr “em risco” outros companheiros, além de ser um sinal de “desrespeito”.
Contudo, o mesmo manual deixa claro que o que “eles fazem conosco” todos os dias é uma violência, sendo assim, “a desobediência violenta é uma reação a isso e, portanto, não é gratuita, como eles tentam fazer parecer”.
Uma breve história
1980: O termo Black Bloc (Schwarzer Block) é usado pela primeira vez pela polícia alemã, como
forma de identificar grupos de esquerda na época denominados “autônomos, ou autonomistas”, que lutavam contra a repressão policial aos squats (ocupações).
1986: Fundada, em Hamburgo (Alemanha), a liga autonomista Black Bloc 1500, para defender o Hafenstrasse Squat.
1987: Anarquistas vestidos com roupas pretas protestam em Berlim Ocidental, por ocasião da presença de Ronald Reagan, então presidente dos EUA, na cidade.
1988: Em Berlim Ocidental, o Black Bloc confronta-se com a polícia durante uma manifestação
contra a reunião do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
1992: Em São Francisco (EUA), na ocasião do 500º aniversário da descoberta da América por Cristóvão Colombo, o Black Bloc manifesta-se contra o genocídio de povos nativos das Américas.
1999: Seattle contra a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estima-se em 500 o número de integrantes do Black Bloc que destruíram o centro econômico da cidade.
2000: Em Washington, durante reunião do FMI e Banco Mundial, cerca de mil black blockers anticapitalistas saíram às ruas e enfrentaram a polícia.
2000: Em Praga (República Tcheca), forma-se um dos maiores Black Blocs que se tem notícia, durante a reunião do FMI. Cerca de 3 mil anarquistas lutam contra a polícia tcheca.
2001: Quebec (Canadá). Membros do Black Bloc
são acusados de agredir um policial durante uma marcha pela paz nas ruas de Quebec. Após esse evento, a população local e vários manifestantes de esquerda distanciaram-se da tática Black Bloc e de seus métodos extremos.
2001: A cidade de Gênova (Itália), ao mesmo tempo, recebeu a cúpula do G8 e realizou o Fórum Social de Gênova, com um grande número de Black blockers, além de aproximadamente de 200 mil ativistas. A ação ficou marcada pela violenta morte do jovem Carlo Giuliani, de 23 anos.
2007: Em Heiligendamm (Alemanha), reunião do G8 foi alvo de uma ação com a participação de cerca de 5 mil blackblockers . Mobilização Black Bloc de cerca de 5.000 pessoas
2010: Toronto (Canadá), na reunião do G20. Neste confronto, mais de 500 manifestantes foram presos e dezenas de outros ativistas foram parar em hospitais com inúmeras fraturas.
2013: Cairo (Egito). O Black Bloc aparece com forte atuação nos protestos da Praça Tahir, no combate e resistência ao exército do então presidente Hosni Mubarak.
Fonte: Artigo “A Tática Black Bloc”, escrito por Jairo Costa, na Revista Mortal, 2010


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Mãe de faxineiro assassinado: “A PM serve para matar nossos filhos”

Absurdo, esses assassinos tem que pagar por esse crime. Sei como age a PM da Baixada Santista, já passei por suas abordagens, no meu caso, sobrevivi, mas muitos não tiveram a mesma sorte, como o trabalhador Ricardo Ferreira Gama. Até quando viveremos nessa barbárie? 

Pragmatismo Politico

Pais de Ricardo Ferreira Gama contam sobre ameaças que funcionário da Unifesp na Baixada Santista vinha sofrendo antes de ser morto a tiros

O pequeno cômodo de cerca de dez metros quadrados no fundo de um casarão no bairro de Vila Mathias, em Santos, tem parecido grande para dona Elvira desde que seu único filho, Ricardo Ferreira Gama, foi morto a tiros por homens não identificados na esquina de casa, no dia 2. “É muito difícil ficar aqui dentro”, conta. Na casa há apenas uma mesinha com três cadeiras, uma cômoda com uma televisão, geladeira, fogão e uma cama de casal.
ricardo gama assassinado unifesp
Momento em que Ricardo Gama foi detido (Foto: Divulgação)

O quartinho modesto está cheio de lembranças do “gordinho”, como dona Elvira carinhosamente chamava o filho de 30 anos. “Como o quarto é muito pequeno, não tinha como armar outra cama. Então ele dormia comigo”, conta com a voz embargada. Na tentativa de aplacar a dor e por orientação de amigos preocupados com sua segurança, nas duas noites seguintes ao crime ela dormiu na casa de uma amiga. Mas depois resolveu ficar no seu próprio canto. “Seja o que Deus quiser. Se quiserem vir me matar, que venham. Vou ficar aqui”, diz. A mulher de 58 anos tem certeza que o grupo que matou o rapaz era formado por policiais militares.
Ricardo, que era auxiliar de serviços gerais da unidade da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) na Baixada Santista, foi morto dois dias depois de ter sido agredido violentamente por PMs na frente do campus da universidade. Antes do episódio, no entanto, ele já vinha sendo seguidamente abordado por integrantes da corporação, de acordo com o relato dos pais e de estudantes que presenciaram a agressão e conversaram com a reportagem sob a condição de anonimato. “Ele não tinha sossego. Quando saía, os PMs o abordavam. Por isso, até quando ia passear colocava o crachá do serviço”, lembra a mãe.
José, pai de Ricardo, lembra que nem o crachá e o uniforme adiantavam. Bastava vê-lo na rua para a polícia o abordar. Segundo o jovem relatava ao pai, nessas batidas frequentemente o agrediam. “Pelo jeito os PMs que o perseguiam achavam que não deveria trabalhar, que deveria ficar mexendo com drogas. Ele chegou a falar para eles: ‘Vocês querem me colocar no crime, mas eu não vou. Vou trabalhar, seguir minha vida normal.’”
Os “enquadros” que Ricardo sofria começaram a acontecer logo após ele sair da prisão, conta dona Elvira. O jovem ficou detido dois anos e quatro meses por tráfico de drogas. Aos pais, o rapaz garantia que o flagrante havia sido forjado pela polícia. Foi uma época muito difícil: “fizesse chuva ou sol eu estava lá todos os domingos para visitá-lo”. Quando saiu, há um ano e oito meses, Ricardo trabalhou um tempo na padaria de sua irmã por parte de pai. Pouco mais de um ano depois, conseguiu o emprego na Unifesp, onde ganhava um salário mínimo. “Ele estava com tantos planos, estava feliz. Falava: ‘Essa faculdade é muito boa, joga a gente para cima’. Tinha tanto orgulho de colocar o uniforme, o crachá… até em dia de folga ele ia para lá”, conta a mãe. As abordagens policiais que o filho recebia, porém, preocupavam Elvira, que sugeria que fossem para o interior, de volta à sua cidade natal, Tupã, onde mora o restante da família. “Mas ele não queria ir, adorava Santos”.
Agressão. A violenta agressão de policiais militares ao jovem auxiliar de serviços gerais aconteceu no dia 31 de julho. Em uma pausa do trabalho, Ricardo estava fumando com um colega em frente a uma casa abandonada, vizinha do campus da universidade, quando foi abordado pelos três PMs. “Quando cheguei à faculdade, ele já estava todo ensanguentado, pedindo socorro e apanhando, principalmente de um dos policiais, que estava sem identificação”, relata à reportagem uma das alunas que testemunhou a agressão. Em seguida, o funcionário da Unifesp foi colocado no camburão, sob protestos dos estudantes. Entre eles, três que filmaram o jovem, com o rosto ensanguentado, sendo levado.
Os policiais disseram aos alunos que Ricardo seria encaminhado ao 1º Distrito Policial. Porém, quando chegarem lá ouviram que ele estava no 4º DP, na região da universidade. Enquanto, na verdade o rapaz se encontrava na Santa Casa, onde levava cinco pontos na boca. Os estudantes tentaram fazer um boletim de ocorrência, mas foram intimidados pelos mesmos PMs, que estavam no local. No mesmo dia, segundo relatos, eles foram ao campus da Unifesp perguntar se alguém conhecia os estudantes que gravaram a agressão. Quando souberam da morte de Ricardo, os autores do vídeo foram embora da cidade.
Do hospital, Ricardo foi para casa trocar o uniforme ensanguentado, pois queria voltar ao trabalho. “Filho, o que aconteceu? Com quem você brigou?”, perguntou dona Elvira, assustada. “Foram os PMs, mãe.” Com novo uniforme no corpo, o rapaz saiu. Na porta do casarão, policiais o esperavam. “Sujou lá. Os estudantes estão mostrando os vídeos na delegacia”, disse um deles. “Se não derem sumiço nesses vídeos, o negócio vai ficar feio.” Ricardo prometeu que falaria com os alunos e recebeu a promessa de que tudo ficaria bem. Mais tarde, no mesmo dia, ele próprio descreveria esse diálogo à mãe, na tentativa de tranquilizá-la. “Já me pediram desculpas, mãe, e eu pedi desculpas a eles”, falou. “Ele não tinha malícia”, lamenta dona Elvira, que não sabe dizer se eram os mesmos homens que o havia agredido.
Nesse mesmo dia, ao vê-lo com os pontos na boca, todo arrebentado, seu José aconselhou o jovem: “Ricardo, isso não está bom. Antes era abordagem, agora é agressão. É melhor você ir embora, filho. Por que você não vai ficar com a família da sua mãe em Tupã? Vai ficar sendo abordado até quando?” Ricardo respondeu: “Mas lá não tem emprego, pai.”
Execução. O auxiliar de serviços gerais da Unifesp trabalhava das 13hs às 22hs. Na madrugada do dia 1º para o dia 2 de agosto, passada meia-noite, pediu R$ 6 emprestados à mãe para comer um lanche no Mac Rampa, próximo ao Mercado Municipal, a dois quarteirões de casa. Dona Elvira tentou alertá-lo sobre o risco de sair na rua àquela hora, mas para Ricardo já estava tudo resolvido.
Alguns minutos depois, quando voltava para casa, a poucos metros da porta, um carro com quatro pessoas encapuzadas no interior o fechou. Duas motos se aproximaram. Seus quatro passageiros, todos com capacete, começaram a disparar contra Ricardo, que morreu na hora.
Dona Elvira já estava deitada quando ouviu o “pen, pen, pen!” Achou que o ruído vinha do escapamento de uma moto, mas logo depois o vizinho bateu na sua porta: “Dona Elvira! Dona Elvira! Atiraram no Ricardo aqui na esquina!” “Eu saí, vi aquele monte de sangue, meu filho estendido, não aguentei ver aquilo, não conseguia ver, tinha muito sangue”, relata. “Horas depois, quando tiraram o corpo dele, peguei água e fui lavar a rua. Lavei o sangue do meu filho.”
Seu José estava dormindo quanto tocou o telefone. Era dona Elvira: “Meu deus, mataram nosso filho, mataram nosso filho!” O pai de Ricardo não queria acreditar. “Não, calma, não mataram não! Você está brincando!”. Pegou o carro e foi correndo ao local. Ao chegar, viu as pessoas em volta do corpo e a polícia tentando isolar a área, impedindo a passagem. “Entrei mesmo assim e o vi daquele jeito. Desabou o mundo”, relata. “Ele era um menino bom, tinha um coração enorme, não fazia mal pra ninguém. Só que tinha passagem, então eles acharam que tinha de morrer.”
Um vizinho contou à mãe de Ricardo que um grupo de amigos que conversava em uma das casas saiu à rua assim que os tiros foram disparados e viu as motos fugindo em alta velocidade. Antes, na mesma noite, elas já rondavam o local. Os moradores, no entanto, estão receosos em falar. “Aqui na região o pessoal tem medo da PM. E a gente ouve muita história de encapuzados, em Guarujá, São Vicente, Vicente de Carvalho. E são sempre jovens que morrem. Outro dia mataram outro aqui perto”, diz. “Antes, quando ouvia um caso desses, de homens em motos matando um jovem, eu achava que era briga de traficante. Mas, olha, hoje eu tenho certeza que não é, que é essa polícia, que é um grupo de extermínio. A PM não serve para cuidar dos outros, serve para matar nossos filhos, para nos deixar chorando em cima do sangue do corpo do filho da gente.”
Investigação. Diante da grande repercussão do caso, especialmente após a divulgação do vídeo da agressão a Ricardo, as investigações estão sendo conduzidas por uma parceria entre a Polícia Civil da Baixada Santista, o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) e Corregedoria da Polícia Militar. Em entrevista à reportagem, Aldo Galiani, comandante da Polícia Civil na região, afirmou que há duas linhas de investigação: uma represália de policiais militares ao fato ocorrido dois dias antes do crime e um acerto de contas do tráfico de drogas.
“Quanto à primeira, não há nada, nenhum indício que nos leve a essa conclusão. O que mais se encaminha é que ocorreu a segunda hipótese. O tipo de crime é característico de execução de tráfico de drogas, mas é prematuro chegar a alguma conclusão”, disse. Segundo Galiano, a segunda linha de investigação ganha força por causa do “antecedente complicado” de Ricardo. Sobre a primeira hipótese, o delegado afirmou: “Se ele se desentendeu com policiais, que as testemunhas levem à gente esses fatos. Não descartamos ter policiais envolvidos, mas estamos caminhando para todos os lados. Pode até ter sido um grupo de ex-policiais ligados ao tráfico, mas da ativa eu acho difícil”.
O defensor público Antônio Maffezoli, que acompanha o caso, discorda. Para ele, execuções praticadas por homens de capacete em motos ou encapuzados em carros são claramente características de grupos de extermínio formados por policiais. “Principalmente aqui na Baixada, onde já houve várias mortes com o mesmo modus operandi. Os assassinatos do tráfico não são assim”, diz.
De acordo com ele, os três PMs envolvidos na agressão a Ricardo dois dias antes de seu assassinato já foram identificados, mas ainda não foram ouvidos. “Aquela agressão, que foi filmada, o fato de os policiais terem voltado lá, ameaçado os estudantes querendo conseguir o vídeo levanta muitas suspeitas. O que se espera é que os órgãos de investigação façam a investigação, que sigam o que é uma suspeita ou indício e que consigam colher provas. E logo, para que tudo isso não se perca com o passar no tempo, como aconteceu com outros crimes.”
Procurada pela reportagem, a PM não se manifestou até o fechamento da matéria.