Grupo de extermínio pago pela sociedade, voltado contra essa mesma sociedade.
O fato de um dos responsáveis pelo massacre do Carandiru, homem que responde por mais de 70 mortes, ter sido promovido a comandante da ROTA, elucida tudo.
Por Ronan, Passa Palavra
A gestão de qualquer área ou instituição depende de uma série de acordos. Seja uma penitenciária, escola, manicômio ou centro cultural, há sempre uma previsão sobre como as coisas ocorrerão. Não se trata puramente de acordos explícitos. Na maioria dos casos o que ocorre é um acordo tácito, algo dado sem ser dito, sobre quais são as regras do jogo, como agirão os protagonistas. A atual guerra particular entre policiais e criminosos em São Paulo faz recordar essa observação básica. Se de uma hora para outra há um surto de violência, tendemos a especular sobre o que mudou nos procedimentos que envolvem a gestão da segurança pública e que servem para manter a relação entre policiais e bandidos num nível menos sangrento e mais racional.
Diante do que dispomos é preciso pontuar que o atual cenário está ligado ao fato de homens truculentos da polícia militar terem chegado ao alto escalão da segurança pública, o que levou à ascensão da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) e à apologia de uma política mais letal, isso tudo num contexto de policialização da política (coronéis como subprefeitos de 30 das 31 subprefeituras, militares eleitos como vereadores). O atual secretário de segurança, Antônio Ferreira Pinto, principal dos secretários de Serra a prosseguir no governo Alckmin, é homem de carreira da polícia militar e abertamente defensor de métodos duros. Conforme André Caramante, sua assunção do cargo significou uma centralidade para a ROTA na estratégia de controle das ruas. Houve promoção de homens que, ou são diretamente da ROTA, ou possuem ligação estreita com a mesma e com o ideário que ela representa. O fato de um dos responsáveis pelo massacre do Carandiru, homem que responde por mais de 70 mortes, ter sido promovido a comandante da ROTA, elucida tudo.
Se a economia criminal não foi tocada em nada, qual a razão da primavera sangrenta, o que a justifica? Foram mais de 85 policiais mortos até agora, a maioria fora do serviço. A quantidade de criminosos mortos é bem maior e de civis vitimados também. Acompanhando pelos jornais, a guerra começou depois que a ROTA passou a emboscar criminosos, assassinando-os em sequência (não se sabe qual o critério de seleção). Com dados colhidos via investigação e bandidos cooptados, descobrem um plano de assalto, uma reunião de bandidos e os emboscam, levando-os à morte. Diante da fatalidade da morte, sem oportunidade do processo legal, os criminosos começaram a reagir e iniciou-se a matança de policiais. Toda uma guerra foi deflagrada por conta da aplicação de métodos particulares, inconstitucionais e sangrentos, caros a um batalhão da polícia e apoiados pelo secretário. Com a explosão dos homicídios, sem resultados efetivos quanto à queda da criminalidade, a população está pagando um preço muito alto para atender aos preceitos de uma parcela da PM. Talvez à visão particular de uns poucos.
Até o momento, o atual secretário de segurança, Antônio Ferreira Pinto, ficou imune às críticas e notícias veiculadas pelos jornais. Ao contrário, a queda veio do lado dos críticos. Um jornalista da Folha de São Paulo, André Caramante, foi obrigado a se exilar do país por conta das ameaças recebidas depois que publicou matéria a respeito da truculência do Coronel Telhada no Facebook – há mesmo todo um debate feito nos bastidores sobre se o governador não se tornou refém do secretário herdado de Serra e da ala dura que o cerca. Se um jornalista da Folha de São Paulo é obrigado a se exilar, podemos imaginar o que ocorre com o jovem da periferia que encara a brutalidade policial fora dos holofotes.
Deve-se chamar a atenção para a forma como grossa parte da esquerda, meio artístico e intelectual, praticamente fugiu do assunto, fazendo de conta que não há uma guerra, com muitos inocentes vitimados e toda uma população afetada. De uma parte isto se deve ao distanciamento quanto ao cotidiano dos comuns, de outro, há mesmo certo elitismo que só pronuncia a palavra ditadura quando a vítima era um quadro, pessoa que ia ser alguém na vida. Mas, também, há o caso infeliz de a guerra se passar em ano eleitoral e o cabresto partidário da esquerda evitar que ela se pronuncie para não ser associada pelos opositores com o crime, não correr o risco de ser acusada de defender bandidos. Diante dos interesses eleitorais desta esquerda, os populares ficaram, mais uma vez, sozinhos.