Que partido é este LAOS, da extrema direita, que entrou no governo “tecnocrata” de Lucas Papademos, apresentado como de “unidade nacional”? Por Yanis Varoufakis
Uma breve história da penetração racista/fascita/neonazi do novo governo “tecnocrata” da Grécia provará o pior legado de George Papandreu: esta manobra infantil no último momento para maximizar o decrescente controlo do poder (enquanto negociava o seu despedimento do cargo de primeiro-ministro), trouxe para o governo de “unidade nacional” quatro racistas confessos (alguns dos quais são neofascistas e um deles é um conhecido neonazi). É também bastante irónico: a grande qualidade do Sr. Papandreu tem sido o seu cosmopolitismo, o seu antinacionalismo demonstrado, um compromisso genuíno para com as minorias e uma intolerância profunda relativamente ao racismo. Caramba, é este o engodo do poder, parece que a entrada para o novo governo de um ministro e três sub-ministros representando o LAOS (um pequeno partido de extrema direita) foi cinicamente considerado um pequeno preço a pagar, em vez de conceder mais controlo aos oponentes políticos do Sr. Papandreu nos dois grandes partidos – o seu próprio PASOK e a Nova Democracia, a oposição conservadora.
Para o não gregos que viram com a respiração suspensa a tomada de posse do ovo da serpente, estas notícias vindas da Grécia soaram terríveis. E deveriam! Pois uma vez mais a Grande Depressão deu lugar a uma nova espiral de fascismo. E embora a Grécia seja pequena e deva ser irrelevante, o seu passado gerou grandes perigos para o mundo. Não esqueçamos, a Guerra Fria não começou nas ruas de Berlim mas nos becos de Atenas em Dezembro de 1944. A Grécia foi também um dos primeiros países a estabelecer um regime claramente fascista após o Crash de 1929: a ditadura de Metaxas em 1936. Mais recentemente, um golpe apoiado pela CIA trouxe para o poder fascistas gregos seis anos antes do General Pinochet lançar os seus tanques contra o palácio presidencial em Santiago (do Chile), certamente inspirado pelo “sucesso” dos seus confrades gregos. Atualmente, com a Grécia a liderar a Europa no mergulho de cabeça numa nova recessão e uma desintegração completa com notas racistas (os alemães a desprezarem os gregos e vice-versa), é tempo de o mundo se dar conta. Reparar na ironia do fim trágico de Papandreu não é suficiente. Os progressistas à volta do mundo têm de permanecer vigilantes.
A breve história do partido LAOS
O parceiro júnior do governo do Sr. Lucas Papademos é um partido chamado LAOS. O seu acrónimo significa Comício Popular Ortodoxo mas forma a palavra grega para “povo”, ou o equivalente do alemão “volk”. O seu líder é um Sr. George Karatzaferis (foto); um ex-jornalista de televisão de terceira categoria com um sentido especial para os benefícios do apelo, via meios populistas de direita, à direita do partido conservador. Na década de 1980, quando a sua carreira de televisão recusava-se a arrancar nos grandes canais, ele investiu astutamente num pequeno canal próprio (chamado Telecity) o qual usou, ao jeito norte-americano, como um feudo pessoal. À base de queixas na TV carregadas de notas racistas, conseguiu, imperturbável pela péssima qualidade dos seus programas, assegurar um bando de fiéis espetadores da direita e da classe baixa. As suas armas são três:
. ataques incessantes contra o partido socialista, PASOK; especialmente Andreas Papandreou (pai de George Papandreu);
. uma campanha racista incontrolável que se serviu da apreensão da sociedade grega apanhada por um fluxo súbito de imigrantes, especialmente albaneses (a seguir à implosão do país vizinho da Grécia em 1991),
. uma onda nacional de raiva e baixa auto-estima acentuada pela queda da Jugoslávia após 1991 que levou à ex-república jugoslava, Macedónia, a procurar independência sob o nome de República da Macedónia; um evento que despoletou uma histeria nacionalista na Grécia, não confinada (deve ser dito) à direita do espectro político.
No início, Karatzaferis atuou como um populista no interior do principal partido conservador, o Nova Democracia. De facto, com a cortesia da estação televisiva e o seu pequeno mas fiel bando de seguidores, conseguiu ser eleito em Atenas deputado da Nova Democracia com uma maioria clara. Não obstante, a liderança da Nova Democracia, enquanto tentava controlá-lo, nunca lhe deu um alto cargo dentro do partido. E quando este entrou num período de intensas divisões internas (como resultado dos grandes resultados do PASOK nos anos 90), Karatzaferis parecia ter apostado no cavalo errado ao encontrar-se marginalizado no interior do partido. [A sua separação da Nova Democracia chegou quando o porta-voz, um jovem bem apresentado que era politicamente chegado ao líder do partido, insinuou inequivocamente que ele era homossexual.] Nesse ponto, o sr. Karatzaferis tomou a decisão de sair da Nova Democracia e usou o poder combinado da sua posição como deputado e o seu lamentável (no que respeita a qualidade) canal de TV para começar um partido de extrema-direita. A escolha do acrónimo, LAOS, agradou à Igreja Ortodoxa Grega (o “O” em LAOS significa “ortodoxo”) enquanto que as suas queixas anti-imigrantes foram dirigidas a (a) gregos desanimados (desempregados, pequeno burgueses em stress, etc.) e (b) vários neofascistas.
A julgar pelo pessoal escolhido para o LAOS, era fácil ignorá-lo como uma falsa partida. Nenhum deles tinha glória alguma na política dominante. Compreendiam alguns líricos sobre o glorioso passado grego não-existente, reminiscências de velhos monárquicos (alheados da direita dominante desde 1975 quando a sua liderança aderiu ao republicanismo), um pequeno bando de apoiantes da ditadura fascista de 1967-1974 e, o mais importante, um pequeno mas dinâmico bando de jovens apoiantes que necessitavam de encontrar um 'asilo político' para as suas narrativas anti-imigrantes (para as quais a sociedade não tinha tempo). Crucialmente, dentro desta mistura de grupos de direitosos sem nenhum sentido ideológico sério, duas figuras sobressaem: o Sr. Voridis e o sr. Plevris. Dois jovens com uma posição política não comprometida e planos definidos para o LAOS.
Dois exemplos dos adeptos do LAOS
Enquanto o sr. Karatzaferis é um líder acidental, e provavelmente não é mais racista do que muitos políticos dos partidos dominantes (no sentido de que ele só formou o LAOS quando achou que as suas fortunas pessoais seriam melhor servidas desta maneira do que continuar no Nova Democracia; e depois deu o toque racista para diferenciar o seu “produto”), o mesmo não se pode dizer de algumas luzes do LAOS. Aqui estão dois exemplos.
Plevris é filho de primeiro ideólogo grego nazi pós-guerra. Por favor, repare que o uso do termo nazi não é uma tentativa de insultá-lo. Pois o sr. Plevris está orgulhoso disso (Nacional Socialista era, devo admitir, o seu termo preferido embora ele não se importasse de ser chamado de Nazi). Os seus livros e publicações esforçaram-se por defender a versão “nacional-socialista” da História, incluindo a ardente perseguição dos Judeus (como uma defesa natural do povo ariano contra a conspiração judaica), por negar o Holocausto, por defender sistematicamente a ocupação da Grécia, etc. etc. De facto, o pai Plevris formou algumas organizações neonazis depois de 1974 e demonstrou a determinação incrível ao manter a sua posição neonazi numa altura em que a esquerda grega ressurgia e extrema-direita se retirava. Fosse o sr. Plevris mais novo, teria desempenhado um papel ativo no LAOS. O melhor, como veio a acontecer, foi que ele promoveu o seu filho dentro do partido – o resultado é que Plevris Junior é agora um deputado. Embora seja importante não presumir que um filho tem necessariamente de carregar a responsabilidade pelas ideias e atividades políticas do pai, no caso de Plevris Junior ele não questionou (pelo menos em público) o considerável legado do pai.
Deixem-me agora falar de um segundo jovem, o sr. Voridis, que agora é ministro do governo (com a pasta das Obras Públicas). Voridis é um ativista neonazi com um passado de violência (ele é conhecido por tomar parte nos ataques contra os estudantes e ativistas de esquerda) mas também um burguês (formou-se no American College of Atherns, uma grande incubadora da elite grega). Embora ele agora negue ser nazi e designe-se como nacionalista, nunca negou a essência do seu passado antissemita e anti-imigrante. Fala bem e sabe como apelar à ansiedade das pessoas enquanto mascara o lado mais negro da sua ideologia pútrida.
A “Cultura” do LAOS
Recordo, não há muito anos atrás, que na altura do meu regresso à Grécia vindo da Austrália, tratava do meu “jetlag”, durante a madrugada, a ver o Telecity, a repugnante estação televisiva do sr. Karatzaferis. Era hilariante. Até hoje não esqueci um programa em que um maluco de direita explicava um argumento que, confesso, não previ.
Começou por declarar que, embora fosse um cristão ortodoxo devoto, acreditava agora em Darwin. Isto chamou a minha atenção e continuei a ver. Ele falou e falou sobre como os registos fósseis tornam claro que as objeções cristãs ao darwinismo não eram sustentáveis. Apesar de ele não parecer discursar como um lunático, soava eminentemente razoável. Até que a certo ponto ele perguntava: “Mas há alguma evidência de que nós, gregos, o povo escolhido que iluminou a civilização, evoluiu a partir dos macacos? É isto possível, pergunto-vos? Claro que não!” Nessa altura eu era todo ouvidos e olhos. “Que poderia ter ele na manga?”, questionei.
A minha incredulidade cresceu quando o apresentador começou a mostrar fotografias aéreas de uma montanha perto de Atenas, alegando que revelavam a existência de estradas antigas, grutas e túneis. Depois de todas as provas terem sido exibidas, veio o golpe de mestre: era claro para ele que o puzzle tinha sido resolvido: o gregos eram, ao contrário do resto da humanidade (que descendeu, de facto, dos macacos), os descendentes de uma über raça de extra-terrestres. Desisti de ver mais.
O perigo
A maioria dos gregos lembra-se de narrativas ridículas associadas ao LAOS do género das que relatei. É normal, portanto, que muitos não consigam levar o LAOS a sério. No grande esquema dos problemas gregos, a maioria pensa que o LAOS é uma distração que amanhã desaparecerá. Estão no governo devido à tática tola de Papandreu mas vão regressar à margem em breve. Esta é uma perigosa armadilha. Racismo oficial no poder, mesmo que o governo não dure muito, envenena a sociedade inteira a longo prazo. Os ovos da serpente, uma vez chocados, terão a capacidade para espalhar o seu veneno longe, em larga escala e profundamente. Uma vez libertado, o antissemitismo, como já deveríamos saber, faz o seu trabalho subterraneamente e com pleno equilíbrio. Para já, um deputado muçulmano do PASOK do norte da Grécia, recusou dar o seu voto de confiança ao novo governo. Imediatamente, o LAOS agarrou a oportunidade para debater, através do seu líder oportunista, que isto era uma coisa boa, pois mostra que o governo turco está descontente com a presença de verdadeiros patriotas no novo governo grego. Note-se como o racismo está a forjar divisões dentro da sociedade grega (tornando o representante muçulmano numa figura do tipo Dreyfus) e, também, está a criar novas clivagens entre os gregos e os seus vizinhos após anos de progresso substancial para tapá-las (progresso que é em grande parte devido ao bom trabalho de George Papandreu enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros).
A âmago do problema
1929 devia ter-nos ensinado que duas coisas acontecem após o colapso da banca, dívida e da economia real: primeiro, a moeda normal contrai-se e morre (o padrão-ouro na altura, o euro agora). Segundo, o racismo mostra a sua cara horrenda, consegue entrada no governo e, antes de darmos conta, torna impossível encontrar meios civilizados para contrariar a crise. Toda a conversa sobre o governo tecnocrata pró-europeu na Grécia, e a verdade é que tem um lado terrível que já chocou os ovos. É melhor que o mundo tome cuidado.