Laços entre Brasil e Bolívia estão marcados por obras de infraestrutura
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixará um "plano de voo" para as relações do Brasil com outros países sul-americanos "difícil de ser modificado" por seu sucessor, na opinião de analistas entrevistados pela BBC Brasil.
"Os interesses estratégicos do Brasil já superam a política interna brasileira", afirma o economista boliviano Javier Gómez, diretor do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Trabalhista e Agrário (CEDLA, na sigla em espanhol), com sede em La Paz.
Gómez acrescenta que os laços do Brasil com a Bolívia, por exemplo, ficaram marcados recentemente por uma série de obras de infraestrutura, financiadas pelo BNDES, que serão realizadas no território boliviano nos próximos anos, durante a gestão do sucessor de Lula.
"São hidrelétricas e estradas que interessam aos dois países. Para o Brasil, por exemplo, (interessam) estradas para o acesso ao oceano Pacifico e maior nível de energia elétrica", afirmou o analista. Para a Bolívia, acrescenta Gómez, a possibilidade de escoar a produção das terras baixas (Santa Cruz e Beni, por exemplo) às terras altas (como La Paz).
Fronteira
Entre as obras citadas pelo diretor do CEDLA estão a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Madeira, e a estrada que ligará a região do Chapare, em Cochabamba, à localidade de San Ignácio de Moxos, em Beni, na fronteira com o Brasil.
Essa estrada, que estaria pronta em três ou quatro anos, foi criticada pela oposição brasileira durante a campanha eleitoral como uma obra que facilitaria o tráfico de cocaína para o Brasil.
A região do Chapare é conhecida como a maior produtora de folha de coca da Bolívia. Em maio, em entrevista a uma rádio no Rio, o candidato José Serra (PSDB) disse que 90% da cocaína consumida no Brasil saía da Bolívia e sugeriu que o governo boliviano era "cúmplice" do tráfico. Serra afirmou ainda que a situação poderia ser diferente se o governo não fizesse "corpo mole".
Apesar das críticas do tucano, Javier Gómez avalia que o sucessor de Lula - mesmo se a oposição vencer as eleições - "não poderá mudar muito" a estratégia estabelecida pela atual gestão.
"Lula teve uma relação quase paternal com o presidente Evo Morales, que foi interpretada como entrega excessiva pela oposição brasileira", diz Gómez. "Com Serra, a relação tende a ser mais formal do que tem sido com Lula, mas os dois países têm uma relação estratégica que dificilmente poderá ser modificada."
O diretor do CEDLA afirma que, se eleito, Serra "não pode retroceder" nos comentários que fez sobre a entrada da droga boliviana no Brasil, mas avalia que o tucano teria de buscar uma saída de interesse comum e propor que o combate ao tráfico seja compartilhado pelos dois países.
"A luta seria compartilhada e com maior investimento na área de segurança, na fronteira", diz Gómez.
Itaipu e Chávez
Outra crítica de Serra ao governo Lula durante a campanha que provocou repercussão em países vizinhos foi a declaração do tucano, no final de julho, de que o Brasil estava fazendo "filantropia" com Bolívia e Paraguai. O candidato fez a afirmação ao comentar o acordo entre Brasil e Paraguai para a exploração da hidrelétrica de Itaipu.
Na opinião da historiadora Beatriz González de Bosio, da Universidade Católica, de Assunção, Serra pode ter sinalizado uma possível mudança na política externa brasileira ao abordar o assunto.
Para o analista político Guillermo Holzmann, da Universidade do Chile, uma característica que pode ganhar força na política externa de um eventual governo Serra é a "cautela".
"Se Serra for presidente, estabelecerá uma política exterior mais cautelosa do que a do atual governo brasileiro", diz Holzmann. "Por exemplo, na questão do Irã ou em outros assuntos que envolvam as grandes potências."
Para o chileno, o vínculo de Serra com a região seria "mais delicado", mas - por sua trajetória política - o tucano teria "mais condições de negociação no sistema mundial" do que Dilma Rousseff, candidata do PT apoiada pelo presidente Lula.
Holzmann e o também analista chileno Ricardo Israel, da Universidade Autônoma do Chile, avaliam que Dilma representa a continuidade da política externa do governo atual, mas acrescentam que a petista "não é Lula" e que, em muitos aspectos, trata-se de "uma incógnita" para os países vizinhos.
Israel afirma ainda que Serra também deve adotar uma "política mais dura" com o governo de Hugo Chávez, na Venezuela, mas acrescenta que - seja quem for o vencedor da eleição - o novo presidente terá que confirmar, primeiro, a liderança regional do Brasil para, então, conquistar lugar de peso no cenário mundial.
Já o argentino Juan Luis Merega, da área de relações internacionais da Universidade de Quilmes, espera no próximo governo uma política externa brasileira muito semelhante à atual, com pequenos ajustes caso a oposição assuma o poder.
"Não imagino um governo de Serra dando tanta ênfase às questões regionais, como demonstrou Lula e como parece que será mantido com Dilma", avalia Merega.