terça-feira, 24 de setembro de 2013

Pesquisa revela que maioria não vê mulheres da vida real na TV

Vermelho


Realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, a pesquisa Representações das mulheres nas propagandas na TV revela que 56% dos entrevistados, homens e mulheres, consideram que as propagandas na TV não mostram as brasileiras reais. Levantamento inédito mostra o conflito entre o que os espectadores veem e o que gostariam de ver nas publicidades exibidas na televisão.



Para 65% o padrão de beleza nas propagandas está muito distante da realidade das brasileiras e 60% consideram que as mulheres ficam frustradas quando não se veem neste padrão. Na percepção da sociedade, as mulheres nas propagandas são majoritariamente jovens, brancas, magras e loiras, têm cabelos lisos e são de classe alta.

Por outro lado, a maior parte dos entrevistados deseja que a diversidade da população feminina brasileira esteja mais representada: 51% gostariam de ver mais mulheres negras e 64% gostariam de mais mulheres de classe popular nas propagandas.


A pesquisa detectou ainda que:

- 80% consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres brancas; e 51% gostariam de ver mais mulheres negras. 

- 83% veem as mulheres reais como sendo em sua maioria de classe popular, mas 73% consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres de classe alta.

- 73% veem mais loiras do que morenas nas propagandas na TV, mas 67% gostariam de ver mais morenas.

- 83% veem mais mulheres com cabelos lisos nas propagandas na TV, mas maioria gostaria de ver mais mulheres com cabelos crespos/cacheados.

- 87% veem mais mulheres magras nas propagandas na TV; 43% gostariam de ver mais mulheres gordas.

- 78% veem mais mulheres jovens nas propagandas na TV, mas maioria gostaria de ver mais mulheres maduras.

A pesquisa Data Popular/Instituto Patrícia Galvão revela ainda que 84% concordam que o corpo da mulher é usado para promover a venda de produtos nas propagandas na TV; e 58% avaliam que as propagandas mostram a mulher como objeto sexual.

Além disso, 70% defendem punição aos responsáveis por propagandas que mostram as mulheres de modo ofensivo.


Especialistas veem demanda por propagandas mais atualizadas

Segundo avaliação da diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, a pesquisa revela que a percepção dos entrevistados, mulheres e homens, é clara: a propaganda veicula modelos ultrapassados. “A irrealidade da representação da mulher é percebida pela absoluta maioria e há uma clara expectativa de mudança. Aqui se revela um paradoxo: se pensarmos a partir da lógica de mercado, pode-se dizer que anunciantes e publicitários, em razão de uma visão arcaica do lugar da mulher na sociedade e de um padrão antigo de beleza, não estão falando com potenciais consumidoras”, aponta.

“Nós, mulheres negras, somos invisíveis para a mídia, que não enxerga que tomamos banho, usamos xampu, comemos margarina, fazemos serviços domésticos, e, em particular, somos pessoas com poder aquisitivo”, exemplifica Mara Vidal, vice-diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão. Para ela, existe aí “um racismo manifesto com relação à nossa capacidade, às nossas qualidades e ao nosso poder de compra”, pontua.

Para o diretor do Instituto Data Popular, Renato Meirelles, o principal mérito da pesquisa é mostrar como as empresas perdem dinheiro com a representação distante da realidade, uma vez que as mulheres movimentam hoje, no Brasil, um mercado consumidor de R$ 1,1 trilhão por ano e determinam 85% do consumo das famílias, segundo dados do próprio instituto. “Não estamos falando de um nicho consumidor, mas do principal mercado consumidor brasileiro. Então, há uma miopia do ponto de vista de oportunidades de negócios”, considera.


Sobre a pesquisa

Para a pesquisa Representações das mulheres nas propagandas na TV, encomendada ao Data Popular pelo Instituto Patrícia Galvão, foram realizadas 1.501 entrevistas com homens e mulheres maiores de 18 anos, em 100 municípios de todas as regiões do país, entre os dias 10 e 18 de maio deste ano.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Pacificação das favelas ou higienização social?


Excelente trabalho da Historiadora e Professora Andressa Somogy de Oliveira sobre a história e a realidade das Unidades de Polícia Pacificadora - UPP. No presente trabalho, ela disseca o que está por trás desse plano de tutela e militarização das favelas fluminenses. Enviado por João Claudio Platenik Pitillo, Professor de História e Historiador Militar.


UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA:
Pacificação das favelas ou higienização social?


Resumo
O presente trabalho objetiva analisar as Unidades de Polícia Pacificadora que, de acordo com o conceito dado pela Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, teriam como objetivo central proporcionar uma aproximação entre a população e a polícia. Esse novo “modelo de Segurança Pública” seria a forma encontrada pelo Governo do Rio de Janeiro para recuperar territórios perdidos para o tráfico e levar a inclusão social à parcela mais carente da população. Ao aprofundar a análise de tal política pública nota-se que existe uma grande disparidade entre os verdadeiros motivos pelos quais elas foram instaladas e os motivos alegados pela supracitada Secretaria. Exemplo disso é o fato de as UPP’s não terem sido instaladas nas cidades com maiores índices de violência, assim como nos locais, dentro da cidade do Rio de Janeiro, onde há maior número de homicídios e muito menos nas regiões onde há maior número de ações de traficantes. Toda política pública tem sua fundamentação jurídica e segue um postulado filosófico. Neste sentido, pretende-se tratar no presente trabalho do mito das “classes perigosas” e da visão que criminaliza a pobreza, enquanto justificadores e “legitimadores” desse novo modelo de segurança pública que estão inseridas as UPP’s. Por fim, far-se-á uma análise da (in)constitucionalidade das UPP´s, caracterizada pela instauração de um Estado de exceção que não obedece a nenhum dos requisitos exigidos pela Constituição Federal e das violações aos direitos humanos que ali se perpetuam, caracterizadas, principalmente, pela uso da violência contra os moradores das comunidades “pacificadas”.

ANDRESSA SOMOGY DE OLIVEIRA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito
Orientador: Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges

OLIVEIRA, Andressa S. de. Unidade de Polícia Pacificadora: Pacificação das favelas ou higienização social? 2013. 66 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2013.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1 Políticas públicas no Rio de Janeiro e a criminalização da pobreza

1.1 Panorama histórico das políticas higienistas no Rio de Janeiro

1.1.1 Do final do século XIX à década de 1920

1.1.2 Do governo Vargas à Ditadura Militar

1.1.3 Do governo de Leonel Brizola ao governo de Sérgio Cabral

1.2 O “medo sociopolítico” e a cultura do medo

1.3 Criminalização da pobreza e comprovação científica da periculosidade dos pobres

1.4 Breve análise a partir do documentário “Notícias de uma guerra particular”

CAPÍTULO 2 Unidades de Polícia Pacificadora

2.1 Histórico, conceito e legislação

2.2 Policiamento comunitário


2.3 O PRONASCI e o Plano Colômbia

2.4 Critérios de instalação das Unidades de Polícia Pacificadora

2.5 Alguns impactos das UPPs dentro das favelas: criminalidade, percepção dos moradores e a percepção dos policiais 

2.6 O caso da Favela da Maré 

CAPÍTULO 3 Estado e suas facetas na gestão penal da pobreza

3.1 Estado penal e controle social e gestão penal da pobreza 

3.2 Militarização da polícia e seus reflexos nas políticas públicas de segurança

3.3 Estado de exceção

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

Clique aquí para baixar e ler o trabalho (em pdf)








sábado, 21 de setembro de 2013

Colírios, isqueiros e inspiração

A temática das drogas, de forma cifrada ou explícita, faz parte de letras e canções brasileiras há décadas. Relembre algumas das obras dessa longa história 
A canção “Chico Brito”, composta por Wilson Baptista e celebrizada na voz de Dircinha Batista (na foto junto com a irmã, Linda), foi regravada por Paulinho da Viola
na década de 1970
Lá vem Chico Brito descendo o morro na mão do Peçanha/ é mais um processo, é mais uma façanha/ o Chico Brito fez do baralho seu melhor esporte/ é valente no morro/ e dizem que fuma uma erva do norte.” Em 1950, a paulista classe média Dircinha Baptista cantava o samba “Chico Brito”, do carioca do morro Wilson Baptista, ousando uma rara menção explícita da música brasileira a uma droga provavelmente ilegal, provavelmente maconha.
Chico Brito era “muito estimado” na favela, mas se encarregava de reproduzir, em confusa primeira pessoa, uma antiga lição de moral: “‘A vida tem seus reveses’/dizia Chico, defendendo teses/ ‘se o homem nasceu bom/ e bom não se conservou/ a culpa é da sociedade que o transformou’.” O indivíduo parecia se confessar passivamente “culpado”, ao mesmo tempo em que brincava (e isso lá é brincadeira?) de atirar a dita “culpa” daquilo que o envergonhava no outro, no próximo, no vizinho, na sociedade, no amorfo.
A canção dos Baptista que não eram parentes voltaria à baila em 1979, na voz de um dos artistas brasileiros mais bem-comportados (ao menos publicamente), o carioca Paulinho da Viola. Separadas pelo intervalo de 29 anos, as duas menções à “erva do norte” são soluços que confirmam um oceano de interdições – entre Dircinha e Paulinho, o tabu continuou governando a MPB, ainda mais a partir do advento de mais uma ditadura civil- militar no País. Embora a intoxicação tenha sido sempre um combustível da criação musical, continuou praticamente impossível citar o tema sem subterfúgios.
É óbvio que não iriam ser os generais-presidentes a liberalizar os costumes e permitir que a maconha (menos ainda outras drogas) soprasse solta pela boca da juventude. O rock em versão tropical e a jovem guarda passaram praticamente batidos pela questão – ou não, se considerarmos “É proibido fumar” (1964), de Roberto Carlos, como uma guimba largada à beira do caminho: “É proibido fumar/ diz o aviso que eu li/ é proibido fumar/ pois o fogo pode pegar/ mas nem adianta o aviso olhar/ pois a brasa que agora eu vou mandar/ nem bombeiro pode apagar.”
Por paradoxal que pareça (e seja), o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, expulsou artistas mais, digamos, exaltados do Brasil, mas deixou atrás de si um rastilho de distensão simbólica, que daria origem ao hoje tão famoso confronto de bastidores brasilienses entre compositores “subversivos” e censores ultraconservadores.
Um marco de ruptura, aí, se daria na tropicália paulista dos Mutantes, que inscreveram num festival da canção de 1969 um rock viajandão chamado “Ando meio desligado”: “Ando meio desligado/ eu nem sinto meus pés no chão/ olho e não vejo nada/ eu só penso se você me quer.” Repressão à solta, começaríamos a tentar falar dos temas proibidos pela linguagem da brecha, da fresta, da grinfa, da bagana, do baurets.
Os ex-jovem-guardistas (negros) cariocas Golden Boys pegaram a senha dos roqueiros paulistas branquelos e soltaram o “Fumacê” num samba-rock baforado no ano terrivelmente acista e repressivo de 1970: “Ê, ê, ê, fumacê/ ah, ah, ah, fumaçá/ fumaceira tá saindo do lado de lá/ tem alguém queimando coisa/ tá botando pra quebrar.”
O samba-soulman pernambucano (negro) Paulo Diniz testou no mesmo ano o torpor movido a contracultura, em “Ponha um arco-íris na sua moringa”: “Ponha um arco-íris na sua moringa/ fique lelé da cuca num dia de sol/ praia de Ipanema, Simonal sorrindo/ (…) é lúcido, é válido, inserido no contexto”.
O soulman carioca (negro) Tim Maia entrou na onda viajandona via “Chocolate” (1971) e “Cristina” (1970). “Eu só quero chocolate/ não adianta vir com guaraná pra mim/ é chocolate o que eu quero beber/ não quero chá, não quero café, não quero Coca-Cola, me liguei no chocolate”, dizia o primeiro funk, mais inocente impossível. A semente da dúvida seria plantada em 1989, quando a carioca Marisa Monte regravou “Chocolate” inserindo nela alguns cacos, como “não quero pó, não quero rapé, não quero cocaína, me liguei no chocolate” e, ao final, um providencial “é proibido fumar”. Será? “Legalize marijuana”, explicitava Marisa em outro caco, seis anos antes do discurso sem subterfúgio do Planet Hemp – mas vamos com calma.
A outra deixa de Tim, “Cristina”, era ainda mais inocente (ou cifrada): “Vou-me embora agora pra longe/ meu caminho é ida sem volta/ uma estrela amiga me guia/ minha asa presa se solta/ eu vou ver Cristina.” Onde estaria a referência às drogas nesse romantic baião-soul? Reza a lenda que dizer “vou ver Cristina” era eufemismo da turma de Tim para dizer “vou fumar maconha”. Os consumidores de “Cristina”, a canção, ficavam (será?) por fora. Era tempo de brincar (brincar?) de esconde-esconde.
A MPB “desbundada”
Vinte e um anos depois de “Chico Brito”, o carioca Jards Macalé e o baiano Waly Salomão subiam os morros no Rio e traziam na descida “Vapor barato” (1971), tristíssimo hino contracultural divulgado pela baiana Gal Costa na ausência dos parceiros tropicalistas Gilberto Gil e Caetano Veloso. O que seria um “vapor barato”? Um “velho navio” a vapor? O vapor que escapa do cigarro de maconha? Vapor, o menino do morro utilizado como intermediário em tráficos leves e pesados? As dunas da Gal evaporavam na dúvida, enquanto os “rebeldes” que não aderiam à “guerrilha” ou ao “terrorismo” derivavam para o “desbunde”. O eufemismo, aqui, seria o da fuga da “vida real” por vias químicas.
Outro marco do mesmo momento Fatal de Gal é “Dê um rolê” (1971), dos Novos Baianos: “Não se assuste, pessoa,/ se eu lhe disser que a vida é boa/ enquanto eles se batem, dê um rolê”. “Dar um rolê” seria, para os Novos Baianos, senha escamoteadora de outra prática. Os Novos Baianos, pilhados, ao que reza outra lenda, pelo conterrâneo bossa-novista João Gilberto, desbundaram geral no álbum Acabou chorare (1972), e em especial na faixa “A menina dança”, dominada por uma Baby Consuelo de pupilas dilatadas: “Quando cheguei, tudo, tudo, tudo estava virado/ apenas viro, me viro, mas eu mesma viro os olhinhos/ […] no canto, no cisco, no canto do olho, a menina dança/ dentro da menina/ a menina dança/ e se você fecha o olho a menina ainda dança”.
A MPB “desbundada” seria transbordante em referências tácitas (que hoje soam comovedoramente diretas) ao uso das drogas, a começar por “Maria Joana”, assinada, acredite, pelo capixaba Roberto Carlos em dupla com o carioca Erasmo Carlos – e lançada pelo segundo sob arranjo alucinógeno forrado de sapinhos coachantes: “Só ela me traz beleza nesse mundo de incerteza/ quero fugir mas não posso/ esse mundo inteirinho é só nosso/ eu quero Maria Joana”. Erasmo (e Roberto) queria(m) Maria Joana, a menina, ou marijuana, a erva? “Eu vejo a imagem da lua/ refletida na poça da rua/ e penso na minha janela/ eu estou bem mais alto que ela.”
Para audição de pouquíssimos, o futuro “maldito” paulista Walter Franco seguia a pista dos Mutantes em “Tire os pés do chão” (1971): “Tire os pés do chão/ vamos flutuar/ longe da razão/ sem pressa pra voltar.” Em 1975, ele seria mais cirúrgico na concretista “Eternamente”: “Eternamente/ é ter na mente/ éter na mente.”
Gilberto Gil voltou motorizado do exílio, dando bandeira em “Expresso 2222” (1972), “Barato total” (1974, cantada por Gal) e na chapadíssima “Abra o olho” (1974): “Ele disse ‘abra o olho’/ caiu aquela gota de colírio/ eu vi o espelho/ ele disse ‘abra o olho’/ eu perguntei como é que andava o mundo/ ele disse ‘abra o olho’/ o telefone tocou/ soando como um grilo de verdade/ eu ouvi o grilo/ o grilo cantando/ tava eu no mato de novo/ no mato sem cachorro/ eu pensei ‘tá direito’/ que eu nunca tive cachorro ao meu lado/ ele disse ‘abra o olho’/ eu disse ‘aberto’, aí vi tudo longe/ ele disse ‘perto’/ eu disse ‘está certo’/ ele disse ‘está tudinho errado’/ eu falei ‘tá direito’/ tudo numa gota de colírio/ ele disse ‘é delírio’/ navegar nas águas de um espelho/ ‘nego, abra o olho’”.
O colírio virou vedete, também em “Como vovó já dizia” (1974), do baiano da pá virada Raul Seixas: “Quem não tem colírio usa óculos escuros”. O ano de 1974 marcaria o desbunde do desbunde, movido às mais variadas drogas, das químicas às religiosas. O ex-mutante Arnaldo Baptista ficou “lóki”, “numa boa, pescando pessoas no mar”. A ex-mutante Rita Lee foi para o pasto procurer cogumelos de zebu. Raul se integrou à Sociedade Alternativa. Tim Maia entrou no Universo em Desencanto. Jorge Ben se convenceu de que os alquimistas estavam chegando. Roberto Carlos se aprofundou na picada aberta, em 1970, pelo “Jesus Cristo, Jesus Cristo, Jesus Cristo, eu estou aqui”.
O acreano João Donato (em dupla incrível com Gil) foi fumar plantas exóticas, como contaria em “Bananeira” (1975): “Bananeira não sei, bananeira sei lá/ bananeira sei, não, a maneira de ver/ bananeira não sei, bananeira sei lá/ bananeira sei, não, isso é lá com você.”
Gil e Rita pagaram pela trupe inteira. Em 1976, durante turnê dos Doces Bárbaros (com Caetano, Gal e Maria Bethânia), Gil acabou detido por porte de drogas – foi preso, julgado, punido, publicamente humilhado etc. Rita também pegou cana por porte de drogas, grávida, para ser visitada em solidariedade solitária pela (supostamente) caretona gaúcha Elis Regina. Caetano proclamaria aversão histórica às drogas, mas isso não o impediu de fundir cucas lelés com “Odara” (1977): “Deixa eu dançar pro meu corpo ficar odara/ minha cara minha cuca ficar odara”. Quem não dançava segurava as crianças.
Novo marco aconteceria em 1980, nada menos que na tela da então “platinada” (?) Rede Globo, durante uma tentativa de ressuscitar os festivais da canção, a bordo de uma travessura da dupla-casal Baby Consuelo & Pepeu Gomes, ex-Novos Baianos. Era tarde demais quando a ditadura percebeu o que o reggae “O mal é o que sai da boca do homem” queria dizer ao dizer o seguinte: “Você pode fumar baseado/ baseado em que você pode fazer quase tudo/ contanto que você possua/ mas não seja possuído/ porque o mal nunca entrou pela boca do homem…/ porque o mal é o que sai da boca do homem…”
O nome fora pronunciado: “baseado”. “Chico Brito” estava de volta, surpreendentemente audacioso – e a repressão  cobraria seu preço, desancando a Globo, a gravadora Som Livre, o Pepeu e a Baby. Possuída (será?) pelo espírito dos anos 1990, Baby viraria pastora evangélica empenhada no discurso de combate às drogas.
De cima para baixo, álbuns emblemáticos de Jorge Ben (A tábua esmeralda – 1974); Tim Maia (Chocolate – 1971); Bezerra da Silva (Cocada Boa – 1993); e Ultraje a Rigor (Nós vamos invadir sua praia – 1985)
Os oitenta e as drogas,
de forma explícita, nos noventa 
A década de 1980, de proclamada abertura política, seria estranhamente recatada musicalmente, à parte um “Lança perfume” (Rita Lee, 1980) aqui, um alcoólico “Louras geladas” (RPM, 1985) acolá. A chegada de uma nova geração roqueira, ainda sob marcação cerrada da censura oficial, traria poucas menções mais corajosas, a exemplo de “Mim quer tocar” (1983), do grupo paulista Ultraje a Rigor, que tratava de (quase) rimar dinheiro com maconheiro. “Mim é brasileiro/ mim gosta banana/ mas mim também quer votar/ mim também quer ser bacana/ mim gosta tanto tocar/ mim é batuqueiro”, cantava em moldes autocomiserativos, meio “Chico Brito”, o hoje conservadoríssimo Roger Moreira, ao que o coro replicava, gostosamente: “Conheiro!”
“Parece cocaína, mas é só tristeza”, lamentaria Renato Russo, da brasiliense Legião Urbana, em “Há tempos” (1989), refletindo barras mais pesadas. Nele, no carioca Cazuza e (anos mais tarde) na brasiliense Cássia Eller, a doidice química se confundira perigosamente, venenosamente, com sexualidade e homossexualidade, aids e morte. A mensagem não seria alvissareira para jovens dos anos 1980 e 1990.
O samba oitentista também se aventurou pelos tabus, principalmente graças ao impagável pernambucano Bezerra da Silva, que preferia quase sempre falar de cocaína (Cocada boa seria o título do CD de 1993), mas é intérprete do clássico “A semente”, na melhor (e nem por isso bem-sucedida) tradição “não compre, plante”: “Meu vizinho  jogou/ uma semente no seu quintal/ de repente brotou/ um tremendo matagal/ quando alguém lhe perguntava ‘que mato é esse que eu nunca vi?’/ ele só respondia ‘não sei, não conheço, isso nasceu aí’/ mas foi pintando sujeira, o patrão estava sempre na jogada/ porque o cheiro era bom e ali sempre estava uma rapaziada/ os homens desconfiaram ao ver todo dia uma aglomeração/ e deram um bote perfeito, levaram todos eles pra averiguação.” O guarda Peçanha estava de volta à carga para aterrorizar Chico Brito, com garras particularmente pontudas e afiadas.
No mesmo 1987, o carioca Zeca Pagodinho vinha beliscar os tabus, de modo defensivo, em “Maneiras”: “Se eu quiser fumar eu fumo/ se eu quiser beber eu bebo/ pago tudo que eu consumo com o suor do meu emprego/ confusão eu não arrumo/ mas também não peço arrego/ eu um dia me aprumo/ tenho fé no meu apego…”
Os sambistas faziam prenúncio para os rappers dos anos 1990, que, com Racionais MC’s e Mano Brown na liderança, trariam o tema das drogas ao primeiro plano, de modo explícito, sem nenhuma meia palavra. Não que não se tenha tentado, vezes incontáveis, mas como as forças repressivas se atirariam sobre artistas que estavam denunciando, mais que louvando o flagelo social carreado com as drogas? O rap abriu as portas para que as palavras que não se pronunciam começassem a ser pronunciadas.
Os pernambucanos Chico Science & Nação Zumbi cantaram “Macô” (1996). Apadrinhados por Waly Salomão e regravando “Vapor barato”, os cariocas d’O Rappa fizeram “A feira” (1996), de modo admiravelmente transparente: “É dia de feira, quem quiser pode chegar/ vem maluco, vem madame, vem maurício, vem atriz/ pra comprar comigo/ tô vendendo ervas que curam e acalmam/ tô vendendo ervas/ que aliviam e temperam…” O rap-roqueiro paulista Chorão, com seu Charlie Brown Jr., seguiria nessa pista em tons fortes, de títulos como “Zóio de Lula” (1999), “Não deixe o mar te engolir” (1999), “Fichado” (2000), “Com a boca amargando” (2002), “Cheirando cola” (2004)…
Provavelmente nenhum deles ousaria tanto se não tivesse surgido antes um elemento emergente carioca, o Planet Hemp de Marcelo D2, Black Alien e BNegão, primeira iniciativa brasileira a adotar o “legalize já” como bandeira ao mesmo tempo musical e ideológica. Os três discos de estúdio da banda de rock-rap eram retos, diretos e repletos de reivindicações pró-maconha: 1995 – “Não compre, plante!”, “Legalize já”, “Maryjane”, “Fazendo a cabeça”, “Skunk” e “Porcos fardados”; 1997 – “Queimando tudo”, “Biruta”, “Se liga”; 2000 – “Ex-quadrilha da fumaça”, “Quem tem seda?”, “O sagaz Homem-Fumaça”.
A repressão policial partiu com tudo para cima da nação Hemp, possivelmente exercida por sobrinhos dos delegados e promotores, que, em 1976, passavam lição moral no futuro ministro da Cultura Gilberto Gil. Perseguição, proibições, prisão, processos – de tudo tiveram de enfrentar os rappers que, aos olhos das forças repressivas, faziam “apologia” ao crime. A cultura de polícia administrativa venceu, e a banda se dissolveu após a terceira tentativa. D2 seguiu em suas convicções, mas obrigado a se abrandar mais e mais.
É temerário tentar medir, até por falta de distância histórica, mas em certa medida a perseguição ao Planet Hemp surtiu alguns dos efeitos desejados pelo ideário tradição-família-propriedade-repressão. Nas gerações mais recentes, é costumeiro o discurso roqueiro abstêmio, de ídolos rebeldes que apreciam declarar que não bebem, não fumam etc. Os novos forrozeiros e sertanejos mandam brasa, mas preferem se deter às bebidas alcoólicas. O tecno-sertanejo “Eu te amo e open bar” (2011), é tema-símbolo, na voz do paranaense Michel Teló: “Tudo que eu quero ouvir/ eu te amo e open bar.”
A pertinácia, atualmente, fica por conta de gêneros musicais marginalizados e de periferia, notadamente o funk carioca e o rap (sempre ele), inclusive em versos de denúncia como os de Criolo, em “Linha de frente”, “Bogotá”, “Sucrilhos” (sucrilhos valem como droga?) etc., todos do celebrado álbum Nó na orelha (2011).
No funk carioca, o iconoclasta Mr. Catra é explícito em “Cadê o isqueiro?” (2011): “Minha memória é pouca, mas tem expansão/ eu vou dizer, pode entender/ minha inspiração vem do THC/ que invade os pulmão, invade os cano da circulação/ que assim de repente invade a mente, deixando você todo dormente/ neurônios, são poucos que restam/ neurônios que sobram são poucos/ o que vou fazer com aqueles que restam queimar,/ como eu fiz com os outros?”
São 61 anos de separação entre “Chico Brito” e “Cadê o isqueiro?”. Pouca coisa parece ter sido resolvida nesse setor, de lá para cá. O funkeiro (negro) Mr. Catra se desprende do Wilson Baptista de outrora ao se autoafirmar mais dono dos próprios neurônios que produto de uma sociedade conservadora amorfa, localizada sempre lá fora, nunca aqui dentro. Os meninos do asfalto, eternos compradores desses outros, parecem preferir se esquivar e fazer de conta de que não participam da geleia geral. Mas Mr. Catra ocupa o vácuo em ritmo de funk-candomblé, sem poupar-nos, os garotos (brancos) do asfalto, da denúncia de um velhíssimo e resistente “chicobritismo” autovitimizador: “Por que prender o usuário?/ por que matar o varejista?/ hipocrisia é discriminar/ cabeça feita é ser realista/ […] falso moralismo de doidão, caô”.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O UIVO, Allen Ginsberg

Allen Ginsberg

Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela
loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo
contato celestial com o dínamo estrelado da
maquinaria da noite,
que pobres esfarrapados e olheiras fundas, viajaram
fumando sentados na sobrenatural escuridão dos
miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando
sobre os tetos das cidades contemplando o jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado
e viram anjos maometanos cambaleando iluminados
nos telhados das casas de cômodos,
que passaram por universidades com olhos frios e
radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz
de Blake entre os estudiosos da guerra,
que foram expulsos das universidades por serem loucos
& publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,
que se refugiaram em quartos de paredes pintura
descascada em roupa de baixo queimando seu
dinheiro em cestos de papel escutando o Terror
através da parede,
que foram detidos em suas barbas púbicas voltando
por Laredo com um cinturão de marihuana para
Nova Iorque,
Que comeram fogo em hotéis mal pintados ou
Beberam terebentina em Paradise Alley, morreram ou
Flagelaram seus torsos noite após noite com
Som sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília,
Álcool e caralhos em intermináveis orgias,
Incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem trêmula,
E clarão na mente pulando nos postes dos pólos de
Canadá & Paterson, iluminando completamente o
Mundo imóvel do Tempo intermediário,
solidez de Peite dos corredores, aurora de fundo de
quintal das verdes árvores do cemitério, porre de vinho
nos telhados, fachadas de lojas de subúrbio
na luz cintilante de neon do tráfego na
corrida de cabeça feita do pazer, vibrações de
sol e lua e árvore no tronco de crepúsculo de
inverno de Brooklyn, declamações entre latas
de lixo e a suave soberana luz da mente,
que se acorrentaram aos vagões do metrô para o
infindável percurso do Battery ao sagrado Bronx
de benzedrina até que o barulho das rodas e
crianças os trouxesse de volta, trêmulos, a boca
arrebentada o despovoado deserto do cérebro
esvaziado de qualquer brilho na lúgubre luz do
Zoológico, que afundaram a noite toda na luz submarina
de Bickford´s, voltaram à tona e passaram a tarde
de cerveja choca no desolado Fuggazi´s escutando
o matraquear da catástrofe na vitrola
automática de hidrogênio,
que falaram setenta e duas horas sem parar do
parque ao apê ao bar ao Hospital Bellevue ao
Museu à Ponte do Brooklyn,
Batalhão perdido de debatedores platônicos saltando
Dos gradis das escadas de emergência dos parapeitos
Das janelas do Empire State da Lua,
Tagarelando, berrando, vomitando, sussurrando fatos
E lembranças e anedotas e viagens visuais e choques
Nos hospitais e prisões e guerras,
Intelectos inteiros regurgitados em recordação total
Com os olhos brilhando por sete dias e noites,
Carne para a sinagoga jogada à rua,
Que desapareceram no Zen de Nova Jersey de
lugar algum deixando um rastro de postais ambíguos
do Centro Cívico de Atlantic City,
sofrendo suores orientais, pulverizações tangerianas
de ossos e enxaquecas da China por causa da
falta da droga no quarto pobremente mobiliado de Newark,
que deram voltas e voltas à meia noite no pátio da
ferrovia perguntando-se aonde ir e foram, sem
deixar corações partidos,
que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões
de carga, vagões de carga, que rumavam ruidosamente
pela neve até solitárias fazendas dentro da noite do avô,
que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz, telepatia
e bop-cabala pois o Cosmos instintivamente
vibrava a seus pés em Kansas,
que passaram solitários pelas ruas de Idaho procurando
anjos índios e visionários que eram anjos índios e visionários
que só acharam que estavam loucos quando Baltimore
apareceu em estase sobrenatural,
que pularam em limusines com o chinês de Oklahoma
no impulso da chuva de inverno na luz das ruas
da cidade pequena à meia-noite,
que vaguearam famintos e sós por Huston procurando
jazz ou sexo ou rango e seguiram o espanhol
brilhante para conversar sobre a América e a Eternidade,
inútil tarefa, e assim embarcaram
num navio para a África,
que desapareceram nos vulcões do México
nada deixando além da sombra das suas calças
rancheiras e a lava e a cinza da poesia espalhadas
pela lareira Chicago,
que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI
de barba e bermudas com grandes olhos pacifistas
e sensuais nas suas peles morenas, distribuindo
folhetos ininteligíveis,
que apagaram cigarros acesos nos seus braços
protestando contra o nevoeiro narcótico de
tabaco do Capitalismo,
que distribuiram panfletos supercomunistas em Union
Square, chorando e despindo-se enquanto as
Sinrenes de Los Alamos os afugentavam gemendo
mais alto que eles e gemiam pela Wall Street e
também gemia a balsa de Staten Island
que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos,
nus e trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,
que morderam policiais no pescoço e berraram de
prazer nos carros de presos por não terem cometido
outro crime a não ser sua transação pederástica e tóxica,
que uivaram de joelhos no metrô e foram arrancados do
telhado sacudindo genitais e manuscritos,
que se deixaram foder no rabo por motociclistas
santificados e berraram de prazer,
que enrabaram e foram enrabados por esses serafins
humanos, os marinheiros, carícias de amor
atlântico e caribeano,
que transaram pela manhã e ao cair da tarde em
roseirais, na grama de jardins públicos e cemitérios,
espalhando livremente seu sêmen para
quem quisesse vir,
que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar
mas acabaram choramingando atrás de um tabique
de banho turco onde o anjo loiro e nu veio
trespassá-los com sua espada,
que perderam seus garotos amados para as três
megeras do destino, a megera caolha do dólar heterossexual, megera caolha  que pisca de
dentro do ventre e a megera caolha que só sabe
sentar sobre sua bunda retalhando os dourados
fios intelectuais do tear do artesão,
que copularam em êxtase insaciável com um garrafa
de cerveja, uma namorada, um maço de cigarros, uma
vela, e caíram na cama e continuaram
pelo assoalho e pelo corredor e terminaram
desmaiando contra a parede com uma visão da
boceta final e acabaram sufocando o derradeiro lampejo da
consciência,
que adoçaram as trepadas de um milhão de garotas
trêmulas ao anoitecer, acordaram de olhos vermelhos
no dia seguinte mesmo assim prontos
para adoçar trepadas na aurora, bundas luminosas
nos celeiros e nus no lago,
que foram transar em Colorado num miríade de
carros roubados à noite, N.C., herói secreto destes
poemas, garanhão e Adônis de Denver – prazer
ao lembrar suas incontáveis trepadas com garotas
em terrenos baldios & pátios dos fundos de
restaurantes de beira de estrada, raquíticas fileiras
de poltronas de cinema, picos de montanha
cavernas com esquálidas garçonetes no
familiar levantar de saias solitário à beira da
estrada & especialmente secretos solipsismos de
mictórios de postos de gasolina & becos da cidade
natal também,
que se apagaram em longos filmes sórdidos, foram
transportados em sonho, acordaram num
Manhattan súbito e conseguiram voltar com uma
Impiedosa ressaca de adegas de Tokay e horror
Dos sonhos de ferro da Terceira Avenida &
Cambalearam até as agências de desemprego,
Que caminharam a noite toda com os sapatos cheios
De sangue pelo cais coberto por montões de
Neve, esperando que uma porta se abrisse no
East River dando para um quarto cheio de vapor e ópio,
Que criaram grandes dramas suicidas nos penhascos
De apartamentos do Huston à luz azul de holoforte
Antiaéreo da luta & suas cabeças receberão
Coroas de louro no esquecimento,
Que comeram o ensopado de cordeiro da imaginação
Ou digeriram o caranguejo do fundo lodoso dos
Rios de Bovery,
Que choraram diante do romance das ruas com seus
Carrinhos de mão cheios de cebola e péssima música,
Que ficaram sentados em caixotes respirando a
escuridão sob a ponte e ergueram-se para construir
clavicórdios em seus sótãos,
que tossiram num sexto andar do Harlem coroando de
chamas sob um céu tuberculoso rodeados pelos
caixotes de laranja da teologia,
que rabiscaram a noite toda deitando e rolando sobre
invocações sublimes que ao amanhecer amarelado
revelaram-se versos de tagarelice sem sentido,
que cozinharam animais apodrecidos, pulmão coração
pé rabo borsht & tortilhas sonhando com
o puro reino vegetal,
que se atiraram sob caminhões de carne
em busca de um ovo,
que jogaram seus relógios do telhado fazendo seu
lance de aposta pela Eternidade fora do Tempo
& despertadores caíram em suas cabeças por
Todos os dias da década seguinte,
Que cortaram seus pulsos sem resultado três vezes
Seguidas, desistiram e foram obrigados a abrir
Lojas de antiguidades onde acharam que estavam
Ficando velhos e choraram,
Que foram queimados vivos em seus inocentes
ternos de flanela em Madison Avenue no meio das
rajadas de versos de chumbo & o estrondo contido
dos batalhões de ferro da moda & os guinchos
de nitroglicerina das bichas da propaganda &
o gás mostarda de sinistros editores inteligentes
ou foram atropelados pelos taxis bêbados
da Realidade Absoluta,
que se jogaram da ponte de Brooklyn, isso realmente
aconteceu, e partiram esquecidos e desconhecidos
para dentro da espectral confusão das ruelas
de sopa & carros de bombeiros de Chinatown,
nem uma cerveja de graça,
que cantaram desesperados nas janelas, jogaram-se
da janela do metrô saltaram no imundo rio
Paissac, pularam nos braços dos negros, choraram
Pela rua afora, dançaram sobre garrafas
Quebradas de vinho descalços arrebentando
Nostálgicos discos de jazz europeu dos anos 30
Na Alemanha, terminaram o whisky e vomitaram
Gemendo no toalete sangrento, lamentações nos
Ouvidos e o sopro de colossais apitos a vapor,
Que mandaram brasa pelas rodovias do passado
Viajando pela solidão da vigília da cadeia de
Gólgota de carro envenenado de cada um ou então
A encarnação do Jazz de Birmingham,
Que guiaram atravessando o país durante setenta e duas
Horas para saber se eu tinha tido uma visão ao se ele tinha
Tido uma visão para descobrir a Eternidade,
Que viajaram para Denver, que morreram em Denver,
Que retornaram a Denver & esperaram em vão,
Que espreitaram Denver & ficaram parados pensando
& solitários em Denver e finalmente partiram
para descobrir o Tempo & agora Denver está
saudosa de seus heróis,
 que caíram de joelhos em catedrais sem esperança
rezando por sua salvação e luz e peito até que a
alma iluminasse seu cabelo por um segundo,
que se arrebentassem nas suas mentes na prisão
aguardando impossíveis criminosos de cabeça
dourada e o encanto da realidade em seus corações
que entoavam suaves blues de Alcatraz,
que se recolheram ao México para cultivar um
vício ou às Montanhas Rochosas para o suave
Buda ou Tânger para os garotos do Pacífico Sul
para a locomotiva negra ou Havard para Narciso
para o cemitério de Woodlaw para a coroa
de flores para o túmulo,
que exigiram exames de sanidade mental acusando
o rádio de hipnotismo & foram deixados com sua
loucura & e mãos & um júri suspeito,
que jogaram salada de batata em conferencistas da
Universidade de Nova Iorque sobre Dadaísmo
e em seguida se apresentaram nos degraus de
granito do manicômio com cabeças raspadas e [
fala de arlequim dobre suicídio, exigindo
lobotomia imediata,
e que em lugar disso receberam o vazio concreto da
insulina metrazol choque elétrico hidroterapia
psicoterapia terapia ocupacional pingue-pongue
& amnésia,
Que num protesto sem humor viraram apenas uma
Mesa simbólica de pingue-pongue mergulhando
logo a seguir na catatonia,
Voltando anos depois, realmente calvos exceto por
Uma peruca de sangue e lágrimas e dedos
Para a visível condenação de louco nas celas da
Cidades-manicômio do Leste,
Pilgrim State, Rockland, Greystone, seus corredores
Fétidos, brigando com os ecos da alma, agitando-se
E rolando e balançando no banco de solidão à
Meia-noite dos domínios de mausoléu
Druídico do amor, o sonho da vida um
pesadelo , corpos transformados em pedras
tão pesadas quanto a lua,
com a mãe finalmente ***** e o último livro
fantástico atirado pela janela do cortiço e a última
porta fechada às 4 da madrugada e o último
telefone arremessado contra a parede em
resposta e o último quarto mobiliado esvaziado até
a última peça de mobília mental, uma rosa de papel
amarelo retorcida num cabide de arame do armário
e até mesmo isso imaginário, nada mais
que um bocadinho esperançoso de alucinação –
ah, Carl, enquanto você não estiver a salvo eu não
estarei a salvo e agora você está inteiramente
mergulhado no caldo animal total do tempo –
e que por isso correram pelas ruas geladas obcecadas
por um súbito clarão da alquimia do uso da elipse
do catálogo do metro inviável & do plano vibratório,
que sonharam e abriram brechas encarnadas no
Tempo & Espaço através de imagens justapostas
E capturaram o arcanjo da alma entre 2 imagens
Visuais e reuniram os verbos elementares e
Juntaram o substantivo e o choque da consciência
Saltando numa sensação de Pater Omnipotens
Aeterne Deus,
Para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa
Humana e ficaram parados à sua frente, mudos e
Inteligentes e trêmulos de vergonha, rejeitados
Todavia expondo a alma para conformar-se ao
Ritmo do pensamento em sua cabeça nua e infinita,
O vagabundo louco e Beat angelical no Tempo,
Desconhecido mas mesmo assim deixando aqui
o que houver para ser dito no tempo após a morte,
e se reergueram reencarnados na roupagem
fantasmagórica do jazz no espectro de trompa
dourada da banda musical e fizeram soar o
sofrimento da mente nua da América pelo
amor num grito de saxofone de eli eli lama lama
sabactani que fez com que as cidades tremessem
até seu último rádio,
com o coração absoluto do poema da vida arrancado
de seus corpos bom para comer por mais mil anos