quinta-feira, 15 de abril de 2010

Sem reforma agrária, dificuldades nos centros urbanos




Radioagência NP


Mais uma vez a ausência da reforma agrária no Brasil ficou em evidência. O Comunicado nº 42 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado “PNAD 2008: setor rural”, Domicílio Rural” divulgado no início deste mês, constatou que “muitos problemas presentes nas cidades – a pressão demográfica, o processo caótico de urbanização da periferias etc. – se explicam, ao menos em parte, pela não realização de uma reforma agrária.”

No processo brasileiro de industrialização, a forma de produção obrigou grande parte da população rural a migrar para as cidades. Mesmo assim, hoje, o meio rural brasileiro abriga aproximadamente 30 milhões de pessoas. Para se ter uma ideia da dimensão desse número, a população rural representa 16% de toda a população brasileira. Se fôssemos criar um país com essas pessoas, ele seria o 3º maior da America do Sul em número populacional, perderia apenas para o Brasil e para a Argentina.

Para o jornalista e integrante do Comitê Central do PCdoB, Altamiro Borges, o estudo serve como forma de contrapor os debates feitos pelos setores conservadores do Brasil, que afirmam que a reforma agrária não é viável para os dias atuais.

“Esse estudo desmonta a tese dos ruralistas. A reforma agrária é uma necessidade no Brasil, ela é uma necessidade social, uma necessidade para a democracia e uma necessidade econômica. Os estudos demonstram a importância do meio rural. A agricultura familiar é a que mais emprega e que mais produz alimento no Brasil. Esse estudo demonstra que na ausência de uma política de distribuição de terra o que ocorreu foi o aumento da concentração da propriedade fundiária e a exclusão das pessoas que acabaram inchando as cidades. Sem uma política agrária e sem uma política agrícola, a permanência e a sobrevivência das pessoas do campo se tornaram inviável e elas migraram para as cidades.”

Cidadãos do campo

A afirmação do jornalista é compartilhada com opinião da coordenadora da área do desenvolvimento rural do Ipea, Bracolina Ferreira. Para ela, a reforma agrária é a principal forma de dar sustentabilidade e cidadania para a população rural. Ela também critica o setor conservador do Brasil, liderado pelos ruralistas.

“Claro que os setores conservadores são contra a distribuição de patrimônio. Por eles, eles seriam donos de todo o território rural, inclusive o urbano. A única forma de você dar cidadania a essa parcela considerada da população rural que é muito pobre é distribuindo o patrimônio. Dados do PNAD mostram que tanto o rendimento domiciliar rural, tanto os rendimentos da população que trabalha no campo estão muito abaixo dos domicílios urbanos. A distribuição do patrimônio será a única forma de eles terem emprego e renda. Todos nós sabemos que os empregos gerados pelo agronegócio não é lá essas coisas.”

No estudo, o Ipea colheu informações sobre a quantidades de habitantes na área rural brasileira, acesso à educação, saneamento básico, distribuição de energia elétrica, distribuição de rendimentos, entre outros. Ao final, constatou-se que há uma baixa escolaridade, precárias condições de moradia, reduzidos níveis de renda e remuneração do trabalho das famílias residentes no campo brasileiro. Segundo o Comunicado, isso foi a base da conclusão que “a atualidade e urgência da reforma agrária como única forma de superar as condições precárias de vida e a pobreza que caracteriza o meio rural brasileiro.”

Mas as políticas governamentais não entendem essa dimensão. Isso pode ser comprovado nos discursos que afirmam não existir demandas para a reforma agrária e na criminalização de movimentos sociais que lutam pela terra. Para Brancolina o tema não está sendo tratado com seriedade no Brasil.

“Prevalece muito na grande mídia a idéia de que o rural tende a desaparecer e que é quase insignificante em termos do tamanho da população urbana e do tamanho das cidades. Esse mito e este desvio de atenção faz a gente esquecer que 30 milhões de pessoas é muito significativo. Essa população necessita de educação de habitação adequada, acesso a serviços públicos básicos. Sem isso, vimos nos últimos 30 e 40 anos uma migração rural urbana que serviu para inchar as cidades e as periferias urbanas.”

Esmiuçando os dados do estudo, os números sobre a educação na área rural são preocupantes. Se comparar a população rural com a urbana, a taxa de analfabetismo daqueles que moram no campo é de 23,5% para pessoas acima de 15 anos, número muito superior aos 7,5% de analfabetismo que atinge as pessoas com a mesma faixa de idade que moram na cidade. Nas cidades 9% da população não tem nenhuma ou pouco instrução, no campo esse número é superior a 24%. Já na questão da escolarização. Mais de 40% da população urbana tem mais de 11 anos de estudo. Porém, na população rural, pouco menos de 13% conseguiram esse número.

É preciso avançar

Em relação das questões de políticas sociais para o campo, apenas na questão de distribuição elétrica pode-se dizer que a população rural não é tão desfavorecida. Em 2008, 91% dos domicílios rurais recebiam energia. O alto número pode ser atribuído ao programa de eletrificação rural promovido pelo Governo Federal em 2004. Outra medida governamental que também deu resultado foi o programa Bolsa Família. Em 2008, aproximadamente 26% dos domicílios situados em área rural recebiam o benefício.

Mesmo com criticas a estes programas, Altamiro avalia como positivos.

“Acho que estes dois projetos são positivos. Mas há um problema, eles não mechem na estrutura agrária brasileira. Eles não resolvem a questão das propriedades, mesmo com eles ainda mantém-se no campo a concentração da terra. Porém, evidentemente eles dão melhores condições para que uma família de trabalhadores rurais permaneçam no campo com uma condição mais digna.”

Para o integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), José Batista de Oliveira é preciso entender a complexibilidade da reforma agrária. Ele enfatiza que para muitos o debate da reforma agrária fica apenas no foco da distribuição de terras e deixam de lado a questão da saúde, habitação, estudos...

“Essa questão da saída em massa dos trabalhadores do campo está relacionada à questão estrutural que é o modelo de desenvolvimento implementado na agricultura. Isso elimina toda a possibilidade de criação de emprego e renda no campo. Com isso, a discussão da reforma agrária entra dentro de um outro modelo de desenvolvimento para o campo, visando atender as famílias que serão assentadas e mais que isso, gerar emprego direto e indireto no campo. Isso hoje é possível em um projeto de reforma agrária que dá condições de acesso a escola, moradia e outras infra-estruturas sociais. É muito mais viável a população que permanece no campo, continuar lá, do que enfrentar o que as pessoas estão enfrentando nas periferias das cidades.”

Um dos dados mais alarmantes do estudo trata da distribuição de renda. A renda média por pessoa da área urbana é de R$ 786, e da área rural é de R$ 360. Na Região Nordeste o número é ainda mais desigual, ficando na casa dos R$ 296 por pessoa da área rural.

Com essas variações de números fica expressa a urgência de efetivação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da área rural, como explica José Batista.

“A reforma agrária será um conjunto de medidas que permitirá a volta do desenvolvimento do campo no interior do país. Vai desenvolver mercado local, gerar emprego, garantir a preservação ambiental e aumentar a capacidade de permanência dos trabalhadores no campo para garantirem alimento de qualidade sem mais veneno. Ela vai evitar que transformemos o Brasil, no que está em curso, no maior consumidor de veneno no mundo. A reforma agrária é um projeto estruturante que resolve o problema diretamente da população que vive no campo e diretamente atende toda a sociedade brasileira.”



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