Blog do Amoral Nato
No fatídico ano de 2006, São Paulo testemunhou um dos maiores esbirros autoritários da sua história.
O então Secretário de Segurança Saulo de Castro Abreu enlouqueceu. Deteve um dono de restaurante por ter impedido o estacionamento de seu carro. Invadiu a Assembleia Legislativa acompanhado por uma quadrilha fardada – policiais ostensivamente ameaçadores. São Paulo estava entregue ao caos, assaltos se sucediam em plena tarde na própria Avenida Paulista, mas estatísticas eram sonegadas ao público e vendidas a empresas particulares.
Antes disso, tivera participação no “massacre do Castelinho”, uma tocaia que terminou na morte de muitos marginais.
Quando estourou o caso PCC, conversei longamente com os Secretários de Administração Penitenciária Nagashi Furukawa e o da Justiça, Alexandre Moraes. Ambos os secretários diziam ser impossível uma ação eficaz contra o crime, sem a troca de informações e a ação integrada entre as três secretarias, as duas com a de Segurança. Mas as reuniões com Alckmin haviam sido suspensas devido a explosões de Saulo.
Nagashi explicava que as lideranças do crime estavam presas, mas as investigações não avançavam porque a Polícia Civil simplesmente se recusava a entrar nos presídios, devido à birra de Saulo.
O caso PCC
Conhecia Nagashi desde os anos 80, acompanhara o trabalho que desenvolvera na cadeia de Bragança, depois suas atividades nos presídios paulistas.
Era um quadro de primeiríssima, o melhor Secretário que um governador poderia ambicionar.
Quando Alckmin saiu para concorrer às eleições, o vice-governador Cláudio Lembo, certamente aconselhado pelo antecessor, decidiu exonerar Nagashi e manter Saulo. Alertei pessoalmente Lembo que estava cometendo uma loucura. Saulo era um sujeito absolutamente fora de controle, um incendiário para tomar conta de um barril de pólvora em um momento em que se exigia cabeça fria.
A visão que passaram a Lembo, no entanto, é que Saulo era o eficiente e que os problemas do PCC decorriam de erros de Nagashi. Lembo foi induzido ao maior erro politico de uma vida pública digna.
Nos dias seguintes, registrou-se um massacre em São Paulo, o grande crime que manchou a história do estado e ainda não foi devidamente apurado: mais de 450 mortes em uma semana.
O massacre está denunciado no blog “Movimento Mães de Maio”( http://maesdemaio.blogspot.com/). Com exceção da “Tribuna de Santos”, esse massacre não foi noticiado pela imprensa.
Finalmente, o Estadão entra no tema com a reportagem especial de Bruno Paes Manso, em cima do relatório "SÃO PAULO SOB ACHAQUE: Corrupção, Crime Organizado e Violência Institucional em Maio de 2006", organizado pela IHRC *International Rights Human Rights Clinic, de Harvard). Foi preciso uma organização internacional para furar o pacto de silêncio em torno de um crime hediondo.
Um a um os fatos começam a surgir. A reação do PCC foi contra achaques praticados por policiais civis contra o chefe da organização, Marcola. Era uma corrupção desenfreada, segundo a matéria.
O caso Embratel-MCI
Saulo ainda teve participação direta em um caso estranhíssimo e ainda inédito. As empresas de telecomunicações haviam tentado se unir para adquirir a Embratel – que fazia parte do espólio da quebrada MCI, nos Estados Unidos.
Os americanos negociavam com Carlos Slim, da Telmex. Em Nova York, um juiz duro não liberava as ações da Embratel, para que pudessem ser transferidas para Slim.
No meio do processo, a Policia Civil invadiu os escritórios da holding da Telefonica, em um caso mal contado. Um fornecedor havia entrado com uma denúncia contra a substituição de brasileiros por espanhóis pela Telesp. A polícia resolveu dar uma batida. Só que em vez de ser na sede da Telesp, foi na da holding da Telefonica. Lá, foram direto para a sala de um diretor que tinha, na mesa, estudos sobre os preços que a Embratel poderia praticar, caso adquirida pelas teles. Havia indícios de uso cartelizado da Embratel.
O material foi passado por Saulo para a Folha, publicado e serviu de argumentos para que os advogados de Slim, logo na sequencia, obtivessem a liberação das ações.
1º relatório a apontar causas dos atentados de 2006 e inquérito da Corregedoria destacam sequestro de enteado de Marcola
Bruno Paes Manso - O Estado de S.Paulo
Em março de 2005, um ano antes da rebelião em 74 presídios e dos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) nas ruas do Estado de São Paulo, Rodrigo Olivatto de Morais, enteado de Marcos William Camacho, o Marcola, líder da facção, foi sequestrado por policiais civis de Suzano, na Grande São Paulo. Só foi solto depois que Marcola pagou o resgate de R$ 300 mil. O chefe do PCC ficou indignado com o achaque. No dia 12 de maio de 2006, véspera dos ataques do PCC, Marcola fez um comentário no Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic): "Não vai ficar barato."
Hélvio Romero/AE – 14/5/2006
Fachada do 74º DP (Taipas), atacado em 14 de maio. Conforme o estudo internacional, “a corrupção policial teve um papel importante neste caso”
No inquérito feito pela Corregedoria da Polícia Civil, o delegado assistente, Hamilton Antônio Gianfratti, depois de citar dados do sequestro, afirma que o crime ajudou a deflagrar a revolta do PCC. "Aflora dos autos sérios indicativos direcionados à possibilidade deste fato erigir-se à causa deflagradora dos históricos e tristes episódios que traumatizaram o povo de São Paulo, traduzidos nos atentados em todo o estado pelo PCC." O sequestro de Morais foi revelado pelo Estado em 2008.
Os achaques abusivos de policiais aos criminosos paulistas foram fundamentais para os ataques de maio de 2006. A conclusão é apontada em relatório intitulado "São Paulo sob Achaque: Corrupção, Crime Organizado e Violência Institucional em Maio de 2006". As pesquisas começaram a ser feitas em outubro de 2006 por 24 pesquisadores da organização não governamental (ONG) Justiça Global e pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard, com apoio de outras entidades.
Trata-se da primeira tentativa de explicar o processo que levou aos ataques do PCC, cinco anos depois do acontecimento histórico paulista, que ainda não teve nenhum relatório ou documento oficial para tentar descrever os fatos. "Assim como ocorreu em novembro nos ataques do Comando Vermelho no Rio de Janeiro, a corrupção policial também teve papel importante nos ataques de maio de 2006 em São Paulo. Isso foi pouco discutido por aqui. Entender as causas do ocorrido é importante para saber o que precisa ser mudado", afirma um dos coordenadores da pesquisa, Fernando Delgado, da Clínica de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard.
A transferência em massa de líderes do PCC para penitenciárias de segurança máxima no interior e a tentativa de prejudicar o então candidato a presidência, Geraldo Alckmin (PSDB), identificado pelas lideranças presidiárias como responsável pelo Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), também foram importantes para a decisão dos criminosos. E sempre foram apontadas pelas autoridades como as causas principais dos ataques.
O desconhecimento do sequestro e dos constantes achaques atrapalharam as avaliações. Nem o ex-secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, nem o então governador do Estado, Claudio Lembo, souberam à época do caso. Nagashi, por exemplo, sempre atribuiu a revolta dos criminosos à transferência maciça dos presos. "Eu não tinha informações sobre o sequestro e por isso nunca fez parte da minha avaliação", explicou Furukawa.
Sete mortos
O promotor Marcelo Alexandre de Oliveira, que atuou no caso do sequestro do enteado de Marcola, concorda que a corrupção policial foi importante para provocar os ataques. Ele cita outro caso ocorrido em Suzano, protagonizado pelo investigador Augusto Peña, o mesmo que em 2005 havia se envolvido no sequestro de Marcola. Segundo investigações, policiais de Suzano negociaram a fuga de um integrante da cadeia por R$ 40 mil. Mas a fuga acabou não acontecendo.
Os bandidos foram cobrar a dívida. Em abril de 2006, um mês antes do ataque, integrantes do PCC promoveram atentados à delegacia que resultaram em sete mortes - duas vítimas eram carcereiros. "Entre 2005 e 2006, vivíamos o auge da corrupção policial aqui na região. Os casos não paravam de estourar. A situação melhorou depois que a Corregedoria de Polícia passou a ser vinculada ao gabinete da Secretaria de Segurança. Mas é difícil saber até quando isso vai durar", diz o promotor.
O Estado conseguiu falar com o secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto. Ele concorda que a corrupção policial era intensa naquela época e afirma que por esse motivo tem centrado seus esforços no combate ao problema. O atual secretário de Transporte e Logística, Saulo de Castro Abreu Filho, que era Secretário de Segurança durante os ataques, não quis comentar o tema.
O Estado de S.Paulo
Das 496 mortes por armas de fogo ocorridas entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, há indícios consistentes de execuções praticadas por policiais em 122 casos, segundo o relatório. Em grande parte dessas ocorrências testemunhas descreveram procedimentos semelhantes praticados pelos autores do crime. O primeiro passo era o toque de recolher. Em seguida, os alvos eram escolhidos em abordagens policiais. O crime era então praticado por homens encapuzados. Logo em seguida chegava a viatura, removendo o corpo do local e danificando provas.
As chamadas resistências seguidas de morte, em que o homicídio ocorre em suposta troca de tiros com a polícia, também foram recorrentes. Houve126 casos no período. Entrevistas com testemunhas e autoridades apontaram que 51 casos tinham fortes indícios de execuções.
Uma omissão importante na apuração decorreu da alegada falha técnica nas gravações do 190 do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) justamente nas semanas que se seguiram aos ataques. O índice de resolução dos casos foi baixíssimo. O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), segundo relatório, elucidou a autoria de apenas 13% (4 de 34) dos homicídios com suspeita de participação de policiais - só uma das quatro chacinas em que havia possibilidade de envolvimento de agentes ligados a grupos de extermínio.
Ao longo desta semana, as Mães de Maio, grupo que reúne familiares de vítimas de policiais, vão realizar eventos para relembrar os episódios. "Hoje o grupo não reúne só as mães de maio, mas mães que perderam os filhos em quase todos os meses do ano. Por causa da impunidade, os policiais continuam matando", afirma Débora Maria da Silva, coordenadora do Mães de Maio.
Cemitério
Em abril, depois que uma mulher ligou ao Copom testemunhando o assassinato praticado por um policial no cemitério de Ferraz de Vasconcelos, o governo determinou que o DHPP passasse a investigar todos os casos de resistências seguidas de morte.
By: Nassif
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