A ofensiva do governo para chegar a um acordo na Câmara garantiu a aprovação, na noite desta quarta-feira (21), do projeto cria a Comissão Nacional da Verdade. A matéria segue agora para o Senado e, se aprovada, permitirá a investigação dos casos de violação dos direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988. Familiares de desaparecidos políticos e ativistas de direitos humanos, que defendiam alterações no texto, prometem manter a pressão sobre a Comissão da Verdade paras que ela não fica apenas na “vaga lembrança”.
Para o jornalista Pedro Pomar, neto do dirigente comunista Pedro Ventura de Araújo Pomar, morto em 1976, um dos principais problemas no texto aprovado é não prever qualquer tipo de punição. “O risco é a comissão ser usada como álibi para não se avançar na punição dos responsáveis”, alerta. Para o jornalista, outro ponto crítico é o extenso período de investigações. “O governo adotou esse absurdo intervalo 1946-1988 para atender à pressão dos comandantes militares, que não queriam que ficasse claramente delimitado o período correspondente à ditadura militar”, aponta.
O argumento de que o golpe militar foi preparado em anos anteriores não justifica ampliar o período para uma comissão que terá apenas sete integrantes e dois anos de trabalho. “Tudo isso poderia ser objeto de investigações posteriores e, de qualquer modo, tais movimentações e atos seriam facilmente identificados e descobertos em uma apuração cuidadosa dos crimes e atrocidades cometidos por agentes do Estado a partir de 1964”, defende.
Antes da votação na Câmara, ativistas realizaram um ato em frente ao Congresso, cobrando alterações no projeto. “Ninguém é contra a Comissão da Verdade, mas do jeito que está, dificilmente a verdade virá à tona”, afirma o dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Expedito Solaney. “Nossa luta sempre foi pela divulgação do ocorrido a partir de 64 quando iniciaram as mortes e desaparecimentos”, aponta.
O passo seguinte
Ainda que sem maiores esperanças de modificar o texto no Senado, os ativistas pretendem seguir mobilizados. Mais do que isso, estão preparados para acompanhar e fiscalizar o trabalho da futura Comissão. “Não sabemos muito bem como será o passo seguinte desta comissão, mas pelo que conhecemos da nossa história não acreditamos que será possível alterar alguma coisa depois ou pensar em punição dos torturadores”, afirma Solaney.
“Nossa situação é difícil porque somos favoráveis a instalação da Comissão da Verdade, sempre lutamos por ela. Porém, ao conseguirmos, por outras instâncias, exigir do governo a devida atenção a ela, com a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o governo envia o texto de uma comissão desfibrada”, critica o advogado Aton Fon Filho.
A eventual participação de militares é outro problema levantado pelo advogado paulista. “Eles já vêm ouvindo só um lado. Desde a criação deste projeto, no final de 2010, o José Genuíno (assessor do Ministério da Defesa) vem conversando apenas com os militares”, afirma. Ele reconhece a estratégia do governo em aprovar um projeto passível de consenso partidário, para não perder a oportunidade de aprovação de um organismo com funções tão delicadas no Brasil, mas critica a forma unilateral. “Vendo a situação da Argentina ou demais países do Conesul e do mundo, as Comissões da Verdade não começaram com este caráter punitivo”, disse a ministra.
“Comissão da vaga lembrança”
Um dos dispositivos do texto especifica que as atividades da comissão não terão caráter jurisdicional ou de perseguição, principal temor da cúpula militar, que não quer ver condenados agentes militares e das forças de segurança por crimes contra os direitos humanos.
Por esta razão, o advogado Aton Fon Filho atribui outro nome à futura Comissão da Verdade: “Comissão da Vaga Lembrança, das Meias Verdades e da Absoluta Injustiça”. “Não será possível encaminhar os casos descobertos pela comissão a um novo julgamento dos processos pelo Ministério Público Federal”, explica.
De acordo com o advogado, a decisão do Supremo Tribunal do Federal em não revisar a Lei de Anistia não fecha totalmente as possibilidades de punição dos autores de crimes durante o período de exceção. “Segundo o STF todos os crimes já estão anistiados no Brasil. Isto não é verdade. Os crimes ditos permanentes, como desaparecimentos, ocultação de cadáver e sequestros ainda não têm resposta, portanto, seguem acontecendo”, afirma. A mesma interpretação permitiria seguir processando os crimes de supressão de documentos. “Eles dizem que não existem mais arquivos deste período, então, também é um crime permanente”, qualifica.
O jornalista Pedro Pomar alerta que divulgar os fatos ocorridos no período não será algo inédito. “No caso do meu avô, Pedro Ventura de Araújo Pomar, ex-deputado federal, que foi assassinado pelo Exército, e também de meu pai, Wladimir Pomar, que foi preso e torturado no mesmo episódio, foi possível identificar a responsabilidade do Estado brasileiro e apontar alguns dos agentes militares e civis envolvidos no crime. Mas é preciso que esses autores materiais do assassinato de meu avô sejam processados na forma da lei e punidos”, defende.
“O que ocorreu nesta quarta em Brasília já ocorreu em 1979 quando aprovaram a Lei de Anistia, a com a única diferença, que naquela época, Teotônio Vilela fez muito mais espetáculo. Os resultados das duas leis ainda não refletem o necessário e sim, mais uma vez, apenas o politicamente possível”, completa Aton Fon Filho.
Raquel Duarte
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