Revolução iraniana
Após uma crescente onda de protestos, um forte movimento popular iraniano obrigou, em fevereiro de 1979, o xá Mohamed Reza Pahlevi a deixar o governo, acabando com um regime que já durava 25 anos. Um dos mais espetaculares colapsos políticos do século XX, a Revolução Iraniana colocou fim ao poder da dinastia Pahlevi no Irã e, poucos meses depois, propiciou a formação do primeiro Estado islâmico do mundo.
Esse movimento, que resistiu à repressão e conseguiu derrubar a monarquia, era formado principalmente por grupos de esquerda e organizações trabalhistas, dizem historiadores. Em entrevista ao Opera Mundi, os especialistas lembram as consequências da revolução, cujo regime, posteriormente, perseguiu e dizimou grande parte dos setores da sociedade que o apoiavam.
“A Revolução Iraniana é conhecida como a revolução traíra”, afirmou a historiadora Márcia Camargos, autora dos livros A Travessia do Albatroz e O Irã sob o Chador: duas brasileiras no país dos aiatolás - ambos sobre a sociedade iraniana. “Não só com a esquerda, mas também com o movimento operário que nem era tão de esquerda. Os comunistas foram mortos como traidores após a revolução”, explicou Márcia.
O xá Mohammad Reza Pahlevi foi deposto em 16 de janeiro e obrigado a fugir, primeiro para Egito, depois Marrocos e México, antes de se estabelecer nos EUA. Em um primeiro momento, o poder foi transferido ao primeiro-ministro Shapur Bakhtiar. Entre 10 e 12 de fevereiro uma insurreição popular armada tomou conta das principais cidades do Irã e, quando o exército passou a defender a revolução, Bakhtiar também teve que deixar o país, assim como todos os aliados do xá.
O segundo e último xá e a rainha, obrigados a deixar o país
Enquanto isso, o aiatolá – título religioso para designar o mais alto conhecedor da lei islâmica – Ruhollah Khomeini, que havia voltado do exílio em 1º de fevereiro, foi aos poucos formando uma nova liderança, com apoio da Guarda da Revolução Islâmica, milícia religiosa ligada ao clero xiita.
“Nessa época todas as esquerdas, do mundo inteiro, em Paris, no Brasil, comemoraram a volta do Khomeini, pois acabaria assim com a ditadura corrupta e sangrenta do xá, aliado do ocidente”, afirmou a historiadora.
Em abril de 1979, o país foi oficialmente declarado uma república islâmica, como é até hoje. Esse governo estabeleceu novas leis, baseadas nos fundamentos do islamismo, que passaram a regulamentar a vida dos iranianos.
“[Movimentos de oposição] apoiaram Khomeini e depois ele se voltou contra eles. Nas ruas, foram eles que mais estiveram presentes, principalmente na capital, Teerã, e nas grandes cidades. No interior, os aiatolás tinham mais força, porque as pessoas se mobilizavam nas mesquitas. Menos de um ano depois, a oposição estava na clandestinidade”, complementou o historiador Osvaldo Coggiola, autor do livro A Revolução Iraniana.
Depois de 15 anos de exílio, Khomeini retorna a Teerã como herói nacional
No início de seu primeiro governo, Khomeini ampliou seu apelo popular e incorporou partidários da Frente Nacional ao governo mas, assim que se consolidou no poder, os expulsou. A Frente Nacional foi uma coalizão criada em 1949 e composta por partidários do ex-chefe de governo nacionalista Mohammed Mossadegh, preso durante o governo de Reza Pahlevi por ser um grande critico da política pró-ocidente do xá.
“Qualquer dissidência era vista como traição à pátria e essa repressão aumentou em alguns momentos, como durante a guerra contra o Iraque, quando o aiatolá estabeleceu uma lógica ainda mais nacionalista, já que o Irã é um país de origem persa e o Iraque é árabe”, afirmou Coggiola. Segundo ele, centenas de milhares de oposicionistas morreram, vítimas da repressão. Alguns foram condenados à morte, como o secretário-geral do Partido Comunista [chamado de Tudeh], por exemplo, mas a maior parte foi dada como baixas em enfrentamentos.
O movimento da oposição
A oposição ao regime de Reza Pahlevi estava dividida, pois agia na clandestinidade. No entanto, buscava força para aumentar os protestos e resistir à repressão feita pela polícia política, a Savak, que realizava prisões ilegais, torturas e desaparecimentos forçados.
“Havia vários grupos, mas a esquerda estava dividida em duas alas principais: o Partido Comunista, conhecido como Tudeh, e a Mujahedin, a guerrilha de esquerda. O Tudeh era clandestino, mas tinha uma força muito grande nos sindicatos, principalmente na área do petróleo. Pela força que tinha, pode-se dizer que era como se estivesse na semi-legalidade e na semi-clandestinidade. Mas a guerrilha, não. Era ilegal mesmo”, explicou Coggiola.
Mobilização social foi decisiva para derrubar a monarquia
O único partido legalizado era o do xá, o Partido do Ressurgimento Nacional. Os grupos islâmicos também eram perseguidos, e entre eles estava Khomeini, exilado na França desde 1964.
A formação do movimento operário, que nas palavras de Márcia foi “determinante para o sucesso da revolução”, teve impulso no próprio governo de Reza Pahlevi, devido aos investimentos na indústria do aço e do petróleo. Em 1962, os trabalhadores industriais representavam apenas cerca de 20% da força total de trabalho. O mesmo número passou a representar 50% da população economicamente ativa em 1977.
A partir de década de 1970, a insatisfação com o regime começou se tornar significativa e os protestos eram duramente reprimidos. Entre os motivos de descontentamento estava a falta de liberdade de expressão, a corrupção e os gastos supérfluos.
Um dos eventos da época que causou profunda revolta na população foi a comemoração dos 2.500 anos da fundação do Império Persa, feita em outubro de 1971 na cidade de Persépolis. Com três dias de celebrações, o custo total foi de 300 milhões de dólares. Uma tonelada de caviar foi preparada por 200 chefs, vindos de Paris.
Ao longo da década, os protestos aumentaram e o movimento de oposição foi se fortalecendo até que o exército não conseguiu contê-los em janeiro de 1979.
Regime islâmico
Quando o aiatolá assumiu o poder, houve mudanças radicais. Escolas e universidades fecharam por dois anos para adaptar seus currículos às leis islâmicas e houve ingerência direta em todos os movimentos sociais.
Na avaliação de Márcia Camargos, entretanto, é importante destacar que a revolução proporcionou imensas contribuições à sociedade iraniana. “Para se ter ideia, ao longo do tempo multiplicou o numero de universidades do país. A população é hoje muito mais culta e educada do que antes da revolução. A revolução criou os filhos que hoje contestam o regime”, disse.
“Além do que já foi citado, foi feito um regime mais igualitário, com distribuição de renda mais justa. Houve também a ascensão das mulheres ao estudo. Atualmente, mais de 60% dos universitários são mulheres”, completou.
O novo governo rompeu relações diplomáticas e comerciais com vários países ocidentais, acusados de explorar a economia iraniana. Em novembro de 1979, a embaixada norte-americana de Teerã foi tomada, como represália pelo fato de os Estados Unidos terem acolhido Reza Pahlevi. Nos últimos anos, algumas tentativas de reaproximação entre o Irã e as potências ocidentais foram ensaiadas, sem obterem qualquer sucesso.
Nota do Blog:
Confira também o filme Persépolis, a proposta é um pouco pró Ocidente demais, mas apresenta o contextorevolucionário iraniano sob a perspectiva da esquerda local, vale conferir. Vejam o trailer:
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