quinta-feira, 24 de março de 2011

Trinta e cinco anos após golpe, Argentina condenou 196 repressores da ditadura

E o Brasil hein...


Muitos são os santos que estão entre as grades de Deus e tantos assassinos gozando deste sol”, dizia trecho da canção “Las Madres del Amor” de León Gieco, músico perseguido pela ditadura militar argentina (1976-1983), que deixou um saldo estimado de 30 mil desaparecidos. 

A música, composta em 2001, lamentava que muitos dos envolvidos em crimes atrozes cometidos no período ainda estivessem impunes, desfrutando de sua liberdade sob o sol. Dez anos depois, no entanto, a Argentina avançou significativamente em matéria de Direitos Humanos. 

 
 
Acerto de contas: Videla (d) e Menendez (e) no banco dos réus em tribunal de Córdoba 

No dia em que a nação lembra o aniversário de 35 anos do golpe de estado que deu início aos anos de chumbo, as organizações de Direitos Humanos, como as Mães e Avós da Praça de Maio, os H.I.J.O.S. (Filhos pela Identidade e Justiça, contra o esquecimento e o silêncio, na sigla em português), programam passeatas e atividades culturais para recordar a data e reivindicar a luta pela Memória, pela Verdade e pela Justiça, como fazem anualmente. 

Apesar da efeméride dolorosa, no entanto, tais manifestações podem estar permeadas de otimismo e esperança: somente no transcurso de 2010, a justiça argentina concluiu 19 julgamentos e condenou 109 repressores. Destes, 11 já cumpriam pena por atuação como agentes de repressão e 98 foram condenados pela primeira vez. 

Os dados, publicados pela Unidade Fiscal de Coordenação e Acompanhamento dos casos de violações aos Direitos Humanos cometidos durante o terrorismo de Estado, revelam que o número de condenações é maior do que o dobro das ditadas em 2009, que chegaram a somente 36. 

Segundo o informe, até dezembro de 2009, 634 pessoas estavam sendo processadas, número que passou para 820 em 2010. O número total de julgados e de condenados desde 1983, de acordo com o informe, é de 217 e 196, respectivamente. Os dados incluem, no entanto, sentenças que não foram cumpridas, devido aos decretos de anistia a militares acusados de violações dos Direitos Humanos, sancionados pelo ex-presidente argentino, Carlos Menem, em 1989 e 1990. 

 
Estela de Carlotto, presidente das Avós, e o ex-presidente Néstor Kirchner na Casa Rosada, em 2006 

Fim da impunidade 

A anistia foi uma entre outras travas à devida investigação dos crimes do período e punição dos acusados. Em dezembro de 1986, durante o governo de transição para a democracia de Raúl Alfonsín, foi criada a Lei de Ponto Final, que estabelecia a paralisação dos processos judiciários contra os autores das prisões arbitrárias, torturas e assassinatos durante a ditadura militar, que não tivessem sido processados até determinado prazo. 

No ano seguinte, o mesmo governo decretou a Lei de Obediência Devida, com a qual, militares de patentes inferiores a Brigadeiro não poderiam ser julgados, porque estavam somente cumprindo ordens. Ambas as leis excetuavam somente os responsáveis por “substituição de estado civil e subtração e ocultação de menores”. Estima-se que, com as determinações, ao menos 1,8 mil militares tenham sido anistiados. 

Finalmente, em 2005, durante a presidência de Néstor Kirchner, as leis de anistia, que já haviam sido anuladas em 2003, foram consideradas inconstitucionais pela Corte Suprema e derrogadas, o que permitiu a retomada dos julgamentos. 


 
Apoiadores da ONG H.I.J.O.S. se manifestam em Córdoba, onde mais de 30 repressores enfrentaram a justiça
 

Queixas das organizações 

Outro passo que sinalizou a aproximação desta gestão com as políticas de Direitos Humanos foi em 2004, quando após sua ordem, o então chefe do Exército, o tenente-general Roberto Bendini, tirou os quadros dos ex-ditadores Jorge Rafael Videla e de Roberto Bignone – ambos acusados e com processos em andamento –, das paredes do Colégio Militar. 

O gesto determinou o caminho que seria tomado por sua gestão. A partir do fim das leis de impunidade, o Estado argentino efetivou 42 julgamentos orais com sentenças em todo o país. Entretanto, para a organização H.I.J.O.S. da cidade de La Plata, capital da província de Buenos Aires, a justiça é lenta e o número de condenados ínfimo quando comparado com a quantidade de repressores impunes. 

“Com estes julgamentos, só 10% dos repressores processados foram condenados”, afirmaram, em um comunicado. “Houve 16 absolvições de integrantes das patotas do Terrorismo de Estado e, por mais que haja uma cifra similar de presos a espera de julgamento, a maioria dos acusados se encontra em liberdade, há dezenas de foragidos e muitos morreram impunes antes de receber uma sentença”, reclamam. 

Outra queixa das organizações de Direitos Humanos é a possibilidade de prisão domiciliar, da qual se beneficiam 42,2% dos condenados. Segundo o relatório da Unidade Fiscal, 51,8% deles está em unidades penitenciárias, 3,7% em dependências das forças de segurança, 1,7% em hospitais e 0,4% no exterior. 

Apesar das demandas dos ativistas, o avanço dos julgamentos na Argentina é surpreendente quando comparado com a situação brasileira, onde a Lei de Anistia vigora desde 1979. Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal se negou a revisar a mesma, impedindo o julgamento dos militares envolvidos em crimes durante a ditadura (1964-1985). 

As expectativas atuais recaem sobre o projeto de lei para a criação da Comissão Nacional da Verdade, que pretende esclarecer violações de Direitos Humanos na ditadura brasileira. 

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