Em tempos de ascensão da direita, é sempre bom ver até aonde a burguesia pode chegar para defender seus interesses excludentes.
O acirramento da luta de classes às vésperas da ascensão do fascismo na Itália (Parte I) *
Palmiro Togliatti, um dos fundadores do Partido Comunista Italiano,
ao lado de Amadeo Bórdiga e Antonio Gramsci, em um curso ministrado
em Moscou, no ano de 1935, para exilados italianos, definiu da
seguinte forma o fascismo, amparado pelas teses do XIII Pleno da
Internacional Comunista: “O fascismo é uma ditadura terrorista
aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais
imperialistas do capital financeiro”1.
A altura do curso ministrado por Togliatti, o regime fascista já
completara mais de uma década de existência, o movimento operário
italiano se encontrava desmantelado, tendo muitos de seus membros
cooptados pelo regime, o partido comunista se encontrava na
ilegalidade, com suas lideranças no exílio, encarceradas (tendo em
Gramsci seu principal exemplo, preso há quase dez anos) ou na mais
profunda clandestinidade. Em tal panorama, a democracia pertencia
ao território da memória, a imprensa se encontrava severamente sob
censura, e os últimos traços do sistema liberal estavam em vias de
desaparecer, dentro de um sistema que buscava cada vez mais a
centralização, em direção àquilo que alguns autores chamaram de
totalitarismo.
E mais, poucos anos antes, a Alemanha, maior potencia
industrial de Europa, também aderira a um regime de extrema-direita,
de contornos ainda mais radicais que o Italiano. Em situação
semelhante se encontrava a Hungria, Portugal; na Espanha, grupos
reacionários católicos já se articulavam, rumo a uma tomada de
poder que não tardaria a chegar. A extrema-direita ganhava força no
mundo todo, a democracia parecia ter se tornado um sistema em vias de
desaparecer, o liberalismo desacreditado, e a expansão socialista,
exceto em alguns pontos isolados, parecia ter sido definitivamente
contida. Toda essa vaga conservadora e reacionária teve início, não
há dúvida, na Itália, a partir dos finais do segundo decênio do
século XX.
Prosseguindo com sua exposição, Palmiro Togliatti apresentou
outra característica fundamental do fascismo: “O fascismo não
significa apenas a luta contra a democracia burguesa, não podemos
empregar essa expressão apenas quando estamos em presença dessa
luta. Devemos empregá-la apenas quando a luta contra a classe
operária se desenvolve sobre uma nova base de massa de caráter
pequeno-burguês (…)”. Seguindo sua explanação, o dirigente
comunista expões os caracteres tipicamente italianos
do fenômeno em análise:
Não compreendemos
que no fundo de tudo isso havia um fenômeno social italiano, não
vimos as profundas causas sociais que o determinavam. Não
compreendemos que os ex-combatentes, os desqualificados, não eram
indivíduos isolados, mas uma massa,
e que representavam um fenômeno que possuía aspectos de classe. Não
compreendemos que não se podia simplesmente mandá-los para o
diabo2.
Foi
justamente essa massa
de “desqualificados” que engrossou as
milícias fascistas, quando os grupos que tinham condições de se
opor a tais forças se deram conta do crescimento desse movimento,
não havia mais tempo para reagir. Para se compreender o advento,
expansão e posterior conquista do poder por Mussolini e seus
sequazes, é necessário observar com atenção o panorama
político-social da Itália no pós-guerra. Este trabalho tem por
objetivo analisar tal conjuntura, e fornecer pistas para um melhor
entendimento sobre o tema, sem se propor a avançar demasiadamente no
assunto, visto que se trata de uma questão ainda em aberto, foco
contínuo de debate entre historiadores e demais analistas do período
e da temática.
*****
Dos grandes países da Europa Ocidental a
adentrarem ao restrito círculo das Nações imperialistas, a Itália
foi o último, não obstante, em princípios dos anos 1920, esse país
era a sexta economia do continente. Não há como deixar de
relacionar o atraso italiano a sua unificação tardia, completada
em 1870. Acerca do tema, vejamos o raciocínio de Nicos Poulantzas,
que tece comparações entre o desenvolvimento industrial italiano e
alemão.
Na Itália, o processo de
industrialização foi particularmente tardio, só começando de
forma decisiva por volta de 1880. O feudalismo, marcado pela
dominância do setor agrícola, manifestou, no contexto da dispersão
territorial e política da Itália (dispersão perpetuada pelas
sucessivas ocupações estrangeiras) uma persistência notável. No
entanto, nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, a Itália já
entrara no estágio imperialista, ainda que de forma muito
particular. Dada a importância (que remonta ao Renascimento) do
capital comercial e bancário e o atraso da acumulação primitiva na
agricultura, o processo de industrialização caracterizou-se, desde
o início, por uma tendencia rápida a fusão do capital bancário e
do capital industrial em capital financeiro e por um ritmo muito
elevado de concentração de capital. O capital industrial
monopolista não “precedeu” a constituição do capital
financeiro, foi antes o seu corolário3.
O
processo descrito acima ajudou a formar uma poderosa elite
industrial, detentora do poder econômico em sua Nação,
entretanto, com relação ao poder político, a questão era mais
complexa. A unificação italiana se deu através de um arranjo
político articulado entre a burguesia do norte industrial e os
latifundiários do sul agrário. O controle político e
administração do novo país ficou nas mãos da burguesia, enquanto
os privilégios da elite aristocrática do sul permaneceram
praticamente intactos. Presente situação ajudou a criar um fosso
econômico-social-cultural que até os dias de hoje marca a Nação
italiana. A manutenção do status dos terratenentes meridionais
impediu a realização de uma reforma agrária, atuando, aliás, em
sentido contrário, reforçando a concentração fundiária e
precarizando cada vez mais a situação do campesinato local, fator a
agudizar os conflitos de classe.
Este
problema, secular na península, foi chamado por Antonio Gramsci de
“Questão Meridional”, acerca deste processo, vejamos o que expõe
o líder comunista e arguto analista da história de seu país: “A
democracia italiana, tal como se criou desde 1870, carece de uma
sólida estrutura de classes, que resulta do fato de que não existe
predominância de nenhuma das duas classes proprietárias, os
capitalistas e os latifundiários. A luta entre estas duas classes
representou, na história dos outros países, o terreno para a
organização do Estado moderno, liberal e parlamentar”4.
Ainda sobre a instabilidade da burguesia italiana, prossegue Gramsci:
“A burguesia italiana conseguiu organizar seu estado menos por sua
própria força intrínseca do que pelo fato de ter sido favorecida
em sua vitória sobre as classes feudais e semifeudais por toda uma
série de condições de ordem internacional ( a política de
Napoleão III em 1852-1860, a guerra austro-prussiana de 1886, a
derrota da França em Sedam e o desenvolvimento do Império Alemão
que se seguiu a essa derrota)"5.
Uma
série de fatores externos possibilitou a unificação italiana, da
mesma forma que a industrialização do país foi financiada por
capitais estrangeiros, sobretudo o alemão. Tal situação colocava e
elite dirigente local em posição delicada, tendo que fazer
concessões a uma poderosa classe – os latifundiários do sul –
cujos interesses nem sempre se coadunavam aos seus. A edificação de
uma monarquia constitucional parlamentarista, de verniz democrático,
ajudou a sustentar o precário equilíbrio do Estado burguês
liberal. Entre o final do século XIX e início do XX, o condutor do
projeto de Nação moderna na Itália foi Giovanni Giolitti,
representante das classes capitalistas avançadas. Ciente das
limitações de sua camada social, Giolitti buscou costurar uma
articulação junto a classes operárias, de modo a fazer frente a
aristocracia rural. Uma articulação entre capital e trabalho era
algo que podia manter a estabilidade do regime, isto posto, o
Primeiro Ministro se aproximou do movimento operário e dos
trabalhadores assalariados do campo, incentivou a formação de
sindicatos e confederações laborais, dialogando com o PSI (Partido
Socialista Italiano), e oferecendo benefícios aos trabalhadores.
Esta política ajudou a fortalecer o operariado local e reforçou o
poder sindical. Buscando colocar o reino no seleto clube das Nações
imperialistas, Giolliti iniciou uma série de campanhas militares
visando a ocupação de territórios no norte da África. Contudo, a
eclosão da Grande Guerra interrompeu o desenvolvimento estável do
país.
*****
Não é nosso objetivo aqui discutir a posição
e os implicamentos da participação italiana na I Guerra Mundial, o
que cabe mencionar é mudança de posição do reino, que em
princípio acertara sua participação no conflito ao lado da
Alemanha, mas que já em 1915 se aliara a Entente, através do Pacto
de Londres. Promessas de auxilio em sua empreitada imperialista e de
novos territórios confiscados as potencias a se derrotar marcaram a
mudança de posição da Itália.
Ao contrário
do observado em Nações como a França e a Alemanha, a classe
trabalhadora italiana não se empolgou com a guerra, os ímpetos
nacionalistas ficaram restritos a círculos militares arditi
(audaz), estudantes de direita e demais grupos reacionários. O PSI,
também em sentido contrário a seus vizinhos continentais, não
apoiou a participação de seu país no conflito mundial. Das
lideranças de renome do partido, destacou-se uma a defender a
movimentação bélica, Benito Mussolini, diretor do Avanti!,
principal veículo de comunicação da sigla. Por meio do periódico
socialista, Benito Mussolini defendeu a participação de seu povo na
guerra, sendo por isso expulso do partido ainda em 1914.
O conflito que prometia ser breve, ganhou
proporções que transbordaram as expectativas dos atores envolvidos,
consubstanciando-se no maior morticínio da humanidade até então,
destruindo impérios seculares, redefinindo o mapa geopolítico
europeu, lançando quase todos países envolvidos na refrega em
crises econômico-político-sociais agudas. Dos mais atingidos, a
Rússia, ou os revolucionários russos, viram abertas as searas rumo
a uma mudança qualitativa de regime, liderados pela maestria
política de Lênin. A Alemanha esteve as portas da Revolução,
Hungria deu um passo adiante, sendo rapidamente contida pela reação.
Nicos Poulantzas, referindo-se a Alemanha e a Itália, afirma que a
crise nessas regiões era de natureza profunda e antecedia a Guerra,
para este autor tal período foi marcado pela transição em direção
ao “capitalismo monopolista”. Esta transição desorganizou ambas
as sociedades, em se tratando de Nações de estruturação recente,
em processo de desenvolvimento acelerado. A mesma conjuntura marca a
transição em direção a uma sociedade moderna, rompendo com
hábitos e estilos de vida remanescentes da sociedade medieval. No
caso que nos toca, o arranjo classista tão bem orquestrado Giolitti
começou apresentar seus limites.
A situação agrava-se mesmo,
após o fim da guerra, devido as vantagens políticas bastante
substanciais conquistadas pelas classes populares num momento em que
a crescente intervenção do Estado a favor da burguesia italiana se
torna para ela, também aqui, uma questão de vida ou de morte.
A Itália, apresenta-se
assim, no final da guerra, simultaneamente como um país
economicamente “em atraso”, em relação aos outros elos da
cadeia imperialista, e de certo modo, “em avanço” em relação a
si própria6.
A tradicional
sociedade italiana começou entrar em colapso nessa fase, o ritmo do
crescimento econômico, o acirramento dos conflitos de classe, mais a
grave crise econômica do pós-guerra, punham em xeque antigas
concepções de mundo. Aqui encontramos algo de novo, a antiga
sociedade teve como defensores apenas setores conservadores ligados
ao clero, a monarquia e ao feudalismo moribundo. As demais forças a
se digladiar nesse período, dentro de todo um espectro, tanto a
esquerda quanto a direita, tinham os olhos voltados para frente, para
o avanço, para o futuro, para a construção de uma nova sociedade.
Vejamos agora as principais tendencias envolvidas na disputa pelo
poder na Itália no dopoguerra.
Vimos
acima que o principal representante da esquerda italiana nas duas
primeiras décadas do século XX foi o PSI, partido alinhado a II
Internacional. A grande instituição representante do
internacionalismo marxista, nessa conjuntura, encontrava-se em
descrédito (ao menos entre os setores mais radicais do socialismo
internacional) devido ao seu apoio a Grande Guerra. Vimos também que
o PSI não apoiou o conflito, porém, tal posição não foi
acompanhada pelas demais seções europeias, tendo como caso mais
emblemático o apoio a aventura imperialista por parte da Alemanha,
centro da Social Democracia continental. Tal viragem a direita não
foi aceita por todos os membros da II Internacional, e já em 1915 se
reuniu a Conferencia de Zimmerwald, congregando as correntes
contrarias as diretrizes superiores de seu movimento. Para um melhor
entendimento dos preceitos da II Internacional, é válido o
argumento de Leila
Escorsim, que aponta o marxismo dessa
organização como
(...) caracterizado
basicamente pela invasão positivista-naturalista que acabara por lhe
determinar seus traços elementares: evolucionismo, determinismo e
mecanicismo, derivando ora no reducionismo economicista ou
sociologista, ora no fatalismo de uma pretensa “marcha inexorável
da História rumo ao socialismo” fundado na noção catastrófica
de uma “crise final” inevitável do capitalismo – e não havia
qualquer colisão entre reducionismo e fatalismo. O marxismo da
Segunda Internacional era, sobretudo, uma concepção doutrinária e
sistemática da História e da sua dinâmica, assentada num
objetivismo grosseiro: o capitalismo estaria inevitavelmente
condenado porque o movimento das forças produtivas terminaria, por
efeito de leis naturais, chocando-se e rompendo com as relações
sociais de produção, com o que o papel do sujeito revolucionário
(o proletariado) terminava por consistir numa paciente e organizada
expectativa para, na oportunidade da implosão da ordem burguesa,
assumir o comando da vida político-econômica. Daí a tarefa da
organização revolucionária dirigente da classe operária, o
partido: preparar os trabalhadores para compreender o amadurecimento
da crise e para esperar pelo seu desfecho.7
Este paradigma foi chamado pelos militantes
sintonizados ao grupo que posteriormente formaria a Terceira
Internacional (Lênin, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht)
de reformismo, porque
os trabalhadores, de acordo com os preceitos social-democratas,
deveriam se mobilizar apenas por reformas que melhorassem suas
condições de vida, e confiar sempre em lideranças que apontassem o
melhor caminho rumo ao desenvolvimento das forças produtivas, em
direção a uma situação propícia ao socialismo.
Na Itália,
o grande expoente da ala supracitada era Filippo Turatti, principal
liderança do PSI, que dividia sua influência com Giacinto Menocci
Serrati, guia da facção maximalista, defensora do programa máximo
da social-democracia. A notícia da Revolução bolchevique na Rússia
aguçou os ímpetos daqueles setores descontentes com as proposições
de Karl Kautsky e Eduard Bernstein, próceres da II Internacional. A
queda do czar impressionou sobretudo um jovem jornalista, que
costumava escrever textos brilhantes no jornal socialista Avanti!,
chamado Antonio Gramsci. Ao jovem sardo se juntará outros
simpatizantes de Lênin, como Angelo Tasca, Alberto Terracini e
Palmiro Togliatti, tendencia que se reunirá em torno do jornal
L'Ordine Nuovo (A Nova
Ordem). Também a esquerda se movimentava o grupo abstencionista
(contrário as participações em eleições) de Amadeo Bórdiga.
Apesar de não
ter se convertido na máquina que foi o SPD (Partido Social Democrata
Alemão), o PSI se constitui como umas das principais forças
políticas de seu país. Em princípios de 1920, a sigla tinha em
torno de 300 mil militantes, 2 milhões de filiados a CGL
(Confederação Geral del Lavoro), braço sindical do partido, e 150
deputados no parlamento. “Nas eleições administrativas de 31 de
outubro a 7 de novembro de 1920, o PSI conquistou a maioria em 2.162
prefeituras dentro de oito mil (incluindo Milão e Bolonha) e em 26
províncias dentre 69”8.
O PSI caminhava para se tornar a principal força política em seu
território, no entanto, os eventos situados no “biênio vermelho”
frustaram os planos reformistas da legenda.
Paralela
a esquerda, no imediato pós guerra, passou a se desenvolver uma nova
direita que rapidamente foi assimilando pretensões hegemônicas.
Diversos teóricos apontaram como movimentos fonte para o fascismo o
nacionalismo italiano (especialmente em sua versão militar, através
dos arditi, tropas de
elite, muito dos quais tendo lutado na Guerra), e o sindicalismo
revolucionário, que tinha no teórico francês Georges Sorel seu
principal mentor. Tais movimentos:
Introduziram na política a
exaltação da ação direta e da violência, a teoria das minorias
de vanguarda que intuem e expressam a vontade coletiva – da nação
ou da classe -, e a função do mito na mobilização das massas.
Ambos os movimentos eram por isso antiliberais, antiparlamentares,
antidemocráticos, antisocialistas, antipacifistas, antireformistas,
antihumanitários. (…) Enquanto os sindicalistas revolucionários
queriam criar uma nova civilização do trabalho, uma comunidade de
“produtores” livres e autônomos, o nacionalismo afirmou o valor
absoluto da nação, concebida como uma espécie de grande organismo
natural, em que os indivíduos e as classes tinham uma posição
instrumental e subordinada. (…) Modernidade, para o nacionalismo,
significava luta pela potência e a conquista: ela reclamava o
sacrifício da liberdade pela grandeza da nação. (…) Através do
nacionalismo, a tradição do Risorgimento é separada da ideia de
liberdade e unida a uma concepção autoritária e imperialista do
Estado nacional9.
O verniz
cultural foi fornecido pelo Futurismo
de Marinetti, com sua exaltação a velocidade, a ação, a audácia
e a violência. Os parcos substratos filosóficos serão fornecidos
por Benedetto Croce e sobretudo por Giovanni Gentile, entusiasta do
fascismo. A partir de 1918, passa a circular o periódico
Rinnovamento, dirigido
por Alceste De Ambris. Edmondo Rossoni10,
a frente da UIL (Unione Italiana del Lavoro), dava os primeiros
passos para o sindicalismo corporativista. Correndo por fora,
Mussolini assinava seu jornal Popolo d'Itália,
ainda de contornos ideológicos indefinidos, mas já pendendo para a
direita. O fascismo esteve presente entre setores do movimento
operário, ligados ao sindicalismo revolucionário, empolgou camadas
da aristocracia fundiária, muitos burgueses, mas sua base de massas
sempre esteve presente nos setores médios da sociedade, ou seja, na
pequena burguesia, ou classe média. Isto é ponto pacífico entre os
estudiosos do tema, Gramsci, observando in
loco o crescimento do fascismo, faz a
seguinte análise acerca da pequena burguesia de seu país:
O processo de
desagregação da pequena burguesia (na Itália) se inicia na última
década do século passado. A pequena burguesia, com o
desenvolvimento da grande indústria e do capital financeiro, perde
toda importância e é afastada de qualquer função vital no terreno
da produção: torna-se uma classe puramente política (…).
A pequena
burguesia, que perdeu definitivamente qualquer esperança de
reconquistar uma função produtiva, (…) busca de todos os modos
conservar uma posição de iniciativa histórica: ela macaqueia a
classe operária, também faz manifestações de rua. Essa nova
tática se realiza nos modos e nas formas possíveis a uma classe de
falastrões, de céticos, de corruptos.
A pequena
burguesia, mesmo nessa sua última encarnação política que é o
“fascismo”, revelou definitivamente sua verdadeira natureza de
serva do capital e da propriedade agrária, de agente da
contra-revolução. Mas revelou também que é fundamentalmente
incapaz de desempenhar qualquer tarefa histórica (...)11
Crítica
ainda mais mordaz se encontra no artigo “Forças Elementares”,
escrito por Gramsci em abril de 1921, neste, o líder comunista
realiza uma sondagem psicológica sobre o caráter violento do povo
italiano:
O fascismo
tornou-se assim uma expressão de nosso costumes, identificando-se
com a psicologia bárbara e anti-social de alguns estratos do povo
italiano, ainda não modificados por uma nova tradição, pela
escola, pela convivência em um Estado bem organizado e bem
administrado. Para compreender todo o significado dessas afirmações,
basta recordar que a Itália tinha o primado em homicídios e
linchamentos; que a Itália é o país onde as mães educam os filhos
com golpes de tamanco na cabeça, um país onde as jovens gerações
são menos respeitadas e protegidas; que, em algumas regiões
italianas, parecia natural, até poucos anos atrás, pôr uma
focinheira nos vindimeiros para que não comecem as uvas; que, em
algumas regiões, os proprietários trancavam a chave os seus
trabalhadores nos estábulos, quando estes voltavam do trabalho, a
fim de impedi-los de reunir-se e de frequentar as escolas noturnas12.
O
atraso cultural e moral da pequena burguesia e dos estratos menos
privilégiados italianos é fruto do desenvolvimento desigual e
combinato dessa Nação, resultado do Risorgimento, de um modelo
capaz de forjar regiões altamente ricas e industrializadas,
instituições alinhadas ao que havia de mais sofisticado em termos
culturais e científicos, e manter, ao mesmo tempo, regiões
condenadas a mais brutal opressão feudal, condenando milhões de
cidadãos a miséria e ao obscurantismo.
É
neste ambiente que Benito Mussolini funda, em 23 de março de 1919,
em Milão, o primeiro fasci de combatimento13,
num evento modesto, que não contou com mais de 150 participantes. O
veículo de imprensa do novo movimento passou a ser o já atuante
Popolo d'Itália,
dirigido pelo futuro Duce. Ao grupo recém fundado se reúnem
futuristas (o próprio Marinetti esteve presente na reunião de
fundação do fasci),
arditi veteranos da
Guerra, sindicalistas revolucionários, esquerdistas descontentes com
o imobilismo do PSI, intelectuais de direita. Mussolini sempre se
caracterizou como um político ardiloso e oportunista, atento as
tendências de seu tempo. Sua fama de radical começou se formar no
tempo de sua militância no PSI, quando tomou parte ativamente da
settimana rossa
(semana vermelha), uma série de protestos violentos contra reformas
contrárias aos interesses da classe trabalhadora, promovidas pelo
gabinete Giolitti, nos distúrbios vários operários foram
assassinados pela repressão. O líder dos fasci
ganhou a simpatia dos nacionalistas e dos arditi
ao apoiar a
participação de seu país na Grande Guerra. Seus discursos
violentos, seus ímpetos voltados a ação e seu pretenso radicalismo
o punha em sintonia com as vanguardas reacionárias de seu tempo.
Um
interessante perfil de Mussolini é traçado por Angelo Tasca,
dirigente socialista que o conheceu pessoalmente, segundo este
militante, o líder direitista concebia suas ideias a partir “de
leituras de segunda mão, ainda que com segurança, plagia a “vontade
de poder” de Nietzsche, o “único” de Stirner, a intuição
bersoniana, o “mito” de Sorel, o pragmatismo, e como último
descobrimento, o relativismo de Einstein. Só se utiliza das ideias
para depois se desembaraçar delas. Se o reprovam por haver traído
seus princípios, responde com seu compromisso exclusivo com a
realidade e com os fatos, “se não é necessário ser consequente”
com os princípios, onde está a traição? A ação é a única
coisa que conta, e nesse nível não se traiciona: se ganha ou se
perde”14.
Em que pese toda sua disposição
para a ação, os fasci permaneceram como um movimento modesto
em seu primeiro ano de existência, a primeira incursão política de
Mussolini, nas eleições de novembro de 1919, redundaram num
retumbante fracasso.
1TOGLIATTI,
Palmiro. Lições sobre o fascismo. São Paulo: Livraria
Editora Ciências Humanas, 1978. p. 01
2Idem,
p. 5
3POULANTZAS,
Nicos. Fascismo e Ditadura. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
p. 32
4Gramsci
executa sua análise norteado pelas premissas lançadas por Marx em
O 18 Brumário de Luís Bonaparte, livro referência para
investigações conjunturais de viés marxista. Marx toma a França
como exemplo clássico para a estruturação burguesa do Estado,
região onde foi possível a formação de uma base de sustentação
para o Estado de natureza burguesa, graças a reforma agrária
realizada no país logo após a Revolução iniciada em 1789. A
distribuição de terras se deu as expensas de propriedades
confiscadas aos nobres a ao clero, fator que ajudou a formar uma
poderosa camada de pequenos e médios produtores rurais, base do
exército e do Estado. Países como Alemanha e Itália, ao não
promoverem a reforma agrária (ou fazê-la de modo incompleto, como
no caso alemão), careciam de uma base sólida para a manutenção
do Estado liberal burguês. Para o caso italiano: GRAMSCI Antonio.
Escritos Políticos, vol. 2. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira. p.107; Para texto de Marx: MARX, Karl. O 18 Brumário
de Luís Bonaparte. São
Paulo: Centauro, 2008.
5GRAMSCI
Antonio. Op. Cit. p. 122
6POULANTZAS,
Nicos. Op. Cit. p. 36
8SECCO,
Lincoln. Gramsci e a Revolução. São Paulo: Alameda, 2006.
p.34
9
GENTILE, Emílio; FELICE, Renzo de. A Itália da Mussolini e a
Origem do Fascismo. São Paulo: Ícone Editora, 1988. p. 18
10Edmondo
Rossoni passou uma temporada de sua vida no Brasil, período em que
militava no movimento anarquista, em 1909 liderou uma greve na
empresa Santa Marina, os grevistas desta empresa foram sumariamente
demitidos, cerca de 50 funcionários, que juntamente a suas famílias
foram expulsos da vila operária contígua a fábrica. Rossoni
atuava como professor, ministrando aulas para os filhos dos
operários. Os grevistas demitidos acabaram se fixando no então
distrito de Osasco, Zona Oeste de São Paulo. Nesta localidade,
Rossoni tentou organizar uma cooperativa de vidreiros, iniciativa
bloqueada graças a ação do comendador Paulo Prado, temeroso em
perder a exclusividade na fabricação industrial de vidros no
Brasil. Poucos anos depois, Rossoni foi expulso do Brasil por
atividades anarquistas. Para mais informações sobre Rossoni e os
anarquistas de Osasco: SANTOS de OLIVEIRA, Sérgio Luiz. “O Grupo
(de Esquerda) de Osasco. Movimento estudantil, sindicato e guerrilha
(1966-1971)”. Dissertação de mestrado: FFLCH-USP, 2011.
11Este
trecho foi retirado do artigo “o povo dos macacos”, escrito por
Gramsci em janeiro de 1921, o autor faz alusão a uma novela
escrita por R. Kipling, “Livro da Selva”, na qual o tal “povo
dos macacos” representa um grupo que se acha superior aos demais
animais da selva. GRAMSCI, A. Op. Cit. p. 30-34
12Idem,
p. 57
13Os
fasci eram associações recreativas de jovens que remonta a
Idade Média e mesmo ao Império Romano, seu simbolo era o feixe de
trigo, objeto que sozinho se rompe com facilidade, porém reunido em
grande quantidade, torna-se resistente como aço. Geralmente os
fasci eram organizados por jovens católicos.
14TASCA,
Angelo. El Nacimiento del Fascismo. Barcelona: Ediciones
Ariel, 1967. p. 29 (tradução livre)
* Artigo escrito por Sérgio Luiz Santos de Oliveira, doutorando em História
Excelente artigo! Sucinto, objetivo e sem tergiversações. Historicamente muito preciso. Parabéns ao autor e ao blog.
ResponderExcluirCastor
Valeu Castor Filho, fique atento a segunda parte do artigo, abração!
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