São Paulo está se transformando numa espécie de Bogotá, com milícias de extrema-direita exterminando os pobres. Quem financia esses bandos? Na Colômbia, é o narcotráfico.
“Se for lá matar ela, vai matar nós. Se for depender do poder público e pela sociedade que a gente tem, essa mulher aí tá sozinha”, denunciou o ajudante de obras Albert Feliciano em uma das falas que encerraram a audiência pública realizada ontem (19) na Assembleia Legislativa de São Paulo para debater a violência policial no governo Geraldo Alckmin (PSDB).
Pedida por lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a audiência acrescentou relatos de três mortes à onda de violência que tomou o estado desde junho e que já vitimou quase 300 pessoas em circunstâncias com fortes indícios da participação de policiais.
O desabafo foi feito diante de um auditório lotado de moradores de bairros da região do Jardim Capela, no extremo sul de São Paulo, do presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), do deputado estadual Adriano Diogo, representantes da sociedade e membros do Ministério Público estadual e federal,entre eles o procurador Matheus Baraldi, que em julho chegou a dizer que as forças policiais do estado estavam fora de controle, o que justificaria o afastamento do comando.
A mulher a que Albert se refere é Selma dos Santos, esposa do auxiliar de manutenção Orlando Lira Rodrigues, de 34 anos, um dos líderes comunitários da favela do Bombeiro. Orlando voltava da casa de amigos com o Adílio Bezerra de Sá, 48 anos, na madrugada de 24 de junho, quando ambos foram baleados. Pelo menos cinco tiros o atingiram, dois nas costas e três na cabeça.
Vizinhos contaram que minutos antes dos tiros, três policiais usando toucas ninjas foram vistos descendo de quatro viaturas. Os amigos foram surpreendidos por eles, sequer os viram e foram atingidos sem esboçar qualquer reação. Orlando morreu na hora. Adílio, uma semana depois, no hospital.
“É muito revoltante. Matar pessoas que nunca fizeram nada pra ninguém. A gente estava construindo uma família. Ele deixou três filhas e eu não sei o que eu digo quando elas perguntam por ele”, diz Selma, com a voz embargada.
Depois dos crimes, policiais com toucas cobrindo apenas a metade do rosto foram vistos no local, fotografando e mexendo nos bolsos de Orlando. Só depois, as testemunhas souberam que não se tratava da perícia.
A terceira morte relacionada ao caso aconteceu há menos de dez dias. O policial Joel Juvêncio da Silva, amigo de Orlando e Adílio, estava investigando as mortes e foi assassinado ao sair de um culto religioso com a filha.
“Eu não sei o que vai acontecer agora. Eles deixaram uma família desamparada”, diz Selma. “Não tem justificativa nenhuma o que fizeram”.
As mortes da favela do Bombeiro não são isoladas. Além dos crimes cometidos por “ninjas”, como são chamados os encapuzados que cometem uma série de crimes em todo o estado, os números de resistência seguida de morte são alarmantes. Até junho desse ano, 229 pessoas morreram em supostos confrontos com a polícia. Esse tipo deregistro, no entanto, é contestado, porque presume a inocência do policial, que sequer é investigado.
Sem respostas
Essas e outras críticas levantadas pela sociedade e pelo Ministério Público Federal levaram o comandante da Polícia Militar (PM), coronel Roberval Ferreira França, a anunciar no inicio de agosto que iria realizar uma série de mudanças na estrutura da PM e investir bna formação de novos policiais para atender melhor a população.
Apesar do anúncio, as mudanças ainda não foram postas em prática ou sequer oficializadas. Em função disso, o promotor Baraldi protocolou um Termo de Ajuste de Conduta solicitando ao comando da PM o acompanhamento das ações propostas ou, simplesmente, que se tornasse público o cronograma de execução e detalhamento das mudanças anunciadas. O prazo para adesão ao Termo venceu na segunda-feira (17), e até agora não houve resposta. “Se não houver respostas é porque o projeto não existe”, acredita Baraldi, apesar de ainda aguardar a resposta.
Para o promotor, a violência contra os moradores da periferia é uma consequência da combate desastroso ao crime organizado.
“O crime organizado nunca ganhou tanto dinheiro e a resposta do governo é esse assassinado a varejo de acordo com a aparência. (…) Há um banho de sangue e hoje a Polícia Militar mata mais que a polícia militar da ditadura”.
Já para Ivan Seixas, presidente do Condepe e ex-preso político, há um “ódio de classe contra o povo”. “Temos um governo contra o povo, contra o pobre”, define.
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