sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

'Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser invisível' . Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado sobre 'invisibilidade pública'

 
'Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser invisível'

Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da
  'invisibilidade pública'. Ele ...comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social.

Plínio Delphino, Diário de São Paulo.

O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são 'seres invisíveis, sem nome'. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da 'invisibilidade pública', ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa. Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida:

'Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência', explica o pesquisador.

O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. 'Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão', diz.

No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse: 'E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?' E eu bebi. Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar.

O que você sentiu na pele, trabalhando como gari? Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.

E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou?
Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivessepassando por um poste, uma árvore, um orelhão.

E quando você volta para casa, para seu mundo real? Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você estáinserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa.

Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador.Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe.

Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo
nome.

São tratados como se fossem uma 'COISA'


3 comentários:

  1. O curioso nisso tudo é essa experiência ter durado 8 anos. Estranho, não? Realmente, pessoas em uniforme, especialmente em profissões de baixo prestígio social, quase não são enxergadas. Ou melhor, são vistas e até dialogam com aqueles com quem interagem por questão de necessidade de trabalho ou por relações comerciais (bares, restaurantes, padarias, transporte público ...).

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  2. Caro Cappacete
    A dura verdade, que ninguém vê (?), é que, O milenar "SISTEMA" É PSICOPÁTICO, ESCRAVAGISTA, ALIENÍGENA, INUMANO, ANTROPOFÁGICO & CORRUPTO POR NATUREZA. SÃO DIABÓLICOS. Lamentável... E assim iremos de lamento em lamento, esperançosos de alguma mudança de paradigma neste cenário enganador. Escrevo muito mais que isto em meu modesto blogue: (...) "Lamento o sacrifício de toda e qualquer vida. As mortes desnecessárias e inúteis.
    Lamento a dura experiência desse professor psicólogo. Eu moro no morro, aqui em Niterói, Rio de Janeiro, sei bem do que ele fala e que sentiu e sente. Lamento muito profundamente as irreparáveis trágicas mortes prematuras dos nossos jovens irmãos no incêndio da discoteca Kiss de Santa Maria. Lamento profundamente a terrível dor de seus familiares e a insuportável dor da nossa congênita cegueira quanto a contumácia do perene escravismo à incompetência e ao desleixo desse sistema que finge se preocupar com o zelo e a segurança das vidas, desses, e de milhões de outros brasileiros.
    Lamento mais ainda que, na dor, os ingênuos se unam de coração aos artísticos políticos que só choram nestes oportunos televisivos momentos. Esses vende pátria e seus asseclas, deviam chorar muito, da hora que acordam à hora que dormem, e nem dormir, de vergonha do Brasil que entregam ao canibalesco $i$tema escravagi$ta que os enriquece enquanto nos escarnecem, abusam e devoram.
    Quando as eternas absurdas favelas pegam fogo, ou seus barracos descem morro abaixo ou inundam, quando a sabotada educação e a sequestrada medicina, depois desse meio século de politicagem faz de conta e morde e sopra, caem desrespeitosamente aos pedaços, e sem terra passam anos perseguidos e morando em barracas, ou os sem teto e sem o que comer todos os dias perambulando moribundos pelo abandonado cretino e lucrativo corrupto labirinto do nada do país de todos; essas "profusas políticas lágrimas" do desleal político jogo desse vergonhoso país de alguns, nunca brotam nem aparecem nos olhos desses conspiracionistas... Ingenuamente nossos cabelos encanelaram esperando por elas... País rico é país sem hipocrisia. Sem politicagem. Os chineses & sócios já estão aí para tomar posse do negócio Braszil, a cereja deste manjar. O resto é BBB copa e BBB olimpíada para "braszileiro" dormir e inglês (donos de todas as Américas)ver enquanto "eles" saqueiam e escravizam.
    Campanhas pelo libertador amor incondicional ninguém, político ou religioso algum quer fazer. NÃO DARÁ DINHEIRO à casa grande.
    Sinto muito, sou grato. Desejo-lhe toda PAZ.

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  3. Difícil não se emocionar com esse depoimento....

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