O negócio é fugir do PIG
Para professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP, a falta de uma lei de imprensa, que poderia ser acionada em casos como esse, contribui para que distorções dessa natureza tenham graves consequências
José Francisco Neto
da Reportagem
Os rappers Dexter e Cascão receberam inúmeras ameaças após uma entrevista, publicada no portal UOL na semana passada, associar a imagem dos cantores à facção criminosa PCC. A matéria, sob o título “Rappers ex-presidiários defendem PCC como grupo de resistência” gerou grande polêmica nas redes sociais.
Entre os cerca de 540 comentários da matéria, alguns leitores fazem ameaças diretas e indiretas. “Investiguem que esses fulanos estão mais ligados ao PCC e ao CV do que se pensa. Cobra venenosa se corta a cabeça quando nasce e ponto final”, diz um comentário. “PCC só existe num país de frangotes como na República da banana. Se fosse nos EUA, China, Rússia esses caras já estavam 1 metro embaixo da terra”, diz outro.
Para o professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP Laurindo Lalo Leal Filho (Lalo), a falta de uma lei de imprensa, que poderia ser acionada em casos como esse, contribui para que distorções dessa natureza tenham graves consequências.
“Diante desse desamparo, a sociedade fica vulnerável para sofrer ataques que vão desde crimes contra a honra até a imagem pública, chegando até aos limites da integridade física. A distorção pode levar a tal situação que tem pessoas que podem apelar para a violência física. Isso é gravíssimo”, ressalta Lalo.
Dexter repudia matéria tendenciosa do portal UOL.
Foto: Guilherme Kastner
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Ainda abalado com a repercussão negativa da reportagem, Dexter disse ao Brasil de Fato que o jornalista Rodrigo Bertolotto foi completamente tendencioso ao editar a entrevista. "Foi praticamente uma hora de entrevista. Mas, se você juntar os 19 trechos do vídeo que foi publicado vai dar no máximo 12 minutos. Ele foi maldoso, quis causar uma polêmica e é justamente aí que eu acho perigoso, pois coloca a minha integridade física em risco”, esclarece.
Por outro lado, Rodrigo Bertolotto disse que foi combinado com Dexter falar sobre a onda de violência na periferia e que quase 1/3 da entrevista entrou na matéria. Ele ressaltou ainda que é raro um veículo de comunicação dar esse espaço para um personagem. (assista ao vídeo de Dexter em repúdio a matéria do UOL)
Outro sentido
Dexter ressaltou ainda que assuntos como a importância cultural do movimento Hip Hop e o projeto particular que ele desenvolve nos presídios, tratados durante a entrevista e que foram tirados na hora da edição, dariam outro sentido à matéria.
“Hoje eu volto para dentro da prisão para desenvolver um trabalho que vai na contramão de tudo aquilo que o jornalista tentou dizer que eu faço ou que eu apoio”, afirmou se referindo ao projeto “Como vai seu mundo?”, realizado dentro dos presídios através de oficinas de cultura e arte.
Combinado
De primeiro momento a entrevista seria realizada junto aos poetas Ferréz e Sérgio Vaz, e também com o rapper Thaíde, dando a entender que a pauta abordaria iniciativas de agitação cultural. De acordo com Dexter, como os três não tinham uma data para fazer a entrevista, a proposta então seria fazer com o rapper Marcão, do grupo DMN, e Cascão, do Trilha Sonora do Gueto. “Mas essa proposta eu não aceitei. A produção (do UOL) então ligou novamente, após a minha produtora dizer que eu não faria. Então o combinado foi que a entrevista seria só comigo. Foi quando eu aceitei fazer, porque o tema não era só violência”, contrapõe Dexter.
Outra visão
Desde abril do ano passado, quando ganhou liberdade permanente após passar 13 anos na prisão, Dexter visita unidades prisionais em todo o território nacional, levando aos reeducandos mensagens de perseverança, autoestima, conscientização política e social. O projeto “Como vai seu mundo?” é uma iniciativa que conta com a parceria do ex-juiz corregedor da Vara de Execuções Criminais de Guarulhos, Jayme Garcia dos Santos Júnior, e dos apoios do Coletivo Peso e do Instituto Crescer.
Surpreendidos pela matéria com o rapper Dexter, veiculada pelo Uol na última sexta-feira, dia 07/12/2012, a assessoria de imprensa do artista, juntamente com o mesmo, se vê no direito e na obrigação de manifestar seu repúdio com relação ao conteúdo da edição do material. Em primeiro lugar, gostaríamos de deixar claro que o artista não pertence e, tampouco, representa o PCC, facção que, segundo a mídia, atua dentro e fora dos presídios de São Paulo. Também reforçamos que, em momento algum, o rapper defende a violência como solução para problemas sociais ou de qualquer ordem.
A pauta nos foi proposta tendo como único entrevistado o Dexter. Não fomos informados que a opinião dele seria associada deliberadamente a de outras pessoas, pelo contrário, já que o artista concedeu a entrevista sem a presença de nenhum outro entrevistado. A conversa com o jornalista Rodrigo Bertolotto teve duração de cerca de uma hora e foi editada de maneira irresponsável, em vídeos de curta duração, dando ênfase apenas para trechos da fala do artista, induzindo o leitor a acreditar que o rapper faça apologia ao crime e ao PCC.
Conforme conversado previamente com o jornalista e com a produtora da reportagem, o tema em questão é bastante delicado e a forma como o material foi publicado tendencia o leitor a acreditar em uma posição que não condiz com o pensamento do artista, além de colocar em risco sua credibilidade e integridade física, e de comprometer a reputação do Hip Hop, estigmatizando o movimento.
A pauta proposta era que o Dexter abordasse temas como violência, juventude, periferia, carreira artística e Hip Hop no momento atual. Entretanto, toda a parte da entrevista em que ele fala sobre sua carreira, assim como sobre o projeto “Como Vai Seu Mundo”, desenvolvido pelo rapper dentro do sistema carcerário, ficaram integralmente de fora da edição do material publicado. Estas informações são essenciais para compreender a visão do artista sobre os assuntos em questão.
Vale lembrar também que Dexter já cumpriu seu período de reclusão e, hoje, se dedica exclusivamente a difusão de sua música e de palestras que visam sempre a paz e a conscientização de que o crime não compensa. É lamentável que o passado do artista tenha sido colocado em primeiro plano, deixando de lado seu momento atual de êxito profissional e o impacto positivo de suas mensagens.
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