domingo, 23 de agosto de 2009

Marcha na despedida de Eltom Brum da Silva em São Gabriel





Ao som de gaita, violão, canções revolucionárias e discursos inflamados
pedindo reforma agrária, o caixão do sem-terra Eltom Brum da Silva, 44
anos, foi retirado da capela mortuária 3, da Santa Casa de São Gabriel,
e colocado no meio da rua na manhã de ontem.

A notícia é de Carlos Wagner e publicada pelo jornal Zero Hora, 23-08-2009.

Foi assim que os seguidores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) iniciaram as homenagens ao militante. Na manhã de
sexta-feira, ele tombou com tiro pela costas de espingarda calibre 12
disparado durante uma desocupação efetuada pela Brigada Militar (BM) na
Fazenda Southall, ocupada pelo movimento há 10 dias.

A solenidade durou pouco mais de meia hora. Depois, o caixão seguiu por
um túnel formado por bandeiras do MST até o carro fúnebre. Dali o corpo
seguiu para o cemitério na localidade de Solidão, um lugarejo entre
Piratini e Canguçu, a 250 quilômetros de São Gabriel.

Uma comitiva acompanhou o caixão. O restante das pessoas ficaram na
cidade e se dirigiram para praça principal onde pretendia fazer um um
ato político.

– Estamos enterrado um trabalhador. Não a luta. Ela segue – disse o
irmão Antonio Cechin, 82 anos, um dos expoentes da teologia da libertação.

Durante toda a noite a participação do militantes no MST foi contada por
seus companheiros, como José Carlos Trindade, 59 anos. Ele disse que
estava do lado dele na hora do tiro.

– Ele se abaixou para proteger as crianças na hora que foi alvejado –
comentou José Carlos.

O carro fúnebre seguiu viagem às 9h30min e a multidão iniciou a
caminhada rumo a praça de São Gabriel.

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, 23-08-2009, cerca de mil pessoas
participaram ontem de uma marcha em São Gabriel, segundo o MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), em protesto pela morte
de Silva. O trânsito foi interrompido. Policiais civis acompanharam a
manifestação. A Brigada Militar não apareceu no local.

No protesto uma camionete foi atacada com bandeiradas após quase
atropelar um grupo de sem-terra. Irritado, um fazendeiro hostilizou os
manifestantes. "Mataram um, tão matando pouco", gritava Carlos Alberto
Teixeira.

O funeral de Silva acabou se tornando um ato político do MST contra a
governadora Yeda Crusius (PSDB) e o governo federal, pela demora em
assentar famílias.



Vítima era novato no movimento


Movido pelo sonho de um pedaço de terra, há dois anos Eltom Brum da
Silva deixou a pequena propriedade da família para engrossar as fileira s
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Uma decisão que
mudaria o destino de sua vida.

A reportagem é de Carlos Etchichury e publicada pelo jornal Zero Hora,
23-08-2009.

Caçula dos Silva, uma família de pequenos produtores tradicional em
Remanso, a 25 quilômetros de Canguçu, Caquinho, como era conhecido,
lidava na propriedade do pai. Em 30 hectares, ele e Jaime, um homem que
não aparenta os seus 78 anos de vida, produziam milho, feijão, mandioca,
abóbora, batata. Criavam duas vacas, porcos e galinhas.

Na entressafra, o colono tornava-se operário da construção civil. A
rotina do único filho homem de seu Jaime começou a mudar em 2006 quando
perdeu seu patrimônio: uma égua moura e uma moto.

A égua Caquinho vendeu por R$ 1,5 mil, mas só recebeu R$ 150. Desolado,
desesperou-se quando furtaram-lhe a moto.

– Aquilo deixou ele meio d esacorçoado – diz o pai.

A desilusão levou Caquinho a se aproximar do assentamento Herdeiros da
Luta do MST, para quem prestava serviços como pedreiro. A primeira
experiência enfrentando invernos rigorosos e verões inclementes sob
lonas preta – ritual de passagem para novatos no movimento – ocorreu em
2007, numa área próxima do antigo 5º distrito de Canguçu.

– O Eltom sonhava com um pedaço de terra. Sabia das dificuldades, mas
para conquistar uma vida digna são necessárias privações – recorda o
amigo Adão Lucio Ardenghy de Campos.

Em quase dois anos acampado no 5º distrito, Caquinho visitava
regularmente Remanso,.

Nos últimos dois meses, porém, as visitas escassearam. Nem todos sabiam
o motivo da ausência, mas Caquinho havia dado mais um passo em sua luta
por um lote de terra, migrando para um acampamento em São Gabriel, onde
pretendia ser ass entado. Distante do pai, das irmãs Maria e Serli, 51
anos, Caquinho participou de sua terceira invasão de terra – outras duas
foram em propriedades em Canguçu. Na sexta-feira pela manhã, em meio à
desocupação da Fazenda Southall, Caquinho, de passagem meteórica pelo
MST, transformou-se num mártir do movimento. Foi atingido pelas costas
com um tiro de espingarda calibre 12.

Caquinho, que era solteiro, deixa ainda uma filha de oito anos.




23/8/2009

Polícia gaúcha admite erro em desocupação e afasta sub-comandante


O coronel Lauro Binsfeld, comandante da operação que resultou na morte
de um sem-terra em São Gabriel, na sexta-feira, foi afastado do posto de
subcomandante-geral da Brigada Militar (BM). O anúncio foi feito às
10h45min deste sábado pelo comandante-geral da BM, coronel João Carlos
Trindade.

A notíc ia é do jornal Zero Hora, 23-08-2009.

No cargo desde dezembro, Binsfeld chefiava a desocupação da Fazenda
Southall, que resultou na morte do militante do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Eltom Brum da Silva, 44 anos. O
Comando-Geral avaliou de forma negativa a ação pelo uso de munição letal.

– Constatou-se erro na execução da operação, na medida em que o
planejamento do comandante-geral não foi seguido na íntegra – disse
Trindade.

O comandante evitou criticar diretamente Binsfeld, que será substituído
pelo coronel Jones Calixtrato Barreto dos Santos. Trindade informou que
12 policiais militares portavam espingardas calibre 12 durante a remoção
dos colonos. Quatro deles fizeram disparos, sendo que um usava munição
letal, contrariando ordem da BM, o que foi considerado um erro.
Perguntado se confirmava que um PM fizera o disparo, Trindade respon deu:

– Não afirmei isso, mas a probabilidade é muito grande.

O comandante-geral embasou a constatação no fato de que não foram
encontradas armas de fogo entre os invasores. Um inquérito
policial-militar, que será acompanhado pelo Ministério Público Estadual,
deverá apontar quem atirou contra o sem-terra e em que circunstâncias.

Trindade convocou uma entrevista coletiva para admitir que houve erro na
operação para tirar os colonos da fazenda invadida. O secretário da
Segurança Pública, Edson Goularte, também participou, garantindo que o
governo estadual não vai tolerar nenhum tipo de violência, “venha de
onde vier”.

Goularte disse estar preocupado com a “sucessiva relutância” dos
movimentos sociais em cumprir ordens judiciais para desocupar áreas
invadidas, o que causa impacto nas forças de segurança.

Com a mudança no Subcomando da BM, haverá alteração no Comando de
Policiamento da Capital (CPC). O coronel Jones Calixtrato, que deixa o
CPC para assumir o Subcomando, será substituído pelo tenente-coronel
Altemir Folgiarini Ferreira.



Texto requentado mas que ajuda entender quem é violento.

Provocações

Por Luis Fernando Veríssimo



Aprimeira provocação ele agüentou calado. Na verdade, gritou e
esperneou. Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em
maternidade, ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca,
aparado só pelo chão.



A segunda provocação foi a alimentação que
lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque
não era disso. Outra provocação foi perder a metade dos seus dez
irmãos, p or doença e falta de atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas
ficou firme. Era de boa paz.



Foram lhe provocando por toda a
vida. Não pode ir a escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem,
gostava da roça. Mas aí lhe tiraram a roça. Na cidade, para aonde teve
que ir com a família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a
todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde não
podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme.



Queria um emprego, só conseguiu um subemprego.
Queria casar, conseguiu uma submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos.
Para conseguir ajuda, só entrando em fila. E a ajuda não ajudava.
Estavam lhe provocando.



Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça.



Ouviraf alar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a
idéia era lhe d ar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma
boa. Terra era o que não faltava. Passou anos ouvindo falar em reforma
agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No
próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação. Mais uma.



Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Para valer.
Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo
que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não
estava mais disposto a aceitar provocação.



Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez
no próximo ano... Então protestou. Na décima milésima provocação,
reagiu.



E ouviu espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:



VIOLÊNCIA NÃO!

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