sábado, 26 de fevereiro de 2011

Tiros, câmera e ação: 'narcofilmes' movimentam a indústria cinematográfica de Tijuana



Opera Mundi



Em um bairro na periferia de Tijuana, cidade na fronteira oeste entre México e Estados Unidos, uma caminhonete chega em alta velocidade e estaciona no meio da rua. As portas se abrem com violência e quatro homens, armados com escopetas, fuzis AK-47 e metralhadoras, começam a disparar. Em poucos segundos, os tiros produzem uma espessa nuvem de fumaça, acompanhada pelo ruído poderoso das armas. Tijuana, famosa pelo alto índice de criminalidade provocado pelas lutas de cartéis de drogas, assiste a mais uma cena de crime.    

Perto dali, um pequeno grupo de crianças observa de longe a saraivada de balas, curioso, sem piscar ao menos uma vez. Os tiros param e tudo parece voltar ao normal. "Boa! Todos prontos para a próxima tomada?", grita um homem. Em poucos minutos, a rua é liberada e todos se preparam para gravar a cena seguinte. Dessa vez era ficção, mas poderia ser realidade.    


 

Os protagonistas de Las águilas andan solas e ação, em mais uma produção de narcofilmes em Tijuana
 

Oscar López, protagonista e produtor do filme Las águilas andan solas (As águias andam sozinhas), se prepara para o tiroteio seguinte. Graças ao maquiador, seu rosto traz ferimentos e manchas roxas bastante reais. "Hoje é minha vez de fazer o papel de malvado", contou ao Opera Mundi, enquanto fumava um charuto durante a pausa na filmagem. Ele herdou o negócio do pai, produtor de filmes nos anos 1980 em Tijuana. "E meu irmão Fabian faz o papel do mocinho. No filme anterior, Balaceado II [Tiroteio II], era o contrário. Eu era o bonzinho."    

Para filmar este filme "B" mexicano, são necessários nove dias de trabalho, a um ritmo de 10 minutos de gravação por dia. Em um mês e meio, é possível gravar três filmes completos. Depois, a trupe faz uma pausa para editar todo o material de uma só vez. A responsável por esses projetos é a Baja Films, produtora que entrega, em média, sete filmes por ano. Segundo os próprios produtores, os filmes são tratados como "B", mas, na boca do povo e nos meios de comunicação, eles são mais conhecidos como "narcofilmes".    


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"Não gosto de falar ‘narcofilmes’", explicou Oscar, ainda manchado de sangue falso. "Prefiro pensar no que fazemos como um gênero de entretenimento popular. Os B-movies começaram no México nos anos 1980. Os temas da época, quando meu pai dirigia a empresa, eram principalmente o contrabando e a traição. Logo vieram as histórias de ranchos do norte e o faroeste mexicano. Em 2000, a moda mudou: produzimos um filme baseado em um corrido [canção popular narrativa], Águila Blanca. Inauguramos uma nova época. Agora, quase todos os filmes que produzimos baseiam-se em corridos da moda, e têm até o mesmo título das canções."    

Comparados com as primeiras obras baseadas em corridos, o gênero musical popular do norte do México que conta a vida e a obra de heróis populares, os filmes dos últimos anos, baseados nos narcocorridos sobre os chefões mais famosos e sanguinários do narcotráfico, são muito mais violentos. 

"Há muito mais sangue, mais mortos, mais tiroteios. É preciso acompanhar os tempos. Desde o grande sucesso de 2005, Chuy y Mauricio, tudo ficou mais extremo", conta Ernesto Murillo, diretor de vários sucessos da Baja Films. "É o que as pessoas querem. Isso e a música." E o aumento da violência, refletido nas canções, coincidiu com um aumento dramático das matanças e homicídios nas guerras entre cartéis do narcotráfico, que desde 2006 deixaram mais de 32 mil mortos no México. Os B-movies parecem refletir as tendências da sociedade mexicana muito mais do que se poderia imaginar. 


Os filmes fazem referência explícita às grandes cenas de Scarface, célebre produção do norte-americano Brian de Palma, de 1983, com mesas cobertas de cocaína, homens vestidos no estilo do ator Al Pacino e poucas mulheres – que, menos que personagens, são um adorno. 
   

Cinema como reflexo   
 

Juncia Avilés Cavasola, historiadora do cinema e professora de história do México na UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México), explicou ao Opera Mundi que o cinema dos narcotraficantes não é uma novidade no México. “Poderia não se chamar assim, mas títulos como Nacos vs narcos (1990), Narcos vs sotanas (2001) e Cholos vs narcos (2002, com música de Los cardenales del Norte) têm um claro antecedente na época de ouro do cinema mexicano." Segundo a acadêmica, "o cinema sempre foi uma válvula de escape para certas preocupações sociais. Ver na tela, talvez exagerada, ou com tintas anacrônicas, uma realidade enfrentada no dia a dia pode ajudar a colocar as coisas em perspectiva. Ou a sobreviver." 

Em 1948, o diretor Juan Orol produziu seu mais famoso anedotário sobre o submundo mexicano:Charros vs gángsters. Orol foi um dos cineastas mais autobiográficos de sua época. No filme, ele dedica duas horas a tiroteios, inúmeros assassinatos, incongruências e gestos "duros" mal copiados de filmes norte-americanos de gângsteres (ele mesmo se diria inspirado por Scarface, na versão original, de 1932). 

"Estes elementos se repetiram à exaustão no cinema nacional, começando pela sequência El charro del arrabal e terminando em El Infierno (Luis Estrada, 2010). Como no caso de Juan Orol, antes gângsteres, agora narcos, há um traço original: a biografia de um narcotraficante, ou os narcocorridos", continuou Juncia. 

Durante uma pausa na filmagem de Las águilas andan solas, chega ao set uma patrulha policial de verdade. Os agentes, mais curiosos que incomodados, perguntam delicadamente pelo responsável, mais por costume que por interesse. Quase sempre, os disparos durante as gravações atraem os agentes, que, avisados pelos vizinhos, intervêm para conferir o que está ocorrendo.    

"Não podemos pedir permissão a cada tiroteio", explica-se Ernesto, da Baja Films. "Com o ritmo que temos, os trâmites burocráticos seriam intermináveis. Assim, poucos segundos antes de gravar os tiroteios ou matanças, falamos com a central, avisando que haverá barulho. Ou então simplesmente esperamos que eles cheguem e nos digam que não podemos fazer isso, pois é muito tarde, e nos desculpamos depois", contou o mexicano.    

O orçamento para uma obra desse tipo baixou ao longo do tempo. Há poucos anos, cada filme custava 50 mil dólares. Hoje, 20 mil dólares são suficientes. "O mercado também mudou", disse Oscar. "O negócio ficou mais sólido. Antes, se você vendia mil cópias, era um sucesso, você se dava por satisfeito. Depois de Chuy y Mauricio, o gênero se popularizou muito mais. Vendemos 100 mil cópias desse filme. Foi uma verdadeira bomba, e agora estamos em um ritmo de 15 mil cópias por filme, vendendo quase exclusivamente para as grandes redes de distribuição dos Estados Unidos. Isso sem contar as cópias piratas." 


 
Nos narcofilmes, é complicado saber quem é o 'bonzinho' e quem é o 'malvado' 


No set de filmagem...    


O técnico de efeitos especiais prepara os atores para a cena final: depois de um tiroteio entre bandidos e policiais, o delegado, com botas de couro de cobra, camisa negra e expressão viril, consegue prender o chefão do tráfico, interpretado por Armando Silvestre, velho protagonista de dezenas de filmes dos anos 1970.    

Não é fácil entender quem é o "bom" e quem é o "mau", quem é buchón (como são chamados os narcotraficantes) e quem é policial. Todos são rudes e, de fato, trocam continuamente os papéis. Todos os membros da equipe são profissionais com grande experiência até mesmo na vizinha Hollywood ou na Europa, e podem suportar ritmos de gravação acelerados. 

Então, se aproxima uma banda de narcocorridos, elemento que não pode faltar na história, muito menos na trilha sonora. "É graças à música que nossos filmes podem ter uma divulgação tão ampla", reconheceu Oscar. "Sempre há mais jovens, aqui em Tijuana, mas, sobretudo do outro lado, nos EUA, que se apaixonam pelas histórias de narcotraficantes, pelos tiroteios, pelos desafios à autoridade, pelos temas de traição, de vingança. Só o que fazemos é contar essas histórias em filmes."    

Os disparos se perdem nas notas das bandas, que nunca faltam nos B-movies de fronteira, entre as palavras que contam histórias de valentes criminosos que burlam a lei, colecionam mortes, exercem o domínio com sua força e seu dinheiro, vivem como reis e morrem em combate. Um entretenimento popular que fala de um México violento e sanguinário, em busca de um romantismo épico que o justifique e lhe confira um sentido difícil de encontrar. 




 
O sucesso de audiência Chuy y Mauricio, produzido em 2005 





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