domingo, 30 de janeiro de 2011

No processo de escolha de locais para depósito de resíduos perigosos, nos EUA (e no mundo), o factor mais determinante continua a ser a “raça” dos habitantes.

E no Brasil, é diferente?


Eco-racismo: quando a injustiça gera injustiça

No processo de escolha de locais para depósito de resíduos perigosos, nos EUA, o factor mais determinante continua a ser a “raça” dos habitantes. A nível global, o racismo ambiental traduz-se nas práticas de dumping ambiental.

Foi em 1987 que um relatório científico divulgado pelo Comité para a Justiça Racial da Igreja Unida de Cristo denunciou as ligações entre a degradação ambiental e a discriminação racial. O estudo utilizava dados estatísticos para demonstrar que a localização de lixeiras com resíduos tóxicos coincidia com a das comunidades de negros, hispânicos e asiáticos. Trata-se de um marco histórico, fortemente ligado com o surgimento de movimentos de justiça ambiental nos EUA que relacionaram a luta anti-racista com a defesa do meio ambiente.
Vinte anos depois, os dados foram revistos por peritos da área da Sociologia Ambiental, os quais refinaram a pesquisa inicial introduzindo novas técnicas de análise dos dados mais precisas, nomeadamente através da utilização de Sistemas de Informação Geográfica aplicados ao território dos EUA. O estudo “Toxic Wastes and Race at Twenty” veio reforçar a descoberta original ao demonstrar que, no processo de escolha de locais para depósito de resíduos perigosos, o factor mais determinante continua a ser a “raça” dos habitantes. Pior ainda, esta relação tornou-se ainda mais forte nos últimos 20 anos. Assim, à medida que nos aproximamos destes locais poluídos, não só o rendimento médio diminui, a par do valor das casas, como a percentagem de negros, hispânicos e asiáticos aumenta.
Foi com base nestas descobertas que se forjou o conceito de racismo ambiental. Mas a discriminação racial presente nos sucessivos governos norte-americanos não se fica por aqui. As “pessoas de cor” também são discriminadas nas políticas de mitigação dos danos provocados por desastres ambientais, como ficou bem demonstrado na reacção do governo dos EUA à destruição de bairros negros de Nova Orleães pelo Furacão Katrina, e são frequentemente negligenciadas no acesso à saúde quando sofrem as consequências da exposição a poluentes perigosos.
A nível global, o racismo ambiental traduz-se nas práticas de dumping ambiental. Diariamente milhares de toneladas de resíduos tóxicos são exportados dos países ocidentais para países sub-desenvolvidos. Indústrias poluentes, como as da extracção de cobre e ouro ou de siderurgia, podem desenvolver a sua actividade em países pobres, aproveitando-se da fragilidade destes países na criação e fiscalização de leis ambientais. Mas ainda mais ilustrativo é o que acontece com o lixo exportado para os países menos desenvolvidos, nomeadamente o lixo electrónico: enquanto que a Nigéria recebe diariamente milhares de componentes e aparelhos electrónicos em fim de vida para os depositar em aterros, na China e na Índia fábricas de desmantelamento deste tipo de resíduos operam sem qualquer respeito pelo meio ambiente ou pela saúde dos seus trabalhadores. Para que nós, os mais ricos, possamos mudar regularmente de computador, de telemóvel e de PDA, eles, os mais pobres, são forçados a carregar o fardo da produção de lixo electrónico.
Num mundo dividido por um falso “choque de civilizações”, a distribuição da água é igualmente marcada por atitudes xenófobas. A poluição provocada pelas maquilas (fábricas mexicanas localizadas junto da fronteira com os EUA cuja produção se destina à exportação) apenas começou a ser preocupação para o governo dos EUA quando resultou na contaminação das suas águas, extravasando a fronteira mexicana. Da mesma forma, não constitui motivo de preocupação para Obama que a Coca-Cola explore os rios da Índia de forma tão intensiva que põe em causa a sobrevivência das populações que se vêem privadas de água potável.
Os movimentos pela justiça ambiental representam uma ruptura com a ideia de que as questões ambientais não são questões sociais, ao pôr em causa um sistema produtivo que condena os mais pobres e marginalizados a suportar o custo ambiental do consumismo próprio dos mais ricos. Longe de alinhar com políticas equitativas que visam minorar os impactos sociais da poluição distribuindo-a de forma mais dispersa pela população, estes movimentos evoluíram para a reivindicação de modos de controlo democrático dos riscos ambientais aos quais a população se encontra exposta. Por outro lado, a sua avaliação da distribuição dos riscos ambientais tornou ainda mais clara a relação entre a “raça” e as condições sócio-económicas de vida. Ou seja, a cor da pele é um bom indicador do lugar de classe e ambas as variáveis são determinantes na exposição a riscos ambientais.







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