Como foi denunciado no último editorial do CMI sobre Honduras, no qual dissemos que a imprensa internacional parou de acompanhar os acontecimentos no país por entender que uma eleição fraudulenta sob golpe militar resolveria os problemas locais, as agressões e violações de direitos humanos aumentariam. Na entrevista concedida ao CMI, Jose Luis Baquedano, da Frente Nacional de Resistência Popular, alertou que a repressão iria aumentar e que o povo hondurenho em resistência estaria correndo risco de vida. O próprio Baquedano e seu filho já receberam diversas chamadas telefônicas ameaçando-os de morte. Publicamos aqui a tradução do comunicado feito no dia 15 de fevereiro de 2010 pelo Comitê de Defesa dos Direitos Humanos de Honduras (CODEH):
Nós do Comitê de Defesa dos Direitos Humanos em Honduras (CODEH), estamos extremamente preocupados com as perseguições sistemáticas, desaparecimentos temporários, torturas, estupros e assassinatos, atualmente direcionados para causar terror nas pessoas que têm resistido ao ataque à dignidade e ao abuso moral promovida pelos meios de comunicação e cúmplices da perseguição política, que constituem crimes contra a humanidade. A perseguição de hoje se transformou em agressão seletiva a qualquer pessoa que rejeita com estoicismo e consciência emancipatória aqueles que hoje continuam gozando de impunidade e cometem crimes hediondos para legitimar os que hoje dão continuidade ao regime golpista criado apos o golpe militar de 28 de Junho de 2009.
Pelos antecedentes o CODEH olha com profunda preocupação:
1. - O desaparecimento temporário do artista Hermes Reyes, membro do Movimento dos Artistas em Resistência e do Movimento Amplio pela Divindade e pela Justiça. Três homens participaram de sua prisão, supostamente paramilitares que o forçaram a entrar num veículo, onde o espancaram enquanto diziam que sabiam que membros da Frente Nacional de Resistência Contra o Golpe de Estado se encontravam reunidos nesta sexta-feira, 12 de fevereiro deste ano, na cidade de Siguatepeque. Nas torturas, de acordo com depoimentos daqueles que auxiliaram Hermes, foi utilizado um arame farpado que danificou seriamente um de seus olhos.
2. - No mesmo dia na cidade de Tegucigalpa, Município do Distrito Central, foi invadida a casa de Porfirio Ponce, um membro ativo do Movimento Sindical de Honduras e da Frente Nacional de Resistência Contra o Golpe de Estado. As pessoas que entraram em sua casa se identificaram como policiais e ao invadirem a casa destruiram parte de seus pertences e roubaram o seu computador. A ação se deu com total impunidade, sem medo algum, e foi feita na frente de seus familiares e vizinhos que com surpresa testemunharam o ataque.
3. - O desaparecimento temporário seguido de tortura de Edgar Martins e sua família na quarta-feira, 10 fevereiro deste ano, na cidade de San Pedro Sula. Este incidente ocorreu na Colonia Ciudad Planeta e no mesmo ato criminoso sequestraram sua esposa Carol Rivera, seus irmãos, Meliza Rivera e Johan Martinez, e uma amiga. Todos foram levados para as Montanhas do Cervo, perto de onde vivem. A ação foi repudiada pelos vizinhos que organizaram mais de 40 homens para uma busca sem resultados positivos. Foi somente na sexta-feira 12 que os soltaram, e todos(as) mostraram sinais de tortura, sendo que duas das mulheres foram estupradas. A familia Martinez são membros ativos da Resistência Contra o Golpe de Estado.
4. - Dias antes foram desaparecidos temporariamente os cinegrafistas Manuel de Jesus Murillo e Ricardo Antonio Rodriguez da Globo TV e Noticiero Mi Nacion, fato que ocorreu no posto de gasolina 'ESSO On the run' que se encontra na entrada da Colonia El Hogar de Tegucigalpa, Municipio do Distrito Central. Em depoimento, uma das vítimas diz: "Estávamos no posto e fui abordado por dois elementos com pistolas na mão que disseram para eu entrar no carro, um Toyota Pick Up 3.0 marrom. Na região havia um cordão policial com agentes em carros e motocicletas e me colocaram no veículo, me algemaram, colocaram a minha cabeça entre os joelhos, cobriram o meu rosto com uma camiseta que eu usava e ligaram o carro. Dentro dele havia 4 indivíduos armados e meu amigo que estava comigo quando fomos abordados". Os sequestradores passearam com suas vítimas pela capital enquanto revistavam um computador portátil de uma das vitimas.
O depoimento continua: "Então, nos levaram para a frente de uma casa. Eu ouvi um portao elétrico, começaram a me interrogar e me perguntaram onde estavam as armas, o arsenal e os dólares. Bateram na minha cabeça, meus olhos estavam vendados com uma fita adesiva, tiraram as algemas e prenderam as minhas mãos com fita adesiva; me perguntaram sobre várias pessoas cujos nomes era a primeira vez na minha vida que eu ouvia. Insistiram com isso, também perguntavam se sabíamos de uns vídeos e que se os entregássemos eles iriam poupar as nossas vidas. Depois, me perguntaram por um RPG-7 que tinham encontrado e respondi que a Resistência não possuia armas. Enquanto faziam isso me batiam com um facão por de trás do pescoço e das mãos. Eles ameaçaram me matar se denunciasse o que estava acontecendo e também a matar minha mãe e meus dois filhos. Colocaram de volta o capuz na minha cabeça e continuaram a perguntar sobre as armas. O capuz o colocavam até eu sufocar e eu balançava os ombros em sinal de desespero como que gostaria de lhes dizer alguma coisa, insistiam que eu disesse o endereço de um imóvel que fica em Marcovia, Choluteca, algo que eu não sabia".
Entre golpes e ameaças uma das vitimas disse aos seus sequestradores: "Nós não temos armas e não é verdade que a Resistência tenha. Minha arma é a câmera. Colocaram de volta o capuz com um saco plástico sobre a minha boca e me falaram para eu sair da Resistência, que isto era apenas um show político. Eu disse que havia colado cartazes da Resistência para ganhar dinheiro, eles conhecem toda a minha vida, roubaram o meu dinheiro, meu computador e meus papéis. Disseram que poupariam a minha vida e a de minha família se levasse no dia 3 de fevereiro,às 7 AM, vídeos da Resistência ao posto policial da Colonia Kennedy, se não matariam a mim, minha mãe e minhas duas filhas. Aceitei a oferta enquanto me torturavam. Eles perguntaram sobre os dólares que eu dei à Resistência, e eu disse que eu não estava envolvido com a liderança. Insistiram sobre as 100 AK-47 que supostamente eu tinha conhecimento e por umas RPG-7. Eu insistia que isso era uma farsa que não havia nada disso. Colocaram o capuz por uns dez segundos, enquanto me perguntavam quem alugava a casa de Tiloarque e ficavam perguntando sobre várias pessoas que não conheço, disse que sim, estive na Nicaragua e em El Salvador, mas que não recebi qualquer tipo de treinamento. Eles falaram que tinham fotos minhas jogando bombas, eu disse que não era eu porque não uso calças curtas.
Na madrugada me colocaram em um carro, tinha um 'camper' porque ao subir batemos com a cabeça. Nos colocaram de cabeça para baixo e ficaram dando volta pelo rodoanel, até nos deixarem em uma parte escura da Colonia Victor F. Ardon, onde removeram rapidamente a fita adesiva dos nossos olhos. Foi então que corremos para a Colonia mencionada até chegar no Setor Seis da Colonia Villa Nueva onde observamos que vinham duas motos como que para nos buscar. Os que estavam na garupa estavam com um fuzil na mão, acredito que tinham a intenção de fazer alguma coisa conosco, mas que isso não aconteceu porque quando nos jogaram para o lado da estrada nós nos levantamos rapido e saímos correndo para dentro da Colonia".
Um fato que chamou a atenção dos operadores de câmera foi quando seus sequestradores perguntaram "se haviam filmado a pessoa morta que apareceu na Pedagógica (Faculdade). Este morto tinha uma mensagem para Eduardo Maldonado, Diretor do Noticiero Hable como Hable transmitido pela Radio Globo e Globo TV que teve o seu filho sequestrado. Se não colaborássemos iríamos nós aparecer mortos com uma mensagem para Eduardo. Disseram que o morto da Pegagógica deveríamos ser nós".
Por fim, um dos cinegrafistas relata: "Nos esperavam no posto de gasolina. Os policiais, para justificar o nosso sequestro, gritaram em voz alta que o nosso carro teria sido usado para assaltar uma mulher, mas somente fizeram isto para despistar as pessoas que estavam no local."
5. - No dia em os jovens cinegrafistas foram soltos, foi encontrado o corpo de Vanesa Yaneth Zepeda Alonzo, de 29 anos, desaparecida no mesmo dia em que ocorreu o desaparecimento temporário dos cinegrafistas. Vanesa é mãe de dois filhos, um de 4 meses e outro de 8 anos. A jovem era membro do sindicato de Trabalhadores do Seguro Social (SITRAISH) e membro ativa da Frente Nacional de Resistência Contra o Golpe de Estado. De acordo com as pessoas que viram o cadáver, ela teria sinais de tratamento cruel, desumano e degradante.
6. - Hoje (15/02/10), enquanto escrevíamos este comunicado, fomos informados que o Senhor Julio Benitez, membro do Sindicato de Trabalhadores do SANAA, foi crivado por balas no caminho para sua casa na Colonia Brisas de Olancho. O incidente ocorreu ao redor das 9:45pm, quando homens numa moto fizeram os disparos. Ele era membro ativo da Frente de Resistência Contra o Golpe de Estado, e no seu sindicato assumiu a tarefa de organizar os membros para apoiar as atividades de mobilização da Resistência.
PADRÃO SISTEMÁTICO
Nós da CODEH observamos que há um padrão sistemático de ações orientadas a cometer crimes que lesam a humanidade tentando, nesses atos, proteger a identidade dos autores e instaurando o medo no inconsciente social. Entre os padrões de comportamento, podem ser observados os seguintes: a)os autores destes crimes atuam com total impunidade, b) atuam utilizando uniformes da polícia ou colocando-se como policiais, antes cometeram crimes em série que foram destacados pelos meios de comunicação exatamente porque usavam uniformes e armas da polícia ou eram mesmo policiais, c) os que agem agora o fazem usando os mesmos uniformes e armas da polícia, d) as práticas de tortura são as mesmas utilizadas em outros casos onde conseguimos depoimentos, e) a escolha das vítimas é o resultado de práticas de vigilância e controle dos intinerários das pessoas selecionadas, f) o roubo de laptops e carteiras.
SEM SURPRESAS
Nós do CODEH consideramos que nao é surpreendente o Comportamento de algumas agências encarregadas de fazer justiça: o Ministério Público mantém um silêncio cúmplice, o Escritório de Direitos Humanos tem sido coagido e seu presidente ameaçado à medida em que se pensa em sua destituição rápida buscando argumentos que pareçam válidos, a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CONADEH) fechou suas portas à justiça deixando do lado de dentro a impunidade, e o mesmo comportamento teve o Cardeal Oscar Andres Rodriguez que nega a escalada criminal que sofre o povo em resistência.
BREVE SINAIS DE CONTEXTO
É neste contexto de morte, tortura e estupro que estão correndo para organizar uma Comissão da Verdade. Este talvez seja o cinismo mais flagrante que temos visto na história deste pais. Os mesmos que cometeram delitos que lesam a humanidade estão propondo a criação da Comissao da Verdade. A qual verdade se referem? Na deles, que buscam a impunidade, as Comissões da Verdade são para reconstruir as provas destruidas e recuperar a memória. Neste caso o que temos e uma desfaçatez da impunidade que deve ser condenada pelo mundo como um todo. Como aqueles que cativam a democracia ousam organizar uma Comissão da Verdade enquanto os agressores estão no controle da Comissão Nacional para os Direitos Humanos, da Corte Suprema, do Ministério Publico, das Forças Armadas e nas direções da Polícia Nacional?
15 de febrero de 2010, Tegucigalpa Municipio del Distrito Central
COMISION EJECUTIVA
CODEH
LUCHAMOS POR LA PAZ DEFENDIENDO LOS DERECHOS HUMANOS Y LA JUSTICIA
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