Acuado por massivas manifestações exigindo justiça social, governo israelense lança mão, uma vez mais, de ataques à Faixa de Gaza
Passava um pouco do meio-dia da quinta-feira, 18 de agosto. O sol a pino do verão asiático obrigava os passageiros do ônibus 392 a aumentar a potência do ar-condicionado. A maioria era composta por jovens soldados, que voltavam para casa depois de uma semana de trabalho.
Alguns dormiam, abraçados a suas armas. Com exceção do calor, nada atrapalhava o percurso que o motorista Benny Bilefsky, 67, fazia há 25 anos na Rota 12. De repente, porém, ele avistou um carro estacionado, dentro do qual pessoas acenavam, pedindo-lhe que parasse. Imaginando um acidente, Benny diminuiu a velocidade.
Mais adiante, dois soldados vestindo uniformes do exército egípcio pareciam consertar a cerca situada a uns 15 metros da estrada, perto de um posto das Forças Armadas do Egito. Benny fez o ônibus andar ainda mais devagar. E, então, foi surpreendido por uma saraivada de balas, que quebraram o vidro atrás de seu assento e feriram dois turistas que viajavam na primeira fi leira.
Benny abaixou-se, pisou no acelerador e digitou o número 100 no celular, chamando a polícia. Parou apenas no checkpoint de Netafim, mais de uma dezena de quilômetros à frente e a 12 quilômetros da cidade de Eilat, no sul do Israel. Uma ambulância os esperava, para os primeiros-socorros. Trinta e um feridos foram levados ao hospital.
Responsabilização
Um ônibus e dois carros que passaram depois do 392 não tiveram a mesma sorte. O ônibus explodiu, matando o motorista e um dos soldados com uniforme egípcio. Outros soldados atiraram nos automóveis que vinham logo atrás, tirando a vida de dois casais e de um homem.
Nesse momento, os veículos do exército e da polícia israelense chegaram, perseguindo os autores do atentado. Cinco foram mortos por eles, outros três pelos soldados egípcios e os demais fugiram. Cinco homens das forças de segurança egípcia e um oficial israelense também pereceram.
Avisadas do atentado, as autoridades de Israel culparam o Hamas, a Jihad Islâmica, a Autoridade Nacional Palestina (ANP), a Al-Qaeda e o Egito, que, argumentaram, perdera o controle sobre a península do Sinai depois da queda do ditador Hosni Mubarak.
Por fi m, a culpa recaiu sobre o até então obscuro Comitê de Resistência Popular (PRC, na sigla em inglês), que reuniria várias brigadas armadas da Faixa de Gaza. Todos os grupos sediados na região negaram participação nos ataques. Reforçando essa posição, observadores da força de paz da ONU estacionados na fronteira que separa o Egito de Israel testemunharam que nenhum palestino entrara no Sinai.
Em contrapartida, soldados de Israel foram vistos atravessando a linha entre os dois países. Esse detalhe, porém, foi deixado de lado. Ninguém em Israel noticiou, ninguém comentou. A mídia tampouco estampou fotos dos “terroristas” mortos. Os cinco corpos desapareceram como que por encanto.
Protestos populares
“Parece que Deus ama [Benjamin] Netanyahu [primeiro-ministro israelense] e o establishment militar”, comentou Uri Avnery, ex-membro do grupo paramilitar sionista Irgun convertido à causa do pacifismo, ao lembrar esse e outros episódios em que atentados serviram como luva aos propósitos dos governos de Israel.
“O incidente não apenas varreu os protestos [populares] de cena como também pôs fi m a qualquer chance séria de tirar bilhões do gigantesco orçamento militar para reforçar os serviços sociais. Ao contrário, o evento provou que precisamos de uma sofisticada cerca eletrônica ao longo das 150 milhas de nossa fronteira com o Sinai. Mais, e não menos, para os militares”, escreveu ele em sua coluna, no dia 20 de agosto.
Avnery não foi o único a relacionar os ataques à necessidade de o governo sionista sair do sufoco em que os “indignados” de Israel, ao exigirem “justiça social” nas ruas de todo o país, haviam colocado Netanyahu e seus pares. De acordo com algumas análises, o governo não sabia mais o que fazer para conter os manifestantes, a queda de popularidade do primeiro-ministro e o grito das ruas que pedia, e pede, sua renúncia.
O atentado o redimiu. Netanyahu voltou a ocupar as primeiras páginas dos noticiários não mais como o político com a cabeça a prêmio, mas como o líder tempestuoso que sempre foi. “Isso é apenas o começo”, vociferou depois de uma noite inteira em que caças F-16 e helicópteros Apache sobrevoaram e bombardearam a Faixa de Gaza, matando, segundo o exército, seis “terroristas” do PRC. Entre eles, uma criança de dois anos.
“Ataques premeditados”
Segundo levantamento do Centro Al-Mezan para os Direitos Humanos, de Gaza, outras duas crianças e mais seis adultos morreram em consequência dos ataques israelenses. Até 20 de agosto, 13 incursões aéreas das forças armadas sionistas haviam deixado 15 mortos e 44 feridos, incluindo oito crianças e duas mulheres.
“Foram ataques premeditados contra civis e objetos civis”, alertou um dos comunicados do Al-Mezan. O relatório do centro, que informa os nomes das vítimas fatais e dos feridos, inclui ataques a grupos de civis nas ruas, a motocicletas, carros, armazéns e plantações. Casas, sedes de ongs e órgãos da prefeitura, além de uma estação de tratamento de esgoto, foram destruídas. A rede de energia elétrica ficou seriamente danificada.
Para o Al-Mezan, Israel praticou “execuções sumárias, extrajudiciais e arbitrárias”, em desrespeito às leis internacionais e à Quarta Convenção de Genebra. Em resposta à violência do exército sionista, dezenas de foguetes Qassam foram atirados em localidades do sul israelense por brigadas de Gaza, deixando uma pessoa morta e dezenas de feridos.
A menos de um mês da Assembleia Geral da ONU que votará o reconhecimento e o status do Estado da Palestina, e com pesadas críticas da Autoridade Palestina, da Liga Árabe, de associações internacionais de direitos humanos e de vários países, o governo israelense voltou atrás. A “resposta inicial” de Netanyahu não foi adiante. Um ataque longo e pesado a Gaza, agora, daria ainda mais votos à Palestina na ONU, em setembro.
Negociação
Outro problema, o do Sinai, também não avançou. Autoridades israelenses aproveitaram o atentado na Rota 12 para criticar o Egito, que teria abandonado a segurança da região depois da queda de Mubarak. Comentaristas políticos e o Egito viram nessas críticas o desejo sionista de ocupar mais uma vez a península do Sinai. O governo egípcio agiu rápido. Primeiro, exigiu retratação de Israel pela morte de seus soldados na zona fronteiriça. Depois, enviou milhares de homens, armamentos e tanques ao norte do Sinai. Um oficial graduado da defesa de Israel viajou para o Cairo a fi m de resolver a querela no campo diplomático.
Como se vê, a situação evoluiu de maneira inesperada e insatisfatória para o governo israelense. Isso o obrigou a negociar mais uma vez com o Hamas, grupo islâmico palestino de resistência à ocupação e partido político classificados pelos israelenses de “terrorista”. Sob as bênçãos do governo egípcio e com o apoio da ONU, o governo de Israel e membros do Hamas negociavam, até o fechamento desta edição, no dia 22, uma trégua nos ataques.
Enquanto a trégua não é anunciada oficialmente, foguetes continuam a cair em Israel e a população de Gaza continua a sofrer com pesados ataques. Ao contrário do que previu Avnery, parece que Deus não ama Netanyahu tanto assim. Ele foi obrigado a pedir às forças de defesa que mirassem apenas em alvos militares, e não mais em alvos civis, nos ataques a Gaza.
E suas declarações deixam pouco a pouco os noticiários, abrindo espaço para a queda de Kadafi na Líbia e para os indignados israelenses, que esperam pacientemente a hora de recolocar suas demandas na mesa. Entre elas, a renúncia do primeiro-ministro.
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