terça-feira, 30 de novembro de 2010

Rio de janeiro: Famílias, na maioria negras, denunciam invasões e roubos

Barbárie policial



O direito à inviolabilidade de domicílio garantido pela Constituição está sendo sistematicamente violado nas favelas de Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão, depois da invasão das forças de segurança cariocas com o apoio do Exército e Aeronáutica, para expulsar traficantes. 

Cerca de 80% das famílias residentes nas duas favelas são negras e, no caso da Vila Cruzeiro, a favela originalmente era conhecida como Quilombo da Penha formado no final do século XIX, logo após a Abolição, no entorno da Igreja de Nossa Senhora da Penha. O Santuário do mesmo nome foi visitado pela Princesa Isabel, 18 dias antes de proclamada a Lei Áurea. 

De acordo com a Constituição a entrada nas residências teria de ser feita mediante autorização do morador ou por mandado judicial. A única exceção é no caso de flagrante. 

Dois pesos e duas medidas

As denúncias servem para revelar como a Lei e a própria Constituição, no Brasil, não é igual para todos, em especial em se tratando de uma população negra e pobre. Em situação similar, se a busca de traficantes se desse em bairros da classe média como Copacabana, Ipanema e Leblon, onde mora a maior parte dos consumidores da cocaína vendida pelos traficantes, a invasão de casas, sem mandado judicial, geraria escândalo e protestos generalizados na opinião pública.

As invasões de domicílios de famílias negras e pobres sem mandado judicial, também vem sendo ignoradas pela mídia – especialmente as redes de TV, com a TV Globo à frente – que resolveram dar ao confronto das forças de segurança com traficantes os tons épicos de uma guerra, com a comparação do episódio ao Dia D, como ficou conhecido o desembarque das tropas aliadas na Normandia. Bandeiras do Brasil e do Rio foram hasteadas para simbolizar a vitória “dos aliados” e a libertação das comunidades.

Indignação

Moradores das duas favelas invadidas começam a se revoltar porque – sem mandado judicial – policiais militares começaram a fazer a varredura nas casas, em busca de drogas e fugitivos. Há denúncias de abusos e famílias que deixaram as favelas devido aos tiroteios contam que voltaram para casa e tiveram uma surpresa: tinham sido roubadas. Testemunhas contam que ladrões aproveitaram o arrombamento das portas feito pela Polícia para invadir casas.

Só no Complexo do Alemão – o conjunto de favelas da zona norte do Rio - existem 30 mil residências. 

As denúncias já chegaram a Ordem dos Advogados do Brasil no Rio, que informou que acompanha a varredura nas casas para evitar excessos. O presidente da OAB carioca, Wadih Damous, cobrou respeito à Lei nas buscas.

"De fato, esta é uma situação de crise, em que criminosos podem estar escondidos em residências, mas a lei tem de ser respeitada", afirmou Damous. "Apoiamos a operação, mas ela deve ser feita, em todos os momentos, dentro do que manda a Constituição e a lei."

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, disse que os policiais cumprem apenas mandados de prisão contra traficantes considerados foragidos, mas garante que as buscas serão feitas conforme a Lei. "As casas são (investigadas) em condição de flagrante ou com a própria concessão do morador. Essa é a regra", disse o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, em entrevista coletiva de ontem.

Um pedreiro, morador da Favela do Grota, no Complexo do Alemão, que não quis se dentificar, porém, denunciou ter sido roubado. “"Quando cheguei, a porta estava arrombada e o computador e um ventilador haviam sumido", conta o pedreiro. “A polícia deveria esperar o morador chegar antes de entrar", acrescenta.



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