O líder sindical dos professores afirma que uns dois mil hondurenhos estão treinando na Nicarágua para uma resistência armada
Mercedes López San Miguel
de Tegucigalpa (Honduras)
Sua corpulência e a jaqueta de couro fazem jus à imagem estereotipada de líder sindical. Bertín Alfaro é professor e presidente do Sindicato Profissional de Docentes de Honduras, o maior e mais organizado grêmio da resistência contra o golpe de Estado. Ele eleva o tom quando adverte que os EUA são os autores do levantamento militar. E o baixa ao assinalar que uns dois mil hondurenhos estão treinando na Nicarágua para uma defesa armada. Alfaro teme essa opção. Na entrevista a seguir, insiste que o povo deve resistir de forma pacífica até conquistar a restituição do presidente Manuel “Mel” Zelaya.
As forças repressivas mataram dois docentes desde que o governo de fato se instalou em Honduras. Qual é a situação dos professores?
Bertín Alfaro – O golpe marcou uma grande crise na vida democrática de Honduras, seguida de uma flagrante violação aos direitos humanos. Os trabalhadores da educação assumimos um papel protagonista, nos somamos à resistência. Entre os operários, os professores e os camponeses existe uma palavra de ordem que se grita permanentemente: “aqui, ninguém se rende”, até que se restabeleça a ordem democrática. O golpe de Estado foi perpetrado pela Igreja, a Corte Suprema, as Forças Armadas, os meios de comunicação influentes e os políticos tradicionais. Mas os autores intelectuais se encontram no norte do continente. Depois da resolução da OEA [Organização dos Estados Americanos], todos os países respaldaram Zelaya. Os EUA fizeram pouco ou nada; é o único país que tem uma relação permanente com os golpistas.
O que a administração Barack Obama deveria fazer?
Congelar as contas dos golpistas, restringir o ingresso de remessas dos hondurenhos que vivem nos EUA e cancelar os vistos dos golpistas.
Os EUA cancelaram quatro vistos...
Sim, mas consideramos isso uma jogada política, porque cancelaram os vistos de quem não teve um papel importante no golpe. Os cérebros da ditadura estão tranquilos e aparecem sorridentes na televisão.
Voltando à pergunta anterior: a repressão aos professores aumentou? Eles estão sendo perseguidos?
A senhora viu cair um professor com um balaço na cabeça [Roger Vallejos morreu em 30 de julho, devido a um tiro no crânio]. Quando se pede informações às forças da ordem, dizem que é preciso investigar. Mas a promotoria atua imediatamente quando é contra a resistência popular: qualquer um vai preso por perturbação da ordem pública ou qualquer outra coisa. Repare que o povo marcha de maneira pacífica e sem armas. A ditadura criou um ambiente de tensão, com toque de recolher a cada instante e detenções arbitrárias. Não há direitos individuais. Os hondurenhos vamos nos mobilizar durante os cinco meses que faltam para que o mandato de Mel termine.
A resistência encontra os professores unidos? O sindicato dos docentes é o que mais participa das mobilizações?
Em Honduras, existe o que se chama de Coordenadora Nacional da Resistência. Tem o Bloco Popular, que aglutina as centrais operárias, como a CGT [Central Geral dos Trabalhadores], e o [sindicato] do magistério. Somos 60 mil educadores, a maior força. Decidimos que haja aula às segundas, terças e quartas; os demais dias são de luta. Os trabalhadores estão tendo medo de participar porque são ameaçados em suas empresas, mas, tanto os camponeses quanto os professores marchamos mais.
Vocês levaram alguma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que esteve em Honduras há poucos dias?
Sim. Sempre tiramos fotos e gravamos vídeos. Uma das situações que denunciamos foi que, na zona noroeste, a polícia prendeu muitas pessoas que se manifestavam. Liberaram os homens, mas quatro policiais levaram e violaram uma mulher operária e muito bonita. Ela deu os nomes. Quebraram a mão de um candidato presidencial pelo movimento operário, Carlos Reyes. Também quebraram um deputado do partido Unificação Democrática, e agora ele está internado. Os golpistas têm mercenários. Não respeitam ninguém. Mas se não respeitaram o presidente quando o tiraram da cama! Os direitos não existem.
Se vislumbrava um golpe de Estado?
Pela primeira vez desde 1981, um presidente assumia a defesa dos mais despossuídos. Mel assinou a incorporação de Honduras à Alba [proposta pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, para se contrapor à Alca], quis converter a base militar de Palmerola, dos EUA, em aeroporto comercial, e contemplou os trabalhadores ao aumentar o salário mínimo. Também aumento o piso salarial dos professores [hoje, recebem o equivalente a 600 dóolares]. Por todas essas medidas, os empresários ficaram contra ele. Os EUA também. A instalação da quarta urna em 28 de junho passado, para saber se o povo queria reformar a Constituição foi a última coisa que Mel quis mudar.
A sociedade se polarizou entre os que apóiam Zelaya e os que estão com o presidente de fato, Roberto Micheletti?
Os operários, os camponeses, os professores... definitivamente, o povo, está com o presidente Zelaya. A empresa privada, o Congresso, a Igreja e os meios influentes estão com o “goriletti”. O Congresso é um ninho de malandros. Os deputados se aproveitam do sistema para levar uma vida mais cômoda em detrimento do povo. Percebemos que se esta situação não se resolve, grupos guerrilheiros serão organizados em Honduras. Há pessoas treinando na Nicarágua. No dia que o Mel chegar, o povo se concentrará para recebê-lo... nesse dia pode ser que haja uma grande quantidade de mortes.
Quantas pessoas estão se armando?
Ao redor de dois mil hondurenhos estão treinando na Nicarágua.
Quem os treina?
Não podemos dizer. Nós não queremos chegar ao ponto de uma resistência armada. Isso provocaria a morte de muitos inocentes, e o controle escaparia das mãos dos dirigentes sindicais. Queremos continuar pela via pacífica.
Quando aconteceria essa resistência em armas?
Logo. Temos conhecimento de que existem armas doadas. Não sabemos quem as doaram. Já existem sinais de que haverá uma crise muito difícil em nosso país. Começou-se a sentir as medidas de isolamento. No mais tardar em outubro Honduras atravessará uma grave crise alimentar e de abastecimento.
O senhor confia em uma saída medida para o conflito?
O plano Arias [do presidente da Costa Rica, Óscar Arias] propõe um governo de integração. É irônico que seja dada anistia aos golpistas para que formem parte do gabinete. Zelaya já o rechaçou. Chama a atenção o fato de que o país que recebeu Mel em pijamas tenha sido a Costa Rica, não é?
Por quê?
Porque Arias serviu ao Império. Interessa a ele ganhar um novo Prêmio Nobel [Arias foi premiado em 1987, por ter mediado o fim dos conflitos na América Central].
Se Zelaya não conseguir ser restituído ao cargo, haverá eleições?
Aí está o problema. A Constituição diz que o governo constitucional é o que garante os pleitos. Mas Mel está no exílio. Que eleições se darão se o povo não quer ver os candidatos dos partidos tradicionais? Elvin Santos, do Partido Liberal [o mesmo de Zelaya], é um golpista, um representante da oligarquia. Uma parte dos liberais não o querem. Jogaram ovos nele! (Página 12 - www.pagina12.com.ar)
Tradução: Igor Ojeda
IMPRESSIONANTE! Lá, os professsores saem às armas, aqui, nem greve estão fazendo mais. Lá, o sindicato mobiliza pra luta, aqui, para acordos. Bela reportagem do Brasil de Fato, vou publicar tb no meu blog.
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