A colônia nipônica de São Paulo é das mais fechadas e preconceituosas. Claro que há exceções, eu mesmo tenho e já tive bons amigos japoneses, mas a grande maioria dos membros desta colônia tratam os demais brasileiros com desdém, vários sequer se identificam enquanto brasileiros, além de incorporarem os vícios da classe media paulistana, como o racismo e o preconceito regional. Quem já trabalhou para japoneses em São Paulo sabe do que estou falando, para eles todo não oriental é "vagabundo", "preguiçoso" e "incompetente", e qualquer tipo de ascensão profissional nestes ambientes ficam restritas aos membros da colônia. A reportagem abaixo deve ser lida com bastante atenção pelos nipo-brasileiros, no Japão estes tem a oportunidade de sentir na pele o preconceito que praticam contra negros, nordestinos e demais brasileiros. Novamente quero deixar claro que não estou generalizando.
“É dura a vida no Japão, mas os metalúrgicos brasileiros estão enfrentando para, então, um dia poder voltar para casa”. A afirmação é de Francisco Freitas. Ele é dekassegui – imigrante brasileiro – e vive a dez anos no Japão. Morando atualmente na cidade de Kossai-shi, Freitas é vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos no país oriental.
Os sindicatos no Japão costumam ser organizados por fábrica, mas além deles, existe o Sindicato dos Metalúrgicos do Japão, que tem caráter nacional, com sede central em Tóquio, capital japonesa.
Contando com 15 mil sindicalizados, dentre os quais mil são brasileiros, o sindicato não agrupa apenas metalúrgicos, apesar do nome. Trabalhadores de outras áreas, como a da indústria química e da alimentação também podem se sindicalizar.
Em entrevista à Radioagência NP, Freitas ressaltou que o mercado de trabalho japonês trata os imigrantes brasileiros de forma brutal.
Radioagência NP: Quem são os metalúrgicos brasileiros no Japão? O que têm acontecido com a categoria?
Francisco Freitas: Sobre os metalúrgicos brasileiros, em torno de 85% dos trabalhadores estão localizados na indústria automobilística, nas indústrias de autopeças e também na indústria de componentes eletrônicos. O que acontece com a crise? Milhares de trabalhadores brasileiros perderam seus empregos. Então, hoje temos em torno de 53 mil brasileiros que já voltaram para o Brasil. Muitos deles entraram no seguro-desemprego [no Japão], mas quando esse benefício chegou ao fim, não houve uma melhora na recuperação do emprego e esse pessoal, sem ter oportunidade para ir a outras áreas por não dominar a língua, somente [conseguem emprego] na área de serviço e acabam tendo que voltar para o Brasil.
RNP: Além disso, que outras dificuldades os dekasseguis têm que enfrentar?
FF: Não têm direitos sociais garantidos, não têm um contrato de trabalho justo, são discriminados e não têm a oportunidade de aprender a língua. Então, a crise pega primeiro os trabalhadores estrangeiros. Só de novembro de 2008 até hoje, tivemos mais de 120 mil brasileiros que perderam o emprego.
RNP: A sua mulher e um de seus filhos são metalúrgicos e estão desempregados agora. Poderia falar um pouco sobre isso?
FF: Primeiro é o seguinte, minha companheira e meu filho trabalhavam em uma empresa que fabrica e fornece peças para a Toyota, que é uma das maiores montadoras do Japão. Com a crise, eles tinham 642 brasileiros e resolveram mandar os 642 embora. E naturalmente isso afetou muito nossa vida, o orçamento familiar. Água, luz, gás, aluguel... Quer dizer, o custo de vida é muito caro [no Japão]. Mas, temos que ter uma compreensão de o que é o capital japonês.
RNP: E o que é?
FF: A forma brutal com que ele vê a mão de obra estrangeira. Somos considerados como cidadãos de segunda classe. Não tem oportunidade. Uma pesquisa recente da imprensa japonesa mostrou que 54% da população no país concorda com a permanência dos estrangeiros desde que sejam para executar os piores serviços, os chamados de “três K” [na sigla em japonês]: perigoso, sujo e pesado. Hoje, eu não aconselho os brasileiros saírem para irem ao Japão, porque não vão encontrar oportunidade. A sociedade japonesa não se preparou e não quer se preparar para ajudar os trabalhadores estrangeiros.
RNP: Então, quais são as principais reivindicações dos metalúrgicos brasileiros no Japão?
FF: Primeiro é a estabilidade no emprego, depois queremos a redução da jornada de trabalho, que passe de 40 para 35 horas [semanais]. Queremos ter lazer, salário digno. Porque hoje a faixa de salário do metalúrgico, aliás no geral, está em torno US$ 12 a US$ 13 por hora. Com o custo de vida monstruoso igual é no Japão, a pessoa tem que fazer muitas horas extras para guardar alguma coisa para quando completar o tempo que planejou poder voltar ao Brasil. Queremos escolas para nossos filhos. Há escolas brasileiras no país, mas o governo japonês não dá suporte. O problema é que ele não cria políticas públicas para assentar as crianças e jovens brasileiros na cultura japonesa.
RNP: Por que você afirma isso?
FF: Para se ter uma idéia, até dezembro do último ano, os filhos de metalúrgicos e de todos os brasileiros chegavam a 53,8 mil – isso é dado do Departamento de Imigração do Japão. Esses jovens e crianças, na sua maioria, estão “sem identidade”, nem na escola brasileira e nem na japonesa. Então, é uma degradação social.
RNP: Fale um pouco sobre a jornada de trabalho de vocês.
FF: São 40 horas semanais, até aí tudo bem. O problema é que essas oito horas [por dia] de trabalho são brutais. Foge a civilidade. Muita gente em cima lutando por resultado. Os trabalhos são repetitivos. Por exemplo, na Susuki, que é uma montadora na cidade de Kossai, onde eu moro, ainda têm em torno de 1,4 mil brasileiros, todos terceirizados. São jovens na faixa de 40 a 45 anos trabalhando em um esforço muito grande, pegando peso ou apertando parafuso. É uma jornada estressante com cinco minutos de descanso. A Suzuki produz um carro zero a cada 45 segundos. Isso mostra o quanto a exploração é brutal, violenta.
De São Paulo, da Radioagência NP, Desirèe Luíse.
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