O poder político húngaro esforça-se por instaurar um regime teocrático – a ordem social deveria ser, aos seus olhos, uma ordem moral judaico-cristã fundamentalista – que mistura nacionalismo, autoritarismo e neoliberalismo. Por Attila Jakab.
A chegada ao poder, em Abril de 2010, do primeiro-ministro Viktor Orbán, profundamente convencido de ser um homem providencial encarregado de uma missão divina, empurra a Hungria para um regime autoritário.
O poder político húngaro esforça-se por instaurar um regime teocrático – a ordem social deveria ser, aos seus olhos, uma ordem moral judaico-cristã fundamentalista – que mistura nacionalismo, autoritarismo e neoliberalismo. As palavras de ordem são a lealdade política incondicional, bem como a obediência e o respeito absoluto pela autoridade. O maniqueísmo do governo – e da direita húngara – baseia-se num dualismo demarcado, opondo de modo acentuado os amigos e os inimigos, bem como o bem e o mal. Este maniqueísmo é fortemente influenciado pelo pensamento do filósofo Carl Schmitt, o ideólogo por excelência do Estado totalitário moderno, para quem a moral não tem nenhuma ligação com a política, nem com o direito.
Os grandes perdedores do regime Orbán, que favorece essencialmente as classes médias superiores e os ricos nomeadamente reduzindo os seus impostos, são os assalariados de fracos recursos. Enquanto assistimos à criminalização da pobreza, o governo efetua cortes drásticos nas despesas sociais e educativas. Assim, os desempregados beneficiarão apenas de três meses de subsídio de desemprego. Comparados aos preguiçosos e aos parasitas, terão que se desenrascar sozinhos. Os que procuram emprego, desaparecendo do sistema social, permitirão embelezar as estatísticas.
Para reforçar a escravidão e promover a flexibilidade dos trabalhadores, institucionalizou-se o despedimento abusivo (revogando a necessidade de justificação). Preconiza-se o não financiamento das ciências humanas nos estabelecimentos de ensino. Os encerramentos de escolas e reestruturações no ensino superior estão na ordem do dia. Reservar-se-à doravante o saber e a cultura para aqueles que tenham os meios de os pagar. Reduzir-se-ão assim as despesas sociais e os subsídios para a cultura. Além disso, este desprezo evidente do governo face ao social e à cultura é acompanhado de repressão policial e jurídica crescente.
As intrigas do governo húngaro são caracterizadas pela improvisação e ambiguidade. Para restaurar a confiança dos investidores, conduz uma política de austeridade mascarada por uma retórica nacional-religiosa (“a ressurreição da Hungria”) que encobre também o nepotismo e o desejo de enriquecimento pessoal daqueles que chegaram ao poder no ano passado.
É certo que neste contexto, as desigualdades sociais e as fraturas territoriais vão aumentar de maneira radical. Já quatro, das vinte regiões mais pobres da Europa, estão na Hungria. Nas aldeias de forte população cigana, a taxa de desemprego atinge entre 60 e 80%. As tensões socioétnicas podem mesmo transformar-se praticamente em intratáveis. Os motins não são de excluir. Tanto mais que aproximadamente 200 000 famílias estão à beira da falência, não tendo condições de pagar as suas faturas (água, eletricidade, gás, taxas e impostos) ou de pagar os empréstimos à banca. Dezenas de milhares de alojamentos estão sob ameaça de serem vendidos em hasta pública.
Nesta situação dramática, que dizem as igrejas católicas e protestantes? Nada! Permanecem silenciosas, pois esperam subsídios importantes do Estado, assim como o crescimento da sua influência nos domínios sociais e políticos. Reserva-se-lhes, com efeito, o papel de cães de guarda do regime, encarregados de atenuar e moralizar os descontentamentos sociais.
No fim de contas, a via seguida pelo governo húngaro visa, na realidade, a destruição e a reestruturação total do tecido social e institucional do país – em nome da nação e de um cristianismo ideológico redefinido como renascimento (rebirth) pessoal. Só pode desembocar numa explosão social. Assim sendo, uma desestabilização da região central da Europa não é de excluir. O que se passa na Hungria diz respeito a toda a Europa e é motivo para que a União Europeia não possa deixar que o primeiro-ministro Orbán faça o que quer, sem nada dizer e sobretudo sem exercer pressões. É a sua credibilidade que está em jogo.
Artigo de Attila Jakab, historiador, licenciado pela Faculdade de teologia católica de Estrasburgo. Publicado em Revue Relations
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