Em maio, país elegerá presidente. Desgastado, Sarkozy conta com manipulação midiática. Para vencê-lo, esquerda precisa resgatar seus valores históricos. Conseguirá?
Se o amanhã é cinza, a esperança mal está escondida atrás de uma cortina de estrelas… O mandato do atual presidente da França, Nicolas Sarkozy, acaba em breve, e os cidadãos poderão escolher entre deixar que o país continue escorregando para o pessimismo e indignar-se, reivindicando direito à esperança e um olhar mais positivo para o futuro. A mudança é urgente.
Os eleitores serão capazes de assumir a responsabilidade coletiva sobre o futuro ou — para citar Jacques Attali em seu último livro, Uma Breve História do Futuro — preferirão abandonar-se nas mãos das forças do mercado mundial? Como sair do pessimismo? É possível assistir passivamente ao naufrágio da democracia republicana?
Não é fácil fazer um balanço das políticas implementadas pelo atual governo. O chefe de Estado mudou tantas vezes o sentido de seu mandato, que projetou uma trajetória em ziguezagues. É difícil, nestas condições, traçar um panorama geral dos danos causados por suas reformas precipitadas e sumárias. Algumas das políticas anunciadas já foram deixadas para trás e muitas vezes as palavras não foram seguidas pelos atos.
O chefe de Estado foi reformista? Sim, do ponto de vista quantitativo, tendo em vista o número de reformas começadas. Não, quando se considera seu aspecto qualitativo. A maioria delas foi contra-producente: confundem, mais que esclarecem. Como descrever este método?
Desde a chegada de Sarkozy ao governo, a palavra política perdeu toda a credibilidade. Banalizaram-se as próprias declarações da Presidência, a mais alta instância da República. Os deslocamentos políticos do chefe de Estado deram a impressão de uma campanha eleitoral permanente. Ele parecia muitas vezes a ler o mesmo discurso, mudando apenas… as conclusões. A imprensa (com a exceção de alguns chargistas) jamais apontou as ambiguidades dessa situação.
O presidente adotou, por exemplo, o hábito de mudar seu discurso sobre a crise financeira. A versão 2007 de Sarkozy propunha a desregulamentação dos mercados financeiros, defendia as hipotecas imobiliárias, pedia o desenvolvimento de produtos como os empréstimos subprime, convidava as famílias a se endividarem. Hoje, o presidente parece condenar o capitalismo financeiro de que sempre foi um firme defensor.
A governança de amigos
O atual presidente tem feito de tudo para manter-se no controle do “Quarto Poder”. É certo que conseguiu construir, ao longo de sua carreira política, uma grandes rede de contatos nos meios de comunicação. Todos os proprietários de canais de televisão, jornais impressos e rádios privadas são seus amigos: por exemplo, Vivendi, Martin Bouygues, Vincent Bolloré, Pinault, Jean-Claude Decaux, Bernard Arnaud, Serge Dassault.
O presidente não se satisfaz apenas com a sua rede privada: em 5 de março de 2009, foram aprovadas duas leis que afetam duramente o setor de radiodifusão pública. Seus três componentes principais são: reorganizar das TVs públicas (France Televisions), conferir ao chefe do Executivo o poder de nomear os presidentes das sociedades nacionais que acompanham a programação; suprimir progressivamente a publicidade nos canais públicos. Esta reforma foi fortemente contestada por seus adversários. Afirma-se que ela restaura o controle do Executivo sobre serviço público de radiodifusão.
É interessante notar uma interessante relação entre a rede midiática “amiga” do presidente e a lista das personalidades mais ricas do mundo, de acordo com a revista americana Fortune. Mais da metade dos franceses mais ricos estão presentes na área de comunicação: Bernard Arnault (17 bilhões de dólares), Serge Dassault (US$ 7,8 bilhões), François Pinault (5,9 bilhões), Jean-Claude Decaux (5,4 bilhões), Martin Bouygues (2,4 bilhões) Vincent Bolloré (2,2 bilhões).
Campeão das fofocas midiáticas
Durante os últimos dias da campanha presidencial de 2007, o candidato Nicolas Sarkozy expôs a imagem ridícula da mídia francesa do presente. Quem pode esquecer a cena em que ele galopa com um sorriso no seu cavalo branco, como Napoleão — e olha avidamente para os jornalistas, que o seguiam amontoados em um carrinho puxado por um trator? Esta é a imagem metafórica de como Sarkozy quis ver a imprensa francesa. Sua estratégia de comunicação parece bem montada. Seu método tático é para impor sua agenda política aos jornalistas e à mídia.
A Comunicação torna-se uma ação política. O presidente foi capaz de governar para comunicar. Tornou-se um campeão do tititi midiático, num movimento duplamente eficaz. Dá a impressão de que o governo está agindo com determinação, ao difundir falsas boas notícias e supostos “furos”. Além disso, desestabiliza de forma duradoura os partidos à sua esquerda, fragiliza os movimentos sociais e ridiculariza os sindicatos, enquanto prega… o diálogo social. Durante todo seu mandato, a grande especialidade do presidente foi jogar uns contra os outros. Sua táticas também visavam sugerir que ele cumpria suas promessas de campanha. Na TV, a repetição foi às vezes exagerada. A fronteira entre suas práticas e a manipulação foi sempre tênue: desfiles permanentes de ministros diante das câmeras e microfones, sempre com elementos de linguagem idênticos, bem formatados pela equipe de comunicação da presidência.
Repetindo as mesmas táticas, Nicolas Sarkozy coloca agora sobre as costas da crise todos os fracassos de seu governo. E a repetição mediática reassume ares de campanha, para grande alegria de certos profissionais de mídia. Todos os ministros repetem que a crise impediu o presidente de conduzir suas reformas. O Executivo rejeita qualquer responsabilidade, e o tititi retoma sua dinâmica — apesar de ser notório que o presidente é um partidário de longa data da doutrina neoliberal, da desregulação da economia e da primazia dos mercados.
A emergência do Estado-empreendedor
Sarkozy jamais perdeu uma oportunidade de ilustrar a sua visão do Estado e seu distanciamento dos valores republicanos e democráticos. Para ele, era necessário gerir o Estado como uma empresa privada. Como advogado dos negócios, estava pronto a defender seus interesses. Precisava, para tanto, investir na desconstrução da unidade republicana. Seu governo é responsável pelo desmantelamento do papel do Estado na gestão e co-gestão das política públicas; pelo desperdício dos recursos do Estado, via isenções de impostos sobre a riqueza, a renda e a herança. Sua principal preocupação foi reduzir os impostos pegos pelos ricos. Presidente-patrão, manteve sua grande proximidade como os endinheirados e mobilizou todos os esforços para salvar os bancos. Continua a fazer tudo para impedir o colapso do sistema financeiro, mas pouco tem nada para tirar da crise o mundo do trabalho.
A seu governo, sempre faltou ambição em matéria de igualdade. Ele vai deixar a França não só em grave colapso econômico, mas também uma profunda falência moral e ética do Estado republicano: perda de sentido, depreciação da esfera pública, interesses pessoais sobrepostos ao interesse público.
O presidente soube, ao longo de seu mandato, cultivar a desconfiança sistemática em relação à esfera pública. Com ele, o Estado perdeu sua função social e sua liberdade de agir para o bem-estar dos cidadãos. O Estado central não é mais nem um garantidor da solidariedade nacional, nem capaz de assegurar a equidade entre as diferentes comunidades. As desigualdades regionais não param de crescer. O projeto de descentralização do Estado não buscou reforçar nem a democracia, nem a solidariedade territorial. Seu objetivo era outro: reduzir o papel do Estado, transferindo diversas responsabilidades às coletividades territoriais — sem lhes dar, porém, novos recursos para financiar as tarefas que assumiram. Criou-se a desordem na gestão territorial.
A sociedade francesa, cuja coesão já estava enfraquecida por uma crise social sem precedentes, está ferida com a escala e a brutalidade da deterioração do mercado de trabalho. A França já viveu situações de desemprego profundo, mas nunca o aumento foi tão brutal e rápido como nos últimos meses.
Como se não bastasse, o governo tem procurado provocar, na pior fase da crise econômica, um debate sobre a questão da identidade nacional, dividindo ainda mais a França sobre as questões sociais. Como, neste contexto, virar a página do pessimismo? A esquerda poderia reavivar a esperança neste terreno em ruínas e reconstruir o “viver juntos”?
A esquerda socialista não deve se deixar fascinar pelo modelo de gestão conhecido como “governança global”. Este projeto tem ajudado a minar os fundamentos da democracia nos Estados. A democracia é um conjunto de valores, liberdades e também direitos. Se desertamos destes, não vale a pena fazer as eleições! Não se pode deixar que o governo seja exercido pela ditadura do mercado. Basta analisar as consequências da transferência de poderes para os “agentes globais”, para compreender a desordem mundial.
A solução é restaurar a concepção democrática do Estado e suas prerrogativas, além de reorganizar as estruturas multilaterais de governança global. Também é urgente aprender com os antigos governos de esquerda na Europa. A redistribuição da riqueza, a partilha e a justiça social não se tornaram obsoletos, nem estão fora de moda. Valores como a solidariedade e a reciprocidade são capazes de produzir forte mobilização. E a politização dos temas coletivos pode reconstruir a cidadania.
A esquerda deve ter orgulho de sua herança. Não se pode permitir que as estratégias de comunicação da direita apaguem da memória nos franceses as conquistas sociais alcançadas, em combates dolorosos, pelas lutas sociais e pelos que expressaram, no governo, os pontos de vista da justiça e a liberdade.
A lista é longa e diversa: lutas pelos direitos dos trabalhadores, pelo Estado republicano e laico, pela liberdade de consciência, férias pagas, aposentadoria, liberdade de associação, liberdades públicas, voto universal, seguro-doença, ensino obrigatório, direitos das mulheres, serviços públicos, igualdade perante a lei, abolição da pena de morte, liberdade de expressão e de imprensa.
O desafio da esquerda é o de se adaptar a um mundo em mudança. Ela pode ser portadora de uma nova abordagem de desenvolvimento, para construir um projeto de sociedade mais justa e solidária, marcada pelo respeito ao ser humano e a natureza. Só uma visão sistêmica do desenvolvimento pode garantir a sustentabilidade ecológica, social, cultural, política e econômica.
Um novo modo de vida promoverá a justiça justiça, a repartição dos frutos do crescimento econômico e o direito a um ambiente protegido. Ele estimula a criar, a partir de já, as ferramentas necessárias para encarar desafios globais como o crescimento das inegalidades, a luta contra o empobrecimento, a depredação dos recursos naturais e o aquecimento global.
Por Marilza de Melo Foucher, correspondente em Paris | Tradução: Antonio Martins
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