ANOTAÇÕES DE PARIS, ATENAS E SUBÚRBIOS-I
A revista comunista italiana L’Ernesto, em seu número de janeiro-abril 2009, atribuiu às eleições de junho para o Parlamento Europeu “um valor político que ultrapassa as conotações de uma consulta eleitoral normal”, já que a crise “está tendo também em nosso país pesadas repercussões sobre as condições sociais de dezenas de milhões de pessoas”. Era razoável esperar que os efeitos perversos da colossal bancarrota de Wall Street favorecessem a esquerda. Mas eles favoreceram sobretudo o desalento da massa do eleitorado: a participação no escrutínio foi a mais fraca de todas as eleições parlamentares da União Européia. Essa participação, de resto, vem caindo de eleição para eleição, com notável regularidade: foi de 61,99% em 1979, de 58,98 em 1984, de 58,41 em 1989, de 56,67% em 1994, de 49,51 em 1999, de 46,47% em 2004 e de 43,08% em 2009.
O desalento eleitoral das massas populares européias é uma das muitas conseqüências perversas do curso reacionário da historia mundial após a derrocada e desmantelamento da URSS. Elas foram bem sintetizadas pelo historiador marxista britânico Eric Hobsbawm: a burguesia perdeu o medo. Mas não perdeu tempo para desencadear frenética campanha de “privatização” e de "enxugamento", responsável pelo desemprego crônico de dezenas de milhões de trabalhadores, bem como pela redução dos direitos sociais à mínima expressão, sobretudo os dos mais fracos e vulneráveis (turcos na Alemanha, norte-africanos na França, Espanha e Itália). A social-democracia não configurou alternativa de fundo ao agressivo neoliberalismo da direita. Desgastou-se em frustradas tentativas para executar moderadamente a mesma política de redução dos “custos sociais” da valorização do capital em escala mundial e embarcou nas sórdidas aventuras bélicas da OTAN, visando a recolonizar o planeta, sempre, claro, em nome da tal “democracy”, da qual os Estados Unidos (EUA) e a União Européia (EU) se consideram paradigmas.
Na verdade, nesses dois pilares do imperialismo (ou Ocidente, como eles dizem), a democracia está manietada pelo liberalismo. As Constituições ocidentais admitem todas que todo o poder “emana” do povo ou lhe “pertence”, ou ainda, nele “reside” e “em seu nome é exercido”. Não cabe analisar aqui essas diferenças terminológicas. Notemos apenas que as mais impregnadas de liberalismo preferem “emanar” a “pertencer” (ou “residir”), porque, à semelhança da tubulação que conduz a um reservatório a água captada na fonte de que emana, a ordem constitucional canaliza o poder que emana do povo, pondo-o a serviço, através de múltiplos arranjos de engenharia institucional, dos interesses da classe dominante e das que lhe são aliadas. Esses interesses nem sempre são plenamente compatíveis. As alianças de classes funcionam na medida em que o interesse hegemônico leva em conta interesses que integram o bloco dominante, sem, contudo serem hegemônicos. É o caso, nos Estados Unidos e na União Européia, dos agricultores fortemente subsidiados, porque se não o fossem, seria muito forte o risco de ruptura do equilíbrio social. (A subordinação das relações econômicas burguesas à lógica do capital financeiro não é, portanto absoluta. Leva em conta os interesses dos “sócios menores”).
O desinteresse da maioria dos eleitores europeus pelas eleições parlamentares também se explica, em boa medida, pelo repúdio à manipulação liberal da soberania popular. O mais gritante exemplo recente está nos métodos de aprovação, por imposição, da Constituição da União Européia (UE). Na maioria dos países membros, a direita e os liberais no poder, farejando a fraca aceitação do projeto, acharam mais prudente aprová-lo pela via parlamentar. Em 2005, após insistente pressão das forças democráticas, a França e a Holanda submeteram o projeto ao veredicto do corpo eleitoral. Nos dois países, ele foi rejeitado por nítida maioria: 55% e 62% dos votantes, respectivamente. Na França, cerca de 70% dos eleitores participaram do referendum (ao passo que nas eleições para o Parlamento europeu de junho de
Tais foram os antecedentes políticos das eleições de junho 2009 para o Parlamento Europeu. Embora não tivesse atravessado o Atlântico com o objetivo precípuo de analisar a campanha e seus resultados, pude constatar, andando por Paris, Atenas e subúrbios respectivos na segunda metade de maio e na primeira de junho, o firme empenho dos comunistas dos dois países para vencer a compreensível apatia popular perante a disputa eleitoral. O Front de Gauche, cuja coluna vertebral é o PCF, entrou a fundo na campanha. Em meados de maio, antes dos demais partidos e coligações, seus cartazes e outros materiais já ocupavam os espaços reservados à propaganda. Na Grécia, o KKE (Kommounistikó Kómma Elládas) também marcou fortemente sua presença. Em vibrante concentração popular na tarde de 3 de junho em Atenas, a camarada Aleka (Alexandra) Papariga, secretária geral do CC do KKE, fez um apelo à participação eleitoral e denunciou “que no dia seguinte ao das eleições”, a cúpula eurocrática desencaderia um "ataque frontal à previdência social, saúde e bem-estar, conforme decisões tomadas em Praga”. O KKE frisou Aleka, "permanece um adversário irreconciliável do apodrecido sistema político da burguesia”.
JQM
(continua)
Nenhum comentário:
Postar um comentário