sexta-feira, 31 de julho de 2009

1969, o ano em que o bicho pegou



Se 1958 foi o ano que não devia ter terminado, e 1968 o ano que não terminou, 1969 foi o ano em que o bicho pegou. Em 13 dezembro de 68 foi decretado o infame AI-5, e todos os canais de diálogo entre Estado e população foram vedados. A partir de então a luta contra a ditadura passou a ser travada nas sombras, setores mais combativos dos movimentos sociais decidiram não se submeter a truculência dos militares golpistas e resistir pelas armas. Antes de dezembro de 68 já se observavam ações armadas de grupos clandestinos no Brasil, mas de forma incipiente e praticamente desconhecida, tanto pela sociedade quanto por boa parte dos aparatos repressivos, que atribuíam tais ações a criminalidade corrente. Por isso é uma falácia falar que a luta armada impulsionou o AI-5, o que impulsionou tal Ato foi o aumento sem precedentes da combatividade da sociedade civil, que contagiou até os meios políticos, isolando a Ditadura. Uma vez acuada, a Ditadura tirou sua máscara de legalidade e instituiu um Estado efetivamente policial. Após o baque inicial do AI-5, grupos radicais (assim como o governo militar o era) apressaram sua organização para a luta armada. Em dezembro o Agrupamento Comunista de São Paulo (dissidência do PCB) criou a ALN (Aliança Libertadora Nacional), liderada por Carlos Marighela. Na mesma época se organiza a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), reunindo militantes egressos do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), grupo de ex-sargentos brizolistas, a dissidência da POLOP (Política Operária), o Grupo de Osasco, e seções da UPES (União Paulista dos Estudantes Secundaristas). Estas foram as maiores e mais atuantes organizações revolucionárias do período, mas havia outras, como o PC do B, o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), o Colina (Comandos de Libertação Nacional), dentre outros. Até o final dos anos de chumbo diversos rachas vão contribuir para a proliferação de grupos armados.

Em janeiro de 1969, o capitão Carlos Lamarca, mais o sargento Darcy Rodrigues, o cabo José Mariani e o soldado Carlos Alberto Zanirato, fogem do Quartel de Quitaúna, Osasco, levando consigo 63 fuzis FAL. Este fato chama definitivamente a atenção da repressão para a luta armada no Brasil. Neste ano ocorrem mais de cem assaltos (expropriações) e explosões. Morrem 15 agentes da repressão e quatro cidadãos, tombam 19 guerrilheiros e são denunciados 1027 casos de tortura, de acordo com cifras oficiais. [1]

Em julho é criada a Operação Bandeirantes.

Pouco tempo depois é expropriado um dos cofres com dinheiro roubado do povo de São Paulo pelo ex-governador Adhemar de Barros, ação que rendeu cerca de 2,8 milhões de dólares para a VPR.

Em finais de julho, em Mongaguá, litoral de São Paulo, após congresso envolvendo VPR e Colina, dá-se a fusão entre estas duas organizações, surgindo a VAR-PALMARES (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares)

Em setembro é sequestrado o embaixador americano, Charles Elbrick, em ação realizada por um comando reunindo MR-8 e ALN.

Pouco tempo depois é preso e torturado até a morte Virgílio Gomes da Silva, que participara do sequestro do embaixador americano. Virgílio é o primeiro desaparecido político.

Também em setembro se dá o racha da VAR e o ressurgimento da VPR, Lamarca lidera a cisão.

Em novembro Carlos Marighela é assassinado por um destacamento liderado pelo delegado Sérgio Fleury.

Por volta de dezembro a repressão é generalizada em todo o país, a censura é total e todos os movimentos sociais se encontram bloqueados, também a essa época esquadrões da morte executam impunemente milhares de cidadãos brasileiros nas periferias das grandes capitais.

A ofensiva dos grupos revolucionários brasileiros ocorre em 1969, já em finais deste mesmo ano os gorilas passam a ofensiva, fortalecendo seus aparatos repressivos, transformando o Brasil em um verdadeiro Estado policial protofascista, que iria dizimar toda uma geração de militantes de esquerda. Os mais corajosos e idealistas de sua época, o que havia de melhor entre seus pares.

Este texto é o primeiro de uma série que pretendo postar neste blog, minha proposta será contar a história de bravos militantes que tombaram no combate a Ditadura, heróis desconhecidos. Numa época em que nossa Ditadura é chamada por alguns veículos de comunicação de ditabranda, é mais que necessário resgatar a memória destes combatentes. Se com toda a infâmia praticada pelos golpistas de 64 ainda tem gente que se arvora a dizer que não tivemos um governo ditatorial, ou tentam suavizar o período de exceção que vitimou nosso país, imaginem se estes revolucionários não tivessem tido a coragem de desafiar o governo ilegítimo que comandava o Brasil com mão de ferro. É bem provável que o período que durou de 1964 a 1985 sequer fosse chamado de Ditadura.

[1] Elio Gaspari. A Ditadura Escancarada. São Paulo, Companhia das Letras. 2002. p. 470

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