terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O direito de existir (eu, como você)



(Prostitutas em bordel de Lahore, então Índia –hoje território do Paquistão–, em 1946)
Tramita na Câmara o projeto de lei de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) que regulamenta o exercício da prostituição no Brasil. O projeto garante aos profissionais do sexo o acesso à saúde, aos direitos trabalhistas, à segurança pública e sobretudo à dignidade. Será considerada profissional do sexo toda pessoa maior de 18 anos e capaz que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração, de forma autônoma ou em cooperativa. Pelo projeto, os/as prostitutos/as terão direito à aposentadoria especial com 25 anos de serviço. O parlamentar também diferencia a prostituição da exploração sexual. Wyllys quer urgência na aprovação da proposta. Afinal, daqui a pouco chegam a Copa do Mundo e as Olimpíadas e quem, em sã consciência, acredita que os serviços destes profissionais não será fartamente utilizado?
Obviamente o conservadorismo recebeu mal o projeto. É típico dos hipócritas tentar tapar o sol com a peneira, fingir que não existe o que existe. Para falar sobre a importância de regulamentar a prostituição, Socialista Morena convidou Monique Prada, blogueira e tuiteira de Porto Alegre especializada em diversão para adultos. Quem melhor para falar sobre a regulamentação de uma profissão do que uma profissional da área? Não é assim com jornalistas, engenheiros, advogados? Com a palavra, Monique.
***
O direito de existir (eu, como você)
Por Monique Prada*
O senso comum trata a prostituição como a mais antiga das atividades remuneradas. 
Embora eu não estivesse lá para testemunhar, meus parcos conhecimentos da História
 da humanidade não me dão base sólida para contestar tal informação – de modo que a tomaremos como verdade, de momento. Fato é que a prostituição existe desde há muito 
e, por mais estigmatizada, discriminada, isolada que seja a pessoa que a exerce, segue
 existindo, sem dar sinais reais de que sua extinção esteja próxima.
Assunto em voga hoje em dia, o projeto de lei que visa regulamentar a atividade vem 
encontrando apoio e oposição em vários setores da sociedade organizada. É um projeto 
bastante inteligente, conectado à realidade. Um dos pontos mais importantes em seu texto é a legalização das boates, clínicas e casas de prostituição, estipulando inclusive
 valores percentuais para determinar o que se pode considerar “exploração” – a qual passa 
a ser o crime – e o que seria lucro aceitável a uma empresa destinada à diversão adulta e
 à comercialização de serviços sexuais. Seus maiores opositores, além dos tradicionais
 grupos religiosos de matizes variados, devem estar justamente nos donos dos bordéis e 
afins. Situação análoga a de qualquer tentativa de regulação do trabalho em qualquer 
época em nosso país, vide o ocorrido na década de 1940.
Incrivelmente, algumas pessoas reagem como se o projeto “criasse uma nova profissão”, 
e não simplesmente regulamentasse o que já temos por aí, funcionando dia e noite à
 revelia da lei – o que pode, em muitos casos, dar margem inclusive a outras ilegalidades e a uma situação de vulnerabilidade real e segregação ao profissional, que não tem a quem 
recorrer na hora de fazer valer seus direitos. O projeto praticamente não afeta em nada a
 vida das chamadas “acompanhantes de luxo” (luxo, aliás, é um termo até irônico quando 
aplicado ao ramo…) que atuam de modo independente através de sites e comunidades na 
Internet, ou mesmo em casas mais conceituadas, que não costumam perceber 
remuneração direta sobre o valor cobrado pela profissional.
Entretanto, é de grande 
importância para proteger as prostitutas em situação de maior vulnerabilidade social. Não 
regulamentar não acabará com os prostíbulos baratos e insalubres. A não 
regulamentação apenas favorece o trabalho das máfias, o tráfico humano, a escravidão (e 
lembremos que trabalho escravo não é acontecimento inerente apenas à prostituição: há 
mão-de-obra escrava farta na indústria da construção civil, do vestuário, da mineração… E
 a situação do trabalhador doméstico nos pontos mais longínquos do país, como anda?).
Os efeitos positivos da regulamentação talvez não sejam visíveis a curto prazo, não cabe 
ilusão a esse respeito. O projeto de lei não é perfeito, tem suas falhas – coisa que não 
ficou clara para mim, por exemplo, é como se daria a cobrança pelo serviço em caso de não pagamento pelo cliente: haveria um contrato escrito entre as partes? E no que
 consistiria o trabalho “em cooperativa” proposto? O texto precisa ser melhor estudado, 
aperfeiçoado, ajustado à diversidade de situações regionais. Mas é um puta avanço – com 
o perdão do trocadilho, babaca e quase inevitável.
Lembremos sempre: todos nós, quando “decidimos” trabalhar, o fazemos pela 
necessidade de nos sustentarmos, e aos nossos. Não importa em que área trabalhamos, 
o fazemos pela grana – e, quem sabe, por alguma satisfação pessoal também. Exploração é regra nas relações que regem nossa sociedade, não exceção, os mais
 conscientes sabem muito bem. Somos contra, mas, até o momento, leis, regras e 
fiscalização foi a solução que amenizou o problema, para todos.
Feliz é aquele que trabalha no que gosta. Assim é com o profissional do sexo também. A
 prostituição é, sim, “um trabalho como outro qualquer”, porém com suas peculiaridades.
 Manter a “profissão” à sombra da legalidade, negando direitos, negando regulamentação,
 só contribui pra que se trabalhe em um ambiente de violência, exploração,
 SEGREGAÇÃO. Além do mais, já passou da hora de sermos vistas – nós, meretrizes – 
como cidadãs responsáveis por nossas escolhas e donas de nossas vidas.
Muitos movimentos nos tratam como seres incapazes de escolher nossos
 caminhos, vítimas de um trabalho que nos oprime, ignorantes sobre o mundo que 
nos cerca. O que verdadeiramente nos oprime é estar à margem, é o trabalho mal
 pago, é a invisibilidade forçada, esse vitimismo imposto, aliado a uma romântica 
compreensão de que sexo é algo pelo qual não se pode cobrar sem uma vaga 
sensação de erro, de pecado, de culpa. Somos nós, meretrizes, também, donas e 
senhoras de nossos corpos, mesmo durante nosso período de trabalho. Percebam:
 alugar seu tempo não é equivalente a alugar ou vender seu corpo, como pensam 
tantos/as. Quem contrata os serviços de uma prostituta não tem direito ao abuso 
ou à violência. Há uma diferença sensível, porém importante, entre um conceito e 
outro.
Alguns, com boa intenção talvez, mas desconhecendo a realidade, dizem que é uma atividade “indigna” e, portanto, não passível de direito. Dignidade é liberdade. Exercer seu ofício de modo digno e ter seus direitos de trabalhador respeitados, isso é libertar o profissional do sexo. Exigir que um profissional abandone seu trabalho não o liberta de 
nada. É, sim, interferir vergonhosa e autoritariamente na vida de pessoas adultas e com
 condições de decidir. Eu, como você.
*Monique Prada é porto-alegrense, blogueira, tuiteira e ativista de sofá. Ou de cama, se assim preferirem.





Nenhum comentário:

Postar um comentário