Grande São Paulo radicalizada; jovens morrem sob balas de bandidos que chegam gritando “é polícia!”; PMs são gravados matando a tiros; distinção entre trabalhadores, marginais, comerciantes, viciados, doentes, traficantes, artistas, estudantes e chefes de família acabou; basta estar de pé para se arriscar a tombar; ídolo dos racionais, Mano Brown (à esq.) quer impeachment do governador Geraldo Alckmin; seu parceiro DJ Lah não canta mais: “Você tem a Glock na mão, não tem a humildade de um sangue bom”; foi enterrado em Campo Limpo.
Na primeira chacina do ano, os bandidos encapuzados chegaram gritando: "É polícia!". Acabou tragicamente, ali, a distinção entre bandido e mocinho. Sete pessoas, sentadas à porta de um bar, morreram. Os bandidos falaram a verdade? Eram polícia mesmo? Ninguém sabe, até agora. Mas que a palavra polícia mete medo e pânico, isso é consenso. Mais de dois mil moradores da periferia foram mortos em assassinatos no último ano, nos bairros mais pobres de São Paulo. A maioria, jovens negros. Um morticínio que motivou o surgimento do Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra.
Entre o tráfico de drogas multiplicado pelas esquinas, as duplas assassinas que circulam em motocicletas atirando em aglomerações e as patrulhas mortíferas da Polícia Militar, saber quem é quem, hoje, na periferia de São Paulo, é uma missão impossível. Todos são suspeitos e são vítimas, todos podem abater e tombar nessa guerra aberta.
Mais de uma centena de jovens participaram, neste domingo 6, do enterro do rapper Laércio Grima, o DJ Lah, do grupo Conexão do Morro. Parceiro do famoso Mano Brown, o líder dos Racionais MC´s, cujo talento é reconhecido pela chamada inteligentsia, Grima tinha seu lado bem definido. Ele cantava protesto contra a pobreza e a discriminação social verificadas na região em que mora. Uma situação que levou seu parceiro Mano Brown, com quem fez algumas músicas, a pedir o impeachment do governador Geraldo Alckmin. Brown acredita que o governador tucano pratica com voz macia uma grossa política de verdadeiro extermínio da juventude periférica (assista vídeo abaxo).
Os protestos estão em cada palavra das músicas da Conexão do Morro. Há suspeita que o DJ Lah foi morto por policiais militares neste fim de semana, na chacina ocorrida no Campo Limpo. Em trechos de uma canção, intitulada como Viver No Gueto, os músicos detalham a vida de um trabalhador simples e pobre, mas sempre cercado pela polícia, que está ali não, necessariamente, para fazer a segurança de moradores:
"Ninguém é mais que ninguém / Os ratos do esgoto em cima na febre enquadrando você / Na mesma hora sabendo que pode morrer / Enquadra o cidadão, cadê o documento / Ta na mão... / Fala mais baixo que eu não sou seu irmão / Discriminação, preto ou pobre enquadrado estirado no chão / Pode crê cachorrão, eu não vacilo não / No mundo em que vivemos, pode ser, é assim que tem que ser".
Em outras canções, como a CDM, a crítica à postura da Polícia Militar é mais explícita:
"Agora a terra treme longe dos PM's...annnnnnn / A sigla é de ladrão três manos sangue bom, dj lah, mano cobra e cachorrão / agora a terra a treme aqui é cdm, cdm... / me acertaram uma perna, caralho que merda / você com essa farda mete marra / se julga o mais forte / você tem uma glock, não tem a humildade de um sangue bom"
O certo é que esse tipo de pensamento não se restringe apenas ao grupo do falecido DJ Lah, de seu Mano Brown ou de um punhado pequeno de jovens pobres. O ódio contra o sistema, a polícia e, também, a justiça está se espalhando. A continuar com a mesma falta de soluções, essa raiva ampliada pela ausência de diálogo com as autoridades, e efetivo combate ao crime, só irá aumentar.