sábado, 3 de dezembro de 2011

Professor João Quartim de Moraes detona o anticomunismo hidrófobo da Folha Ditabranda


Qualquer pretexto serve
O PCdoB e a Folha do Frias ocuparam, ocupam e sem dúvida continuarão ocupando posições opostas na luta política. Durante a primeira metade dos anos setenta, enquanto aquele resistia à ditadura, em dura e arriscada clandestinidade, ou travando a luta de guerrilha no Araguaia, este atuava na vanguarda da Oban, emprestando veículos de distribuição do jornal para facilitar a captura de militantes da resistência clandestina e conduzi-los à tortura. Mas quando os generais da ditadura resignaram-se a abandonar o Palácio da Alvorada pela porta dos fundos, Frias tomou providências para virar a casaca sem dar muito vexame. Tirou da gaveta o “plano B” (embora essa expressão ainda não existisse): apoiou a campanha das “diretas já” e começou a abrir as páginas “desta Folha” (como escrevem os íntimos da casa) para pensadores de esquerda. O procedimento teve êxito.
José Ricardo Figueiredo resumiu bem, num dos vários comentários favoráveis ao artigo “Folha reabilita o ideólogo da ditabranda" de Caio Toledo, reproduzido em Vermelho, a fórmula ideológica da Folha: “pretender-se progressista, aberta a certas ideias da esquerda, e adotar uma linha editorial conservadora e, às vezes, reacionária, como exemplificado ao incluir o Sr. Olavo de Carvalho como colunista. Também é fato que na época final da ditadura, a Folha pareceu a muitos (incluindo, confesso, este ingênuo leitor) um veículo de ideias democráticas. Mas, olhando bem, se o Estadão tinha o Sr. Gustavo Corção, a Folha tinha o Sr. Plínio Correia de Oliveira, fundador da TFP. E, mesmo quando a tintura democrática da Folha parecia convincente, seu anticomunismo já era nítido”.
De fato, mesmo quando as ideias sociais pretensamente avançadas da Folha pareciam convincentes, seu anticomunismo já era nítido. Um só exemplo entre incontáveis outros: uma matéria de página quase inteira, sob o título “Livros mostram barbárie russa em Berlim”, do folhógrafo João Batista Natali (Folha de São Paulo de 16/outubro/2005). A primeira mentira já está no título“Livros”. A segunda na legenda colocada acima do título: “Pesquisas revelam que soldados do Exército Vermelho estupraram 100 mil alemãs no final da Segunda Guerra”.Se há “pesquisas”, o plumitivo não as refere. A única fonte citada é o livro Eine Frau in Berlin, publicado anonimamente em 1954 e tirado do esquecimento por um historiador militar inglês, Antony Beevor, que escreveu o prefácio da tradução inglesa. Vários séculos de domínio dos mares e de estupro colonial do planeta deram aos britânicos uma insolência incomparável, do alto da qual Mister Beevor, entrevistado naquela ocasião pela Folha, avança uma hipótese que dá a medida de sua deslumbrante inteligência: “A invasão da Rússia foi um fator traumático para o orgulho masculino soviético. É curioso que as mulheres russas não tenham o mesmo problema”. Amparado nessa descoberta psicossocial que faria o célebre Conselheiro Acácio empalidecer de inveja, ele infere que movidos por um sentimento de revanche viril, os soldados do Exército Vermelho teriam cometido os alegados cem mil estupros. Por que cem mil e não noventa mil é um pormenor que não parece inquietá-lo.
Sugerimos uma contra hipótese. Em junho de 1940, quando o Exército francês, sempre valentão para massacrar argelinos, iraquianos, líbios, senegaleses, vietnamitas e outros povos colonizados, desmoronou no primeiro choque sério com a Wehrmacht e a Luftwaffe, seus aliados ingleses consideraram grande vitória ter conseguido escapar da ofensiva nazista fugindo de Dunquerque por via marítima. Nem Mister Beevor, nem o plumitivo que o entrevistou, interessaram-se por saber como terá ficado a virilidade anglo-francesa após essa debandada. Sobre o assunto, sabemos com certeza que somente em junho de 1944 os exércitos anglo-estadunidenses desembarcaram no norte da França, quando os exércitos soviéticos estavam vencendo a guerra sozinhos e caminhavam triunfantes em direção da Alemanha.
Qualquer pretexto serve aos sub letrados da tropa do Frias (alguns mais ou menos de esquerda) para destilar ódio à União Soviética, ao Exército Vermelho e ao comunismo. Seria estranho que a renúncia de Orlando Silva ao cargo de ministro do Esporte não os estimulasse. O editorial da Folha de 2 de novembro encarregou-se da tarefa:
A cerimônia de posse do novo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, do PC do B, deu um novo sentido ao termo dialética. A julgar pelo tom dos discursos, o afastamento do antigo titular da pasta por suspeitas de corrupção já traz em si sua própria negação, que assume a forma de desagravos e elogios ao ex-ministro e sua sigla. Se tudo não passou de uma intriga contra Orlando Silva, como sugeriram vários oradores no ato realizado anteontem, a presidente Dilma Rousseff não deveria tê-lo afastado nem dado posse a Rebelo”. 
O editorialista tentou ser irônico, mas não logrou ir além do deboche, expondo ao leitor a vulgaridade de seu exibicionismo intelectual. Por que seria novo esse sentido do termo dialética? Toda e qualquer posição dialética traz “em si sua própria negação”. Em que consistiria o sentido antigo no entendimento do jornalista profundinho? Mas não há muito a esperar, nem no terreno da precisão semântica, nem no da cultura filosófica, de um jornal em cuja galeria de “filósofos” pontifica o extremista de direita O. de Carvalho, que adquiriu notoriedade rosnando insultos contra a esquerda. Veremos mais de perto, na sequência desses comentários, as lições a extrair dessa aulinha de dialética do pensador de plantão na redação da Folha.

J. Quartim Moraes



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