sábado, 12 de setembro de 2009

Walter Benjamin - Sobre o Conceito da História



1

Conhecemos a história de um autômato construído de tal modo que podia responder a cada lance de um jogador de xadrez com um contralance, que lhe assegurava a vitória. Um fantoche vestido à turca, com um narguilé na boca, sentava-se diante do tabuleiro, colocado numa grande mesa. Um sistema de espelhos criava a ilusão de que a mesa era totalmente visível, em todos os seus pormenores. Na realidade, um anão corcunda se escondia nela, um mestre no xadrez, que dirigia com cordéis a mão do fantoche. Podemos imaginar uma contrapartida filosófica desse mecanismo. O fantoche chamado “materialismo histórico” ganhará sempre. Ele pode enfrentar qualquer desafio, desde que tome a seu serviço a teologia. Hoje, ela é reconhecidamente pequena e feia e não ousa mostrar-se.


2

“Entre os atributos mais surpreendentes da alma hu-mana”, diz Lotze, “está, ao lado de tanto egoísmo individual, uma ausência geral de inveja de cada presente com relação a seu futuro”. Essa reflexão conduz-nos a pensar que nossa imagem da felicidade é totalmente marcada pela época que nos foi atribuída pelo curso da nossa existência. A felicidade capaz de suscitar nossa inveja está toda, inteira, no ar que já respiramos, nos homens com os quais poderíamos ter conversado, nas mulheres que poderíamos ter possuído. Em outras palavras, a imagem da felicidade está indissoluvelmente ligada à da salvação. O mesmo ocorre com a imagem do passado, que a história transforma em coisa sua. O passado traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Alguém na terra está à nossa espera. Nesse caso, como a cada geração, foi-nos concedida uma frágil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não pode ser rejeitado impunemente. O materialista histórico sabe disso.


6

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “como ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma remi-niscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do passado, como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito his-tórico, sem que ele tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-se às classes dominan-tes, como seu instrumento. Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela. Pois o Messias não vem apenas como salvador; ele vem também como o vencedor do Anticristo. O dom de despertar no pas-sado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do histo-riador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.


Antivalor



2 comentários:

  1. Livro "Limiares e passagens em Walter Benjamin"
    A Editora UFMG e a Livraria Mineiriana convidam para o lançamento do livro

    Limiares e passagens em Walter Benjamin
    organizado por Georg Otte, Sabrina Sedlmayer e Elcio Cornelsen

    18 de dezembro de 2010 | sábado | às 11h
    Livraria Mineiriana
    Rua Paraíba, 1.419 | Belo Horizonte | MG
    Informações: (31) 3409-4656 ou 3223-8092


    Sobre o livro:

    Limiares e passagens em Walter Benjamin
    Georg Otte, Sabrina Sedlmayer e Elcio Cornelsen (org.)
    Área: Filosofia
    Coleção: Humanitas
    Apoio: Pós-Lit e Capes
    2010. 279 p. ISBN: 978-85-7041-871-5
    Preço: R$ 45,00

    Ler Walter Benjamin como um pensador do limiar, e não da fronteira, é o que propõe este livro. Os ensaios não somente tangenciam a relação entre filosofia, literatura, história, arquitetura, cinema, fotografia e arte – saberes imbricados e indistintos na experiência de reflexão e de escrita de Benjamin –, mas também demonstram que o autor de Passagens é referência incontornável para se pensarem novas cartografias e configurações do conhecimento e da cultura do tempo presente.

    Onde comprar: www.editora.ufmg.br

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  2. Livro "Limiares e passagens em Walter Benjamin"
    A Editora UFMG e a Livraria Mineiriana convidam para o lançamento do livro

    Limiares e passagens em Walter Benjamin
    organizado por Georg Otte, Sabrina Sedlmayer e Elcio Cornelsen

    18 de dezembro de 2010 | sábado | às 11h
    Livraria Mineiriana
    Rua Paraíba, 1.419 | Belo Horizonte | MG
    Informações: (31) 3409-4656 ou 3223-8092


    Sobre o livro:

    Limiares e passagens em Walter Benjamin
    Georg Otte, Sabrina Sedlmayer e Elcio Cornelsen (org.)
    Área: Filosofia
    Coleção: Humanitas
    Apoio: Pós-Lit e Capes
    2010. 279 p. ISBN: 978-85-7041-871-5
    Preço: R$ 45,00

    Ler Walter Benjamin como um pensador do limiar, e não da fronteira, é o que propõe este livro. Os ensaios não somente tangenciam a relação entre filosofia, literatura, história, arquitetura, cinema, fotografia e arte – saberes imbricados e indistintos na experiência de reflexão e de escrita de Benjamin –, mas também demonstram que o autor de Passagens é referência incontornável para se pensarem novas cartografias e configurações do conhecimento e da cultura do tempo presente.

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