Tem muita coisa legal rolando fora do eixo Rio-São Paulo
Um movimento cultural que se apropriou da disseminação das tecnologias da informação para colocar em prática uma nova proposta cultural, pautada pela economia solidária e no trabalho colaborativo. Esse é o contexto em que surge o Circuito Fora do Eixo. Desde 2006, o movimento faz um contraponto à centralização no eixo Rio-São Paulo, que até então monopolizava tudo que era reconhecido como cultura no país.
Os primeiro passos do Fora do Eixo foram dados em Cuiabá (MT), Rio Branco (AC), Londrina (PR) e Uberlândia (MG). Nesses locais, coletivos de artistas foram se unindo em torno da ideia de que Rio-São Paulo não deveria ser o único eixo da cena cultural brasileira. A partir desse descontentamento, o movimento começou a criar circuitos alternativos em regiões culturalmente segregadas por todo o país. Para se ter noção do alcance atual da proposta, o Fora do Eixo já está representado em quase todos os estados brasileiros – com exceção de Tocantins – e promoveu cinco mil shows apenas em 2011.
Mas como definir uma proposta tão abrangente de cultura? “A ação em rede nos define. O atual sistema cultural está ruindo, não se deu conta que vivemos um momento de transição e não está acompanhando o uso da internet”, explica Atílio Alencar, integrante do Fora do Eixo, em conversa com o Sul21 na recém inaugurada Casa Fora do Eixo de Porto Alegre, localizada na Cidade Baixa. “Não nos definimos como produtores culturais, mas como ativistas”, resume.
Fora do Eixo tem até moeda própria
O movimento começou produzindo shows de bandas independentes, mas hoje extrapola as atribuições convencionais de um grupo de artistas. Coletivos independentes ingressam no Fora do Eixo e garantem o respaldo para realização de shows ou outras atividades do campo das artes, mas num modelo que subverte as regras tradicionais do jogo da indústria fonográfica.
Além de fornecer o suporte necessário para o artista – seja alimentação, divulgação, assessoria, hospedagem, hold ou translado – o Fora do Eixo também trabalha com uma espécie de moeda própria, que estabelece valores de troca para cada um dos serviços oferecidos pelos integrantes do movimento.
Para exemplificar, se um dos integrantes do Fora do Eixo produzir um material de divulgação para uma determinada banda, o seu serviço é remunerado com cards. Os cards podem ser trocados posteriormente por outros serviços e assim sucessivamente. A própria entrevista concedida ao Sul21 foi computada como serviço e renderá cards aos moradores que prestaram informações para esta matéria.
“Cada caso é negociado e toda força de trabalho das pessoas recebe uma contrapartida. Os valores se baseiam na tabela de serviços que cada coletivo consegue ofertar”, explica Atílio. Eles organizaram uma espécie de “Banco Central” que gere os recursos do Fora do Eixo, computando todos os trabalhos. “Funciona como um caixa coletivo, uma espécie de banco central, que não manipula, mas reconhece o fluxo”, explica.
Essa moeda paralela distingue o Fora do Eixo e também demonstra que os coletivos integrados ao movimento buscam desconstruir os modelos vigentes. “Não queremos concorrer com a indústria fonográfica, não é nossa intenção alimentar este sistema”, explica Atílio. De acordo com ele, o movimento se mantém com recursos obtidos através dos próprios eventos promovidos, além de editais públicos e recursos da iniciativa privada.
Atilio enfatizou que cada caso é analisado, mas bandas desconhecidas podem, dependendo do caso, apenas divulgar seu trabalho e ficar sem remuneração. “Às vezes o artista pode não receber, mas é um acordo compactuado antecipadamente para viabilizar o show. Entendemos o show apenas como um momento da cadeia produtiva. Não podemos esquecer que formação de público também é investimento, que vai além do imediatismo do cachê. De qualquer forma, não queremos convencer ninguém, a própria realidade nos baseia. Ao invés de ficarmos no plano individual, isolado, o Fora do Eixo propõe uma ação coletiva”, diz Atílio.
E o movimento se espalhou pelo país
O movimento começou tímido, mas hoje já demarcou território no principal “eixo” do país, a meca de todos os artistas, a cidade de São Paulo. Uma das Casas Fora do Eixo foi constituída e inaugurada na capital paulista no início deste ano. Mas o que seriam Casas Fora do Eixo? Essas casas extrapolam o conceito tradicional de uma sede, pois oferecem espaços de moradia, além de trabalhar com hospedagem solidária. Outro diferencial é a possibilidade de integrantes do movimento morarem em qualquer Casa Fora do Eixo do Brasil durante 3 meses. Tais casas já funcionam em Brasília, Manaus, Fortaleza, Belo Horizonte, Uberaba, Sabará e São Carlos.
No Rio Grande do Sul, os artistas se articulam desde 2007, mas a ação ganhou em intensidade a partir do fim de 2009. No interior, coletivos de Santa Maria, Pelotas, Erechim, Caxias, Esteio, São Leopoldo, Sobradinho, Santa Cruz, Ijuí e São Borja também promovem atividades. “Temos dificuldades de ingressar em certas cidades, mas somos cerca de 100 pessoas atuando em 15 coletivos por toda a região Sul”estima Paulo Zé Barcelos, organizador do Morro Stock, que também faz parte do Fora do Eixo. “Temos aproximadamente 100 coletivos no Brasil e em alguns países da América Central”.
Ainda que atuem de forma independente, os coletivos estaduais são orientados por um colegiado composto por 12 pessoas de cada região, o que garante uma maior organização para o movimento. “A adesão ao Fora do Eixo é livre, mas uma vez integrando o movimento, todas as pessoas são cobradas igualmente. Aqui ninguém está de brincadeira, temos uma organicidade brutal e não separamos vida de trabalho”, explica Atílio.
Variadas frentes de atuação
O movimento Fora do Eixo se desdobra e atua em variadas frentes. Um exemplo dessas outras atuações é o SEDA (Semana do Audiovisual) que exibe produções independentes em diversas cidades brasileiras e que também ocorreu em Porto Alegre no fim de outubro, na Casa de Cultura Mario Quintana e no Espaço Cultural 512. O movimento também organiza o Palco Fora do Eixo, em apresentações que englobam dança, circo, teatro e cinema.
Além da produção dessas atividades culturais, o movimento também estrutura a Universidade Fora do Eixo, que oferece alguns cursos e oficinas. “O objetivo da Universidade Fora do Eixo é buscar um diálogo mais afinado com a sociedade, aliando teoria e prática. Funciona como um sistema que troca conhecimentos. Alguns coletivos trabalham com educação popular em comunidades de bases ou com jovens em situação de risco”, exemplifica Atílio.
Outra frente é o PCult, que monitora editais de cultura ofertados pelo Estado. “Este espaço pretende dialogar com gestores públicos, mas sempre nos colocando como rede, nunca como artistas individuais”, diz Claudia Schulz, outra moradora da Casa Fora do Eixo de Porto Alegre. Ela conta que este processo consiste na organização de uma espécie de banco de dados de editais, que auxilia os coletivos tanto em informar-se a respeito quanto na elaboração dos projetos para ter acesso às verbas.
“Mapeando os processos de editais, queremos inverter a lógica da crítica fácil, para também sermos propositivos. Tudo isso para contribuir na organização da sociedade civil em bloco, para ter uma voz cada vez maior. A idéia é unir um comboio representativo para propor pautas, horizontalizar os processos”, complementa Claudia.
Em Porto Alegre, a Casa Fora do Eixo fica na rua José do Patrocínio 34, apartamento 111, no bairro Cidade Baixa. A casa está aberta a visitas, que devem ser agendadas pelo telefone (51) 3225 3975.
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