Greve da Cobrasma, 16 de julho de 1968
A presente dissertação tem por objetivo discutir a trajetória do
Grupo de Osasco[1],
movimento formado por estudantes, operários, e estudantes-operários, a maioria
na faixa dos vinte anos de idade, organizados no município cujo nome vem
expresso na indicação do grupo. Tal movimento ganhou notoriedade após a greve
insurrecional de julho de 1968, última paralisação de envergadura verificada na
década de sessenta. Contudo, suas atividades não se restringiram a esse evento.
Os militantes articulados no GO se fizeram presentes no meio político de sua
cidade de forma abrangente entre 1966 e 1968.
Em sua breve
trajetória, o grupo em análise se pautou por ideias de cunho revolucionário, de
matriz marxista-leninista, mescladas a correntes de pensamento em voga no
período, como o guevarismo-debraysmo. Por sua pouca experiência teórica e
organizativa, o GO, através de seus representantes, não foi capaz de definir
uma linha político-teórica sólida. O que unia esses ativistas era uma oposição
radical a ditadura civil-militar brasileira, o desejo em interferir nos rumos
políticos de sua realidade, e um interesse difuso pela teoria marxista. Outro
ponto que vale salientar é o fato da maioria dos membros do grupo terem
adentrado o universo da esquerda nacional distantes das teses do PCB. Sua
evolução, em sentido revolucionário, apresentou contornos distintos, iniciou-se
num momento posterior ao golpe de 1964. Os rancores da esquerda mais jovem
diante do imobilismo dos comunistas perante o assalto ao poder esteve presente
nesse agrupamento desde seus primórdios.
As atividades do
GO não se restringiram a sua cidade, os mesmos estiveram presentes, através dos
aparelhos políticos sob seu controle, nas movimentações estudantis do
efervescente ano de 1968, em ações conjuntas junto a entidades estaduais e
federais, como a UEE-SP e a UNE; nos debates em torno da oposição sindical ao
regime militar, com destaque para sua atuação nos trabalhos de construção (e
dissolução) do MIA (Movimento Intersindical Anti-arrocho). Posteriormente, já
em situação de clandestinidade, militantes do grupo participaram das
articulações em torno da formação da guerrilha urbana em São Paulo, e de suas
cisões posteriores.
Compreendemos o
GO como um movimento social[2] em
construção, um “organismo” em sentido gramsciano, “um elemento complexo da
sociedade no qual já tenha tido início a concretização de uma vontade coletiva
reconhecida e afirmada parcialmente na ação”[3].
Neste excerto Gramsci se refere a formação do “partido político”, o aglutinador
das “vontades coletivas”. O GO não teve tempo para se estruturar enquanto
partido ou movimento político coeso, com diretrizes e programa definido, visto
que seu período de atuação foi curto. Em sua cidade, tornou-se uma das
principais forças políticas na segunda metade dos anos 1960. Após seu ingresso
na Vanguarda Popular Revolucionária, os jovens ativistas de Osasco se diluíram
no intrincado jogo de poder interno a essa organização, cerrando fileiras junto
às tendências que possuíam maiores afinidades com suas proposições de cunho obreirista,
condizentes com suas origens de estudantes-operários.
Como dito
acima, o GO se tornou conhecido após a greve de julho de 1968, evento que se
notabilizou mais pela repressão feroz com que foi contido, do que por seus
efeitos imediatos. Essa greve fez parte da vaga de oposição ao regime que tomou
conta do país no ano do AI-5, somou-se as manifestação de massa empreendidas
pelo ME nas principais capitais brasileiras, e a efervescência cultural
galvanizada pela onda de contestação jovem observada em nível internacional.
Somou-se também ao movimento paredista de Contagem e outras paralisações de
menor monta, eclodidas em pontos distintos do território nacional, e ao início
das atividades da guerrilha urbana no Brasil.
Após a Greve
de Osasco, o crescente processo de politização orientado pelo GO em sua região
foi bloqueado. As vésperas da paralisação da Cobrasma[4],
tal grupo controlava o movimento estudantil local, o Sindicato dos Metalúrgicos
de Osasco e Região, boa parte das comissões de fábrica espalhadas pelas
empresas da localidade; contava com três
vereadores aliados, e trânsito junto ao prefeito da cidade. Organizados pelo
grupo, cursos de iniciação ao marxismo eram ministrados para trabalhadores e
estudantes, além de atividades culturais de viés proletário. Em fase inicial,
havia um trabalho de formação de associações de bairro, voltadas especialmente
ao operariado local, dentro dos parâmetros políticos do GO. Após o AI-5, tais
iniciativas foram suprimidas por completo, e Osasco se tornou uma das cidades
mais vigiadas pela repressão no Brasil.
[1] Essa designação é utilizada
por Antonio Roberto Espinosa, uma das principais lideranças de esquerda do
município no período em estudo. José Ibrahim, eleito presidente do Sindicato
dos Metalúrgicos de Osasco em 1967, costuma se referir ao grupo como Grupo de Esquerda, assim como o fez
Francisco Weffort. Roque Aparecido da Silva, outra importante liderança local,
utiliza a expressão Grupo de Esquerda de
Osasco. Optei por utilizar Grupo de
Osasco, pois seu caráter de esquerda já vem enunciado no título de meu
projeto. Doravante este grupo será indicado pela sigla GO.
[2] Gianfranco Pasquino, no
verbete “Movimentos Sociais”, presente no Dicionário de Política organizado por
este autor em parceria com Norberto Bobbio e Nicola Mateucci, a partir das
proposições de A. Melucci, propõe “uma distinção entre movimentos
reivindicatórios, movimentos políticos e movimentos de classe, baseada nos
objetivos perseguidos. No primeiro caso, trata-se de impor mudanças nas normas,
nas funções e nos processos de destinação dos recursos. No segundo, se pretende
influir nas modalidades de acesso aos canais de participação política e de
mudança nas relações de força. No terceiro, o que se visa é subverter a ordem
social e transformar o modo de produção e as relações de classe. A passagem de
um tipo a outro depende de numerosos fatores, dentre os quais não é de somenos
importância o tipo de resposta que o Estado pode dar, bem como da capacidade
dos movimentos em aumentar seus seguidores e em incrementar suas exigências”.
Ao longo de sua trajetória, o GO flutuou entre as três modalidades de
movimentos sociais expostas acima, adotando uma postura mais radical a partir
da emersão do grupo na luta armada. BOBBIO, Norberto Et alii (org).
Dicionário de Política. 7ª Ed. Brasília-DF: Editora da Universidade de
Brasília, 1995. p. 787-791.
[3] GRAMSCI, Antonio. Cadernos
do Cárcere. Vol. 3. Edição e tradução Carlos Nelson Coutinho Et alii. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 16
[4] Companhia Brasileira de
Materiais Ferroviários, maior empresa de Osasco no período em estudo, principal
palco de atuação do GO junto ao operariado de sua cidade. Na terceira seção
deste trabalho abordaremos a história e a importância desta empresa para o
município de Osasco.
Desocupação da Cobrasma, empresa de Osasco, subúrbio industrial de São Paulo
Zequinha Barreto, estudante-operário e revolucionário atuante em Osasco, assassinado pela ditadura ao lado de Carlos Lamarca em 1971
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