quarta-feira, 13 de março de 2013

Crise do capitalismo provoca ataques cardíacos em série na Grécia









 
Funcionários públicos da Grécia estão encenando um novo protesto contra o plano do governo de demitir dezenas de milhares de trabalhadores nesta quarta-feira. O governo anunciou que dezenas de milhares de funcionários públicos irão  perder o emprego, como parte das medidas de austeridade acordadas com os credores internacionais da Grécia. Os funcionários públicos também estão protestando contra o plano de privatização do gabinete que dizem que também coloca seus trabalhos na linha.

A crise financeira e económica teve consequências diretas na saúde nos gregos, com o número de ataques cardíacos a disparar, sobretudo entre as mulheres e as pessoas com mais de 45 anos, indica um estudo que será apresentado no encontro científico anual do Colégio Americano de Cardiologia, em São Francisco, nos EUA.

O estudo partiu da análise de 22.093 episódios clínicos que foram tratados pela unidade de Cardiologia do Hospital Geral de Kalamata  o único com Cardiologia na Zona Sudoeste do país  entre 2004 e 2011. Neste intervalo de oito anos, os autores dividiram os doentes em dois grupos: os que foram tratados entre Janeiro de 2004 e Dezembro de 2007 (antes do estalar da crise) e entre Janeiro de 2008 e Dezembro de 2011 (em plena crise e já durante o programa de ajuda externa da troika).

Os investigadores explicam que esta decisão teve como base a mudança no Produto Interno Bruto (PIB) da Grécia e que o número de episódios na unidade de Cardiologia daquele hospital, em cada um dos grupos, é semelhante, foi de 10.870, de 2004 a 2007, e 11.223, de 2008 a 2011. Portanto, números pouco díspares.

O trabalho permitiu perceber que, após o agravamento da crise financeira e económica na Grécia, o número de ataques cardíacos, incluídos nos episódios tratados na unidade de Cardiologia, disparou, com 1084 episódios no segundo grupo, contra 841 até 2007, o que representa uma subida de mais de 25%. Além disso, destacam os autores, a incidência de ataques aumentou em todas as camadas da população, com mais 21% de ataques em doentes que tinham menos de 45 anos, mais 30% em pessoas com mais de 45 anos; mais 26% em homens e mais 39% em mulheres.

- As mulheres gregas têm uma taxa de desemprego mais alta do que os homens, são responsáveis por tratar das crianças e trabalham ao mesmo tempo fora de casa uma fórmula para o stress – resume Emmanouil Makaris, um dos cardiologistas do Hospital Geral de Kalamata, que conduziu o estudo.

Quanto ao crescimento da incidência de ataques nas pessoas acima dos 45 anos, os investigadores sublinham que, a partir destas idades, as oportunidades de emprego são muito limitadas e, ao mesmo tempo, surgem mais patologias do foro cardiovascular. “O desemprego é um factor de stress e o stress está muito relacionado com a doença cardíaca, assim como há outras coisas que surgem com as dificuldades financeiras”, acrescenta Makaris. E insiste: “Nestas alturas, muitas pessoas não têm dinheiro para comprar a medicação ou para ir ao médico de família. Há um grande crescimento das doenças cardiovasculares em todo o país e o custo para a sociedade é muito elevado”.

Agora os investigadores querem continuar a acompanhar estes dados e, se possível, estender a análise a todo o país, sobretudo a Atenas, que, por ser uma zona urbana, poderá estar a ter resultados ainda mais graves. Até lá, Emmanouil Makaris alerta que o país precisa de uma maior aposta na prevenção e que tanto profissionais de saúde como doentes saibam reconhecer os principais sinais e sintomas destas doenças, para que possam ir mais cedo ao hospital. E diz esperar que os governantes entendam que as medidas de austeridade, que têm incidido muito na área da saúde, estão a ter consequências graves, uma factura que, mais tarde ou mais cedo, a Grécia irá pagar.

Os dados apresentados por este estudo não são os primeiros conhecidos sobre a degradação das condições de saúde no país, refere o Público. Do aumento da taxa de suicídio às novas infecções por VIH/sida, vários têm sido os indicadores que fazem sentir o peso da crise e a mostrar que o sistema de saúde grego pode estar à beira do colapso. Em Janeiro, o economista da saúde grego John Yfantopoulos, professor da Universidade de Atenas, esteve em Lisboa para participar na conferência A Crise Económica e os Sistemas de Saúde, organizada pela Associação Portuguesa de Economia da Saúde, e deu uma entrevista ao Público onde fez um relato de um país onde não param de crescer os números de infecções por VIH, os suicídios e o consumo de drogas. E apontou uma culpada que tem minado todas as tentativas de mudança no sistema: a corrupção.

O estudo sobre a Grécia surge na mesma semana em que foram apresentadas em Portugal as conclusões do estudo PHYSA  Portuguese Hypertension and Salt Study, que indicou que quase metade da população portuguesa sofre de hipertensão arterial – um factor de risco para ataques cardíacos. A boa notícia é que há cada vez mais doentes medicados e com a hipertensão controlada. Contudo, na sequência deste estudo, Luís Martins, cardiologista e professor na Universidade Fernando Pessoa, alertou que a actual crise deverá “afectar profundamente” muitos dos resultados obtidos nos últimos anos, já que há muitos doentes a deixarem de comprar os medicamentos e de ir ao médico regularmente.



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