segunda-feira, 20 de maio de 2013

PMs admitem que fizeram vistas grossas durante o evento após suposto atraso nos salários de policiais que participam da Operação Delegada

Ultimo Segundo


Susan Souza
Prefeito Fernando Haddad fala sobre a Virada Cultural 2013
Depois de um dia de reuniões para tratar do recorde de violência na edição deste ano da Virada Cultural, o prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) adotou a postura de despolitizar o assunto ao negar que tenha partido do comando da Polícia Militar – subordinada ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) – a ordem para que os policiais fizessem vistas grossas aos assaltos e arrastões, que deixaram pelo menos dois mortos no último fim de semana. No entanto, à reportagem, soldados da PM admitiram que cruzaram os braços durante o evento em retaliação à prefeitura, que estaria atrasando os salários de quem participa da Operação Delegada, uma parceria com o governo do Estado em que o município contrata os serviços de oficiais em dia de folga. Já em nota oficial, a PM negou os atrasos.
Haddad iniciou a entrevista coletiva na sede da prefeitura isentando o comando da PM pelo suposto boicote policial. De acordo com o prefeito, o aumento das ocorrências foi notado a partir das 2h30 de sábado (18). Ao conversar com a cúpula militar, ele teria recebido a garantia de que qualquer denúncia contra a polícia seria averiguada.
“Do ponto de vista da programação cultural, a Virada foi um sucesso”, disse ele ao lembrar que, embora confie no comando da PM, “é uma obrigação dar respostas a essas informações [de corpo mole] que estão sendo recebidas”.
O petista só mostrou irritação quando questionado sobre uma declaração de Alckmin, para quem é preciso escolher melhor os locais da Virada nos próximos anos . “Mas são os mesmos lugares [dos outros anos], não? O que isso tem de errado?”, perguntou Haddad. “Quem fez o planejamento da segurança foi a PM. Em nenhum momento isso foi colocado como obstáculo. Foi tudo feito de comum acordo. Nada foi decidido só pela prefeitura.”

Vista grossa
A reportagem conversou com policiais militares, que, sob condição de anonimato, admitiram ter cruzado os braços diante da violência na Virada Cultural. A decisão foi uma retaliação à prefeitura, que estaria atrasando os salários de quem participa da Operação Delegada pelo quarto mês seguido. "A prefeitura não paga em dia, e o Estado, para manter a boa convivência, não fiscaliza o pagamento."
Em nota oficial, no entanto, a PM negou os atrasos e disse que "a Prefeitura de São Paulo vem cumprindo com as suas obrigações quanto ao pagamento da atividade delegada voltada ao comércio irregular de ambulantes".
Haddad também não teria cumprido, segundo policiais ouvidos pela reportagem, a promessa eleitoral de ampliar o programa, considerado o "bico oficial" dos soldados. O prefeito teria apenas realocado alguns homens para trabalhar no período noturno em áreas de preservação ambiental e em comunidades que organizam bailes funk. O prefeito respondeu à questão lembrando que esse tipo de serviço é voluntário e que sobram vagas para trabalhar em três regiões da zona sul: Capela do Socorro, M’Boi Mirim e Jardim Ângela.
A prefeitura também negou qualquer atraso de pagamento. O que está ocorrendo, afirmou Haddad, é uma mudança no repasse. Antes, pagava-se o policial adiantado com base em uma estimativa de trabalho. Agora, o dinheiro só deixa o cofre municipal depois da análise de uma planilha com as informações de quem efetivamente trabalhou.

Ocorrências
Moradora de um prédio no viaduto Santa Ifigênia, a publicitária Vivi Cristina Dias (29) tomou o primeiro susto ainda em casa, às 3h do sábado, ao avistar da janela um assalto a “poucos metros de dois policiais parados no meio da multidão”. Em outro momento, um grupo de crianças na Ladeira da Memória “armava um arrastão, mas lá não havia policiamento nenhum”. “A Virada é um evento que reúne pessoas de classes e gostos diferentes, além de mostrar a beleza do centro. Essas ocorrências são ruins porque reforçam o estigma de cidade perigosa.”
O artista multimídia Uala Vandeik (29) correu de “cinco arrastões”. “Os policias nas guaritas não faziam nada. Era uma terra de selvagens. Durante uma briga, precisei ficar 20 minutos dentro de um bar. Os donos fizeram um cordão humano para evitar que a confusão invadisse o lugar. Depois disso eu fui para casa e não voltei no outro dia. Essa virada foi uma furada.”
Já a fotógrafa Tatiana Abitante (25) passou por um sufoco por volta das 4h30 de sábado na Praça da República, onde “um grupo de moleques girava na direção dos outros um pedaço de madeira com pregos na ponta. Isso tudo a sete metros de uma base policial”, lembra. “No cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, seis PMs assistiam a um grupo de homens atirarem garrafas contra as pessoas na rua.”
A estudante Niami Correia (22) deixava um restaurante no Largo do Arouche quando entregou uma pizza inteira a um morador de rua. “Nesse momento, vi uns 40 meninos correndo, gritando e empurrando as pessoas. Dez deles seguravam um menino enquanto pegavam tudo que estava no bolso dele. Até a pizza que dei para o senhor eles levaram. Só deixaram um pedaço.”
Niami também assistiu à venda de drogas. “Vendiam como se fosse banana. Gritando ‘olha o lança, balinha, ácido aqui’. “Fico me questionando se vou ter coragem de ir na próxima Virada. Dessa vez eu tive sorte, mas e na próxima?”
Segundo dados divulgados pela Prefeitura, foram registrados 12 arrastões, duas mortes, quatro feridos por arma de fogo e outros seis por armas brancas.

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