Coordenadoria da Juventude, deslocada por Haddad para estrutura de direitos humanos, precisa transformar R$ 500 mil e oito funcionários em inspiração para garantir avanços
Dona do maior contingente jovem do país e palco de problemas sociais que atingem especialmente a população com idade entre 15 e 29 anos, São Paulo parece ainda não ter despertado para a necessidade de estabelecer políticas públicas especificamente destinadas à juventude. ONGs, movimentos e entidades denunciam o reduzido espaço do tema dentro da administração municipal, que lhe dedica poucos funcionários e baixo orçamento. A estrutura está aquém da realidade paulistana. E se mostra ainda mais tímida se comparada à de outras capitais do país.
A prefeitura mandou à Câmara Municipal em abril o Projeto de Lei 237/2013 para reestruturar oficialmente suas secretarias. Aprovadas em maio, as mudanças priorizam as pastas de Direitos Humanos e Cidadania, Políticas para as Mulheres e Promoção da Igualdade Racial – todas elas criadas pela gestão Fernando Haddad (PT). As novas secretarias ficarão com 110 dos 348 novos cargos que o Executivo pretende viabilizar junto aos vereadores para pôr em prática uma de suas principais bandeiras de campanha: maior acesso dos paulistanos aos direitos da cidadania.
Durante a administração de Gilberto Kassab (PSD), as questões da juventude eram tratadas dentro da Secretaria de Participação e Parceria – que desapareceu com a ascensão do PT. A equipe herdada pela gestão atual é bastante reduzida: cinco cargos de confiança e três estagiários. A Coordenadoria de Juventude, hoje atrelada à Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, conta ainda com um auxiliar em cada uma das 31 subprefeituras da cidade, cujas funções foram muitas vezes desvirtuadas na gestão passada – e hoje ainda carecem de atribuição legal específica.
A reforma proposta pelo Executivo municipal deverá aumentar o número de quadros na coordenadoria, mas não na mesma proporção das outras áreas sociais. Caso seja aprovada, a reestruturação adicionará apenas mais três cargos à equipe da juventude em São Paulo. O time ficaria, portanto, com oito pessoas. O número de estagiários também deve aumentar dos três, que existem hoje em dia, para dez. "Além disso, estamos pedindo mais três servidores", afirma o coordenador de Juventude de São Paulo, Gabriel Medina. "Queremos chegar a uma equipe de pelo menos 20 pessoas."
Insuficiente
É um número tímido se comparado ao de outras capitais brasileiras. Recife, por exemplo, conta desde janeiro com uma secretaria dedicada ao tema. "Os jovens são os que mais sofrem com o desemprego na capital pernambucana, que é também a sexta cidade do país onde mais jovens são mortos de forma violenta", diz Marília Arraes, secretária de Juventude e Qualificação Profissional. A pasta conta com uma equipe de 60 pessoas. "Nosso objetivo é qualificar cada vez mais jovens, para que eles possam ser inseridos no mercado de trabalho e afastar-se da criminalidade."
Porto Alegre instituiu uma Secretaria de Juventude há mais tempo: em 2005. Atualmente, 35 pessoas atuam na pasta, sendo dez estagiários. "A secretaria tem como missão planejar e executar políticas públicas para juventude com a participação de toda administração e da sociedade, através do Conselho da Juventude, de forma transparente, ética e eficaz, baseados nos princípios da transversalidade", diz a assessoria de imprensa da prefeitura de Porto Alegre, destacando projetos com música, grafite e skate.
A pequenez da Coordenadoria de Juventude de São Paulo também se verifica quando ontrastamos sua estrutura com o universo jovem da cidade. De acordo com o IBGE, a capital abriga 2,9 milhões de pessoas com idade entre 15 e 29 anos. O número representa 25% da população paulistana, que atualmente gira em torno dos 11,2 milhões de habitantes. Em Recife existem 250 mil jovens e, em Porto Alegre, ao redor de 350 mil. Ou seja, as capitais pernambucana e gaúcha possuem mais gente trabalhando com juventude do que a prefeitura paulistana – apesar de terem contigente bem menor de jovens.
"A equipe é muito reduzida para a tarefa de construir políticas públicas para a juventude numa cidade que não as tem nem nunca teve", analisa Gabriel di Pierro, membro do Grupo de Trabalho de Juventude da Rede Nossa São Paulo. "O orçamento também não é adequado. Embora a coordenadoria seja muito mais uma articuladora de iniciativas governamentais e não precise tanto de verbas para execução das políticas, ela necessita recursos mínimos para promover interlocução com os demais órgãos do Estado, aprofundar discussões com a sociedade e produzir informação."
A Coordenadoria de Juventude não tem dotação orçamentária fixa, mas costuma trabalhar com um repasse anual de aproximadamente R$ 500 mil. "Só o mapeamento da juventude paulistana, que é urgente e necessário para entender como se comporta essa população, custa cerca de R$ 1 milhão." O representante da Rede Nossa São Paulo pondera que a coordenadoria pode contabilizar entre seus quadros os auxiliares de juventude nas subprefeituras. "Mas eles recebem um salário líquido de apenas R$ 700", ressalta. "A remuneração vai definir o perfil das pessoas que ocuparão esses cargos. Também vai dificultar sua permanência no posto."
Multiplicação
Carente de recursos humanos e financeiros, a ideia do coordenador de Juventude é tentar multiplicar as poucas verbas de que dispõe influenciando a formulação de políticas públicas nos demais órgãos da administração municipal. "Queremos produzir inteligência, informação, diagnósticos e processos de participação para conseguir fazer com que esses R$ 500 mil se transformem em muitos milhões executados pelas outras secretarias", revela Gabriel Medina. "A partir do nosso pequeno orçamento, podemos transversalizar as políticas de juventude e chegar a um orçamento grande. Depende de conseguir convencer cada pasta."
Talvez por isso Di Pierro argumente que não é tão necessário elevar a juventude à condição de secretaria municipal para que o tema se espraie pela gestão. "O que importa é o conteúdo", defende. "Seja coordenadoria ou secretaria, ela precisa ter a capacidade de promover interlocução com outras secretarias e com a juventude da cidade, mapeando as demandas. Precisa ser capaz de fazer as políticas públicas chegarem aos jovens, lá onde eles moram, com um olhar específico para suas necessidades."
Não foi o que ocorreu na gestão passada: nos últimos oito anos, São Paulo teve oito diferentes coordenadores de Juventude. As entidades – e a própria gestão atual – avaliam que as mudanças constantes dificultaram o estabelecimento de uma política "estruturada" para o setor. O fato de estar submetida à Secretaria de Participação e Parceria também conferia um caráter menos propositivo à coordenadoria, que em grande medida se dedicava a apoiar eventos organizados pela sociedade civil.
"Se a juventude é o maior contingente populacional da cidade, isso merece um destaque maior dentro do governo", propõe Douglas Belchior, representante da União de Núcleos de Educação Popular (Uneafro), para quem a administração Fernando Haddad deveria, sim, criar uma Secretaria de Juventude. "A prefeitura criou pastas específicas para igualdade racial e mulheres. A juventude precisa do mesmo tratamento." Na ausência de medidas mais simbólicas, Belchior avalia que a atual gestão está apenas mantendo o mesmo "espaço diminuto" que já existia na era Kassab.
Prioridades
Segundo o representante da Uneafro, isso dá a entender que o tema não é uma prioridade para o governo. "Se está dentro da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, entendemos que a juventude vem sendo tratada como uma questão relacionada principalmente à violência, como se fosse apenas um setor populacional que está lutando para garantir seus direitos mais básicos", interpreta. "Queremos propor ações em todas as áreas, e não apenas lutar para não morrer."
"Juventude não é um problema. Ela precisa, na verdade, acessar direitos", defende Patrícia Rodrigues, representante da União de Movimentos de Moradia (UMM) no Conselho Municipal da Juventude. A militante compreende a escolha do governo em enfatizar uma abordagem mais "humanitária", uma vez que a morte de jovens negros e pobres nas periferias paulistanas é uma realidade – e um dos seus maiores algozes são as forças policiais. "Isso tem que ser uma das prioridades, mas não a única. Há outras medidas a serem tomadas em educação, cultura, trabalho etc."
O coordenador de Juventude de São Paulo compreende as críticas – e até compartilha com parte delas. "Nós sempre queremos mais estrutura", reconhece. "Mas a agenda de juventude é recente. Mulheres e negros, que agora criaram secretarias... Os negros lutam desde a época dos quilombos, as mulheres são maioria da população." Gabriel Medina afirma que alocar a juventude na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania foi uma escolha política do governo Haddad, que decidiu não centralizar coordenadorias na Secretaria de Governo.
"As áreas transversais que não se emanciparam ficaram aqui: LGBT, população de rua, idosos, imigrantes etc. A secretaria tem uma vocação de diálogo que a transforma num local de produção de políticas a serem aplicadas pelas demais pastas da administração", explica, advertindo que não adianta pensar que os temas da juventude conseguirão se impor apenas pelas vias burocráticas. "Só vamos conquistar mais espaço e estrutura quando conseguirmos fazer com que as pessoas se sintam parte dessa agenda e a reivindiquem."
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