segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sujeira entre cartel e tucanos rompe décadas de blindagem

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Não nasceram em julho, quando a revista IstoÉ ­pu­­bli­cou reportagem sobre o caso, as denúncias da empresa alemã Siemens de prática criminosa de cartel em diversas licitações para o transporte ferroviário do estado. O que os executivos da companhia detalharam ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) envolve um esquema de pagamento de propinas para viciar concorrências públicas desde o governo Mário Covas (1995-2001), passando pelas administrações de José Serra (2007-2010) e de Geraldo Alckmin (2001-2006 e desde 2011).
Datam de 2008 as primeiras de um total de 15 representações encaminhadas ao Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal pela bancada petista na Assembleia Legislativa do estado, apontando denúncias de superfaturamentos e aditamentos de contratos. Nenhuma foi concluída. O jornalista Gilberto Nascimento, hoje no jornal Brasil Econômico, havia revelado em 2009, em reportagem na Carta Capital, documentos que a imprensa desprezou e dados como novidades por jornais e TVs no início de agosto.
Nos bastidores da política, circulam burburinhos de que as denúncias de corrupção no ninho tucano só foram jogadas no ventilador por obra de “fogo amigo” no interior do próprio PSDB, entre os grupos de Aécio Neves e de José Serra­, que vivem em briga de foice no túnel, ambos com muitos amigos nas redações.
Em São Paulo, contratos suspeitos somam R$ 30 bilhões e teriam sido firmados com superfaturamento de 30% – segundo a Siemens. Isso representaria R$ 9 bilhões, o suficiente para pagar a construção de 20 quilômetros de metrô, nas contas dos parlamentares da oposição. Conforme a revista, a manipulação de licitações e a corrupção de políticos e autoridades governistas continuaram mesmo depois do escândalo da Alstom, de 2008. A multinacional francesa assinou 237 contratos com o estado, de 1989 a 2009, somando R$ 10,6 bilhões. Na época, o Ministério Público suíço descobriu o pagamento de propinas do grupo a funcionários da gestão paulista. Algo em torno de R$ 848 milhões.
A empresa foi punida em todos os países onde aplicou a prática. Menos no Brasil. Só em abril de 2011 o Superior Tribunal de Justiça abriu investigação sobre o – ainda – vice-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), Robson Marinho, suspeito de receber propina da Alstom para conseguir contratos adicionais. Chefe da Casa Civil de Covas entre 1995 e 1997, ele teria movimentado US$ 3 milhões, segundo autoridades suíças.
Com a repercussão da denúncia da Siemens, Alckmin afirmou não ter conhecimento de esquema e que, se o caso do cartel for comprovado, “o estado é vítima”. 
A denúncia ao Cade veio a público um ano depois de um incêndio criminoso na P.A. Arquivos, em Itu (SP). A firma de digitalização de documentos tem entre seus clientes o Metrô. Em julho do ano passado, nove homens encapuzados roubaram dez computadores e incendiaram o galpão – . É provável que ali houvesse documentos relacionados a irregularidades.

Em 1996, para alavancar a campanha de José Serra à prefeitura, Covas retomou obras do Metrô, apesar dos contratos considerados irregulares e superfaturados pelo Ministério Público e pelo TCE. Na época, o tribunal apontava favorecimento a empreiteiros na construção do trecho Clínicas-­­­-Vila Madalena, da Linha Verde. Em 1998, ­Covas apresentou os trens da espanhola Renfe, que os “doou” ao estado com a condição de receber R$ 93,2 milhões por um contrato para reforma e adaptação.
Em abril de 2004, o TCE suspendeu a continuidade da licitação da Linha Amarela, com obras estimadas em R$ 786 milhões. Dos sete consórcios aptos à disputa, venceram o Via Amarela, formado pela CBPO, OAS, Alstom e Queiroz Galvão; e o Camargo Corrêa, com Siemens,  Mitsui e Andrade Gutierrez.
Três anos depois, sete pessoas morreram quando uma cratera se abriu próximo às obras da estação Pinheiros. Dezenas de representações foram encaminhadas ao Ministério Público, que em novembro de 2008 já contabilizava mais de 20 inquéritos para apurar irregularidades em contratos com a Alstom. Dezesseis desses inquéritos eram para investigar a CPTM, que em 2005 assinou contratos de R$ 50,7 milhões com a multinacional francesa. Inquéritos, arquivados por falta de provas, foram reabertos.
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Tristes coincidências

A longa temporada de suspeitas coincide com um período em que a população passou a ser cada vez mais prejudicada por acidentes e panes no transporte paulista. O Metrô, que durante muitos anos foi símbolo de qualidade, não acompanhou o crescimento da demanda – nem com a expansão da rede, nem, ao que parece, com a conservação. Um dos episódios mais marcantes é o de 21 de setembro de 2010. Problemas entre as estações Pedro 2º e Sé, entre as 7h50 e 9h15, deixaram desesperados os passageiros, que quebraram os vidros, desceram e andaram por túneis e vias.
O Metrô chegou a dizer que uma blusa impedira o fechamento das portas, lideranças tucanas afirmaram ser intriga da oposição e um laudo técnico atestou se tratar de problemas no fornecimento de energia. Em julho de 2011, dois trens se chocaram na estação Barra Funda, deixando 42 feridos. Nova colisão em maio de 2012, entre as estações Penha e Carrão, por falha no sistema de automação, deixou 49 feridos. No 5 de agosto passado, um trem descarrilou a 300 metros da estação Barra Funda. Causa: quebra de um jogo de rodas na composição. Ninguém se feriu.
Os problemas na CPTM também são cada vez mais frequentes. Em julho de 2000, nove pessoas morreram e 115 ficaram feridas num acidente na estação de Perus. Uma composição vazia não conseguiu parar num trecho de declive. Segundo o sindicato dos trabalhadores da empresa, recomendações de um relatório da investigação das causas só começaram a ser implementadas um ano depois.
Em maio de 2008, uma pane levou 2 mil pessoas a sair da composição e a ocupar os trilhos entre as estações Tatuapé e Brás. O ar-condicionado foi desligado, após problema no sistema de freio que levara ao acionamento do sistema de emergência. Houve confusão e depredação.
No final de novembro de 2011, um técnico e dois engenheiros da CPTM foram atropelados e mortos por um trem de passageiros quando testavam uma composição. Um quarto atropelado sobreviveu.
A empresa chegou a afirmar que as vítimas não seguiam normas de segurança. Dois meses adiante, outros dois trens se chocaram entre as estações Itapevi e Engenheiro Cardoso, deixando feridos cinco passageiros e o maquinista. Em fevereiro de 2012 a empresa demitiu por justa causa o maquinista de um trem que descarrilou na Linha Esmeralda.
Em março, problema no sistema de tração de um trem causou tumulto e quebra-quebra no Brás, com seis pessoas detidas; no final do mês, novo “apagão”: a quinta pane no sistema num mesmo dia deixou passageiros revoltados e houve depredações. Em julho do ano passado, duas composições se chocaram na Barra Funda, matando cinco pessoas e deixando 47 feridas. Em dezembro, dois trens bateram em Francisco Morato, ferindo 29.
Aumentou a pressão sobre os parlamentares que apoiam o governador Alckmin. É praxe na Assembleia Legislativa o esforço para impedir a abertura de CPI que incomode o Palácio dos Bandeirantes. A oposição (PT, PCdoB, PSOL e um deputado do PDT) não consegue alcançar as assinaturas necessárias para superar a blindagem montada pela base do governador (PSDB, PDT, PV, PMDB e PSD). “Uma maioria dá guarida para o governador”, lamenta o líder do PT na Casa, Luiz Cláudio Marcolino. É possível que parte desses acidentes pudesse ser evitada se recursos públicos não tivessem tomado o trem errado.



quinta-feira, 12 de setembro de 2013

As manifestações de 1905

Tudo indica que o ímpeto das manifestações, depois de seu ápice durante o mês de junho, tende a diminuir. Com o refluxo da ação direta, pipocam análises acerca de seus significados e consequências. Um ponto consensual consiste na observação de que modificaram a pauta do debate político. Os agentes mais diretamente interessados no processo eleitoral procuram mensurar, debruçando-se sobre as pesquisas feitas no calor da hora, seus impactos sobre 2014. Outros ensaiam reflexões que tentam enxergar tendências de longo prazo, procurando desvendar como esses acontecimentos podem contribuir para transformar o país.
Os diagnósticos e prognósticos nunca são feitos a seco. Recorrem, consciente ou inconscientemente, ao arsenal histórico, no mínimo, a título de comparação. Os analistas brasileiros, francófonos ou não, reportaram, ressalvadas as diferenças de dimensão, a Maio de 1968. Mas, convém antes relembrar que a tática de manifestações de rua surgiu na Revolução Russa de 1905, um ensaio geral da de 1917. Para evitar analogias descabidas, talvez seja pertinente recuperar brevemente o debate sobre essa tática na esquerda alemã.
O súbito desencadeamento do levante proletário russo – a primeira rebelião massiva após um interregno de trinta e quatro anos – obrigou o partido social-democrata alemão (SPD) a (re)discutir as formas mais pertinentes de organização dos trabalhadores. Todas as suas alas, de Bernstein a Rosa Luxemburgo, compreenderam que a Revolução de 1905 desmentira uma das premissas centrais do programa político esboçado por Engels no “Prefácio de 1895” [ao As lutas de classes na França de 1848 a 1850, de Karl Marx]: a hipótese de um sepultamento definitivo de formas de enfrentamento, como manifestações e combates de rua, lutas de barricadas etc., consideradas inadequadas aos novos tempos (isto é, à modernidade fin de siècle). Isso exigia uma revisão da proposta de levar adiante o confronto com a burguesia exclusivamente por meio da atuação legal (via eleições e ação parlamentar) dos partidos socialistas.
Por outro lado, todos também admitiam a atualidade e a validade da crítica de Engels à fórmula “revolução de minoria”. Qualquer que fosse o caminho ou o método de luta mais apropriado para se chegar ao socialismo, o proletariado não poderia de modo algum dispensar a perseverança no trabalho de longo prazo ou o combate prolongado por posições, característicos das “revoluções de maiorias”.
O debate estabeleceu-se quase sempre em torno de um ponto central: em que medida era necessário ou mesmo viável aplicar na Alemanha a tática, ensaiada pela primeira vez pelo proletariado russo, da greve de massas?
O debate acendeu-se com a decisão da cúpula sindical, antes mesmo de conhecidos os desdobramentos da insurreição, de condenar as tentativas de assimilação dos procedimentos da classe trabalhadora russa, sentença que não se limitou a um gesto formal (chegou-se a proibir, nessas organizações, inclusive a propaganda da greve de massa). Com isso, a direção do aparato sindical pretendia coibir as interpretações que tendiam a conceber num mesmo registro os eventos na Rússia e a recente ofensiva da classe operária alemã, configurada simultaneamente por uma radicalização do movimento grevista (cujo ápice foi a greve dos mineiros do Ruhr) e por uma intensificação das reivindicações políticas (como a luta pela reforma eleitoral na Prússia e na Saxônia).
No campo teórico do marxismo, o debate passava ainda pela polêmica, recém sistematizada no livro da militante holandesa Henriette Roland-Holst, significativamente intitulado Greve geral e social-democracia, acerca da possibilidade de introduzir no arsenal marxista uma forma de combate até então descartada por seus vínculos com a tradição anarquista.
Enfraquecido pela divisão em diversas correntes, o partido social-democrata alemão não conseguiu reagir à insubordinação da burocracia sindical. Incapaz de empreender uma ação coordenada e unificada se contentou em aprovar no Congresso de Iena (1905) uma resolução encaminhada por August Bebel que recomendava o recurso à greve de massas apenas em dois casos extremos, na defesa do sufrágio universal ou para manter o direito de associação, com o que, entretanto, liberava, de certa forma, sua propaganda. Essa solução intermediária, ditada mais pela necessidade de conciliar as diversas tendências do que propriamente pelo propósito de enfrentar os sindicatos, não impediu os funcionários sindicais de levar adiante sua desobediência às decisões partidárias. Durante o Congresso de 1906 estabeleceu-se um acordo pelo qual o SPD reconhecia a autonomia dos sindicatos, selando uma influência da cúpula sindical no partido que daí em diante não cessou de crescer.
A tibieza da social-democracia alemã diante dos sindicatos torna-se ainda mais evidente se levarmos em conta que desta vez os três mais proeminentes teóricos do partido, Eduard Bernstein, Karl Kautsky e Rosa Luxemburgo, lideranças intelectuais respectivamente dos reformistas, do centro e da Neue Linke, sustentavam igualmente (deixando de lado a questão dos fins visados) que o movimento operário não deveria prescindir da possibilidade de recorrer à tática de greves de massas.
Havia, portanto, um consenso de que na determinação da estratégia mais conveniente para o proletariado conquistar o poder político não era mais preciso resgatar modelos do passado ou projetar expectativas acerca do futuro, pois o próprio presente histórico parecia ter se encarregado de fornecer as indicações necessárias.
Não cabe aqui recapitular ponto a ponto os motivos que levaram as alas revisionista, ortodoxa e esquerdista a divergir sobre o significado dos acontecimentos da Rússia, ou acerca da pertinência em se incentivar a transposição das greves de massas para a Alemanha e também, por conseguinte, na avaliação de se 1905 representava ou não uma modificação nas condições de luta do proletariado profunda o suficiente para anunciar uma era de revoluções. Mas, não há como deixar de mencionar que esse debate repercutiu intensamente ao longo do século XX, em seus momentos cruciais, em 1918, 1933, 1946 e 1968. E tampouco parece obsoleto nessa segunda década do século XXI.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Na contramão da sociedade contemporânea, homens e mulheres optam por uma vida mais simples. Eles garantem que são mais felizes. Conheça as histórias

Também to nessa...


Você pode ter passado a vida inteira, ou parte dela, ouvindo a expressão: tempo é dinheiro. Conhecido de perto um universo em que ter do “bom e do melhor” é sinônimo de uma vida sossegada. Também deve ter escutado, e acreditado, que comprar roupas, sapatos e supérfluos alivia o estresse, principalmente, das mulheres durante a tensão pré-menstrual (TPM). Que shopping é e será um dos melhores lazeres desta vida moderna. Agora, suponha que tudo isso virasse de cabeça para baixo. Em nome da simplicidade do ser, homens e mulheres, de idades diferentes, chacoalharam esses velhos conceitos cada vez mais impostos à sociedade e optaram, sem culpa e com leveza, por uma vida simples. Acreditam que precisam de pouco para se satisfazer e asseguram que o lucro com tudo isso não se vende nem se troca, e tem nome: felicidade.

Não se trata de um movimento, mas um fenômeno sem causa única e nenhuma regra. Essas pessoas estão, aos poucos, caminhando por conta própria em busca da simplicidade, sem fazer publicidade disso. Alguns mudaram de cidade, outros conseguiram isso morando em uma capital como Belo Horizonte. E não estão sós. A tal simplicidade já chama a atenção do mundo, já que grandes homens, que poderiam esbanjar mordomias, disseram “não” a elas e a tudo que elas remetem. O ex-guerrilheiro José Mujica, atual presidente do Uruguai, por exemplo, mora em uma casa deteriorada na periferia de Montevidéu, sem empregado nenhum. Seu aparato de segurança: dois policiais à paisana estacionados em uma rua de terra.

BONS EXEMPLOS

Mas não é preciso ir a Roma ou ao Uruguai para conhecer pessoas que apostam nesse modo de vida. O Bem Viver conheceu bons exemplos dessa vida simples. São guerreiros que nadam contra a maré em uma sociedadeque, cada vez mais, valoriza o supérfluo como a garantia para ser feliz. “Hoje, o que predomina é o consumismo mais exacerbado, mas se há grupos buscando essa simplicidade é um sintoma de que essa exaustão das buscas frenéticas acaba não levando a lugar nenhum”, comenta o psicólogo, psicanalista e doutor em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Roberto Drawin.

Certos de que há muito mais quando se tem menos, os entrevistados para esta reportagem servem como verdadeiras lições de vida. Maria Madalena Aguiar, de 66 anos, diz ser “feliz demais” em levar uma vida baseada na simplicidade e acredita, por exemplo, que está mais perto de Deus. Já Guilherme Moreira da Silva, de 56, mora em um sítio em Macacos, na Grande BH, e garante que “ser simples” traz a ele conforto, alegria, prazer e felicidade. A mesma sensação tem Priscila Maria Caliziorne Cruz, de 23, que ao optar por esse estilo de vida diz ter ampliado sua consciência, ficando mais inteira e presente na vida. “A simplicidade nos obriga a olhar para nós mesmos”, comenta o frei Jonas Nogueira da Costa, que desde menino se encantou pela vida de São Francisco de Assis e adotou a espiritualidade franciscana. Para a advogada Débora Paglioni, de 23 anos, ser simples vai muito além de ter dinheiro. “Tem a ver com bem-estar e consciência”, afirma.

Advogada Débora Paglioni, de 23 anos, 
acredita que ser simples é uma postura 
que tem a ver com bem-estar e consciência
 
SOMENTE O NECESSÁRIO

Carro, só ser for para locomoção. Telefone é para se comunicar, não precisa de touch screen nem aplicativos mirabolantes. Roupas ou sapatos novos somente quando forem de extrema necessidade, afinal, para quê mais? Comer bem não é ir a restaurante refinado, mas aquilo que é feito em casa. Ter uma vida simples passa por muitas dessas posturas, que não são regras.

Mas quem decide viver com o que é necessário nega o que hoje é tão valorizado, como a corrida disparada pelos melhores celulares, casa, carros e as mais belas joias. E acaba consciente de que o tempo e a energia investidos para a aquisição de coisas podem minguar as oportunidades de conviver com o outro, de buscar a espiritualidade, autoconhecimento e senso de comunidade. É como se essas pessoas se abrissem mais para o mundo ao seu redor e dissessem: “Desapeguei”. Talvez por isso, elas são serenas, sorridentes e leves, vivendo somente com o necessário, aquilo que para elas é essencial.

Esse desapego e vontade de viver somente com o que precisa não é algo que a humanidade conheceu hoje. O psicólogo, psicanalista e doutor em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Roberto Drawin destaca que esse comportamento é antigo e vem desde antes do cristianismo. “Vem de uma sabedoria grega. Não é só no sentido de não ter bens materiais, mas não transformá-los em uma tirania.” Ele conta que existia uma corrente da filosofia grega, o chamado estoicismo, que mostrava que o homem só atinge a felicidade se ele for livre, ao se livrar das dependências dos bens materiais. “Isso foi seguido tanto por um escravo quanto pelo imperador.”

De tanto desapegar desses bens, Guilherme Moreira da Silva, de 56 anos, é chamado de Mazzaropi pelos amigos, em alusão ao cineasta, ator de rádio, TV, de circo, cantor e diretor Amácio Mazzaropi, que, mesmo rico, foi conhecido como o gênio da simplicidade. Ele marcou a história do cinema nacional ao mostrar personagens simples e uma linguagem bem próxima do povo. Guilherme não optou pela arte. Desde menino, sofria de bronquite e a medicina não lhe dava esperança de cura. Por meio de uma vida que ele mesmo chama de alternativa, conseguiu se livrar da doença, desafiando até o diagnóstico médico.

Nascido e criado em Belo Horizonte, há 30 anos Guilherme se mudou para São Sebastião das Águas Claras, mais conhecido como Macacos, na Grande BH. Formado em arquitetura e especializado em paisagismo, ele morou na Espanha por um ano. Mas foi em Macacos, em um sítio em meio à natureza, que se encontrou. Por 15 anos, morou ali sem energia elétrica. Ele diz até hoje não comprar roupas e só usar aquelas que seus irmãos lhe dão. “Não atribuo grandes valores ao materialismo.

Tenho uma caminhonete porque preciso dela para trabalhar.”
Guilherme hoje mexe com produtos naturais, vende pães integrais e come tudo o que planta. Onde mora não há internet. “A minha bronquite que me incomodava muito. Queria uma vida saudável. Esse modelo que adotei tem raízes profundas em querer sobreviver e gostar da vida. Chegou o momento em que o mais importante era a qualidade do ar que respirava , o contato com a terra e a comida que comia.”

Em uma casa de alvenaria sem luxos nem precariedade, Guilherme tem uma televisão, que de vez em quando é ligada. “A vida pode ser muito mais simples. A busca por ter tudo, trocar o velho pelo novo, traz desconforto. A sociedade nunca está satisfeita.” Para ele, a vida no campo traz essa simplicidade, alegria, conforto e prazer.

ESFORÇO

Professor do curso de ciências sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas), Ricardo Ferreira Ribeiro diz que hoje as pessoas fazem um esforço danado para ter renda e, por outro lado, geram um estresse, acúmulo de trabalho e problemas de saúde. “A opção pela vida simples tem sido mais singela, há menos requinte, mas exige menos esforços.” Ele lembra que os hippies chegaram a optar por esse modo de vida, como crítica ao consumismo. “Esse modo de viver aproxima mais as pessoas, cria-se uma empatia.”

Para o frei Jonas Nogueira da Costa, de 37, viver com pouco se aprende ao estar perto daqueles que têm poucas condições financeiras. De família simples e católica, ele sempre participou das atividades da igreja de Três Rios, sua cidade natal, no interior do Rio de Janeiro, o que despertou sua vontade de ser padre. Em 1995, entrou para a Ordem dos Frades Menores, motivado pelo exemplo de São Francisco de Assis, que dedicou a vida à simplicidade e aos pobres. “A proposta de simplicidade, de viver como irmão e ter uma vida de oração são pilares que me encantaram”, diz. A simplicidade para Jonas é entendida como partilha. “Você não pode chegar a Deus com títulos acadêmicos, roupas e outros. Deus é simples.”

O frei conta que a principal mudança que sentiu na sua opção devida foi no conceito de posse. “As coisas que eram da minha família pertenciam a eles e a mim. Hoje, tenho o conceito do nosso.” Suas posses, segundo ele, são os livros. Não se importa com roupas e compra só o necessário. “A simplicidade tem o campo prático e político. No primeiro, é o contato com as pessoas mais simples e afetos com as plantas e animais. No segundo, é a denúncia do consumismo que gera frustrações.”

Ele ensina que a vida simples permite o contato consigo mesmo. “Nos obriga a olhar para nós mesmos e ao nos depararmos com o ser humano que somos nos libertamos das grandes tentações do consumismo.” O grande ganho para o frei é a felicidade como comunhão, prazer nas pequenas coisas , estar bem consigo mesmo. “Temos que fazer o que gostamos. A minha opção me faz bem, humano e feliz.”

Para o frei, quem segue a vida baseada na simplicidade, independentemente da religião, tem que aprender a escutar os pobres materialmente e socialmente. “Eles são os nossos mestres. Há muita coisa que dissemos que são fundamentais para nós, e vemos que outras pessoas conseguem viver sem aquilo. Às vezes temos tudo e não abrimos mão de nada, e esse pobre consegue sorrir e falar de Deus. Por trás disso, há uma sabedoria. Não há uma receita pronta para essa vida simples. Cada um tem que fazer a própria síntese”, aconselha.

Estilo de vidas

Existe um movimento chamado simplicidade voluntária, que é um estilo de vida no qual os indivíduos conscientemente escolhem minimizar a preocupação com o “quanto mais melhor”, em termos de riqueza e consumo. Seus adeptos escolhem uma vida simples por diferentes razões, que podem estar ligadas a espiritualidade, saúde, qualidade de vida e do tempo passado com família e amigos, redução do estresse, preservação do meio ambiente, justiça social ou anticonsumismo. Algumas pessoas agem conscientemente para reduzir as suas necessidades de comprar serviços e bens, e, por extensão, reduzir também a necessidade de vender o seu tempo. Alguns usarão as horas a mais para ajudar os seus familiares ou a sociedade, ou sendo voluntário em alguma atividade.

Compra consciente

Mudar os hábitos de consumo e só adquirir produtos de que realmente precisa é uma opção de vida de quem busca ser mais saudável

Não é preciso sair da capital ou se dedicar integralmente ao sacerdócio para ter uma vida simples. Essa opção de vida, apesar de a luta ser ainda maior, é bem possível na cidade grande, mesmo com as tentações do consumo e seus exageros bem próximos. A simplicidade, muitas vezes, está na essência da alma e em atitudes conscientes, e não é preciso radicalismo para chegar até ela. O professor do curso de ciências sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas) Ricardo Ferreira Ribeiro diz que essa opção de vida pode ser uma certa crítica aos valores ligados à ostentação e ao padrão de vida de pessoas que não conseguem abrir mão dos bens materiais. “A gente acaba consumindo muitas coisas, para quê? Qual a finalidade desse bem que se adquire?”, provoca.

Foram essas as perguntas que motivaram a psicóloga Marina Paula Silva Viana, de 28 anos, a enfrentar um desafio: um ano sem compras. De junho de 2011 até junho de 2012, ela não comprou nada de supérfluo e criou um blog na internet relatando sua experiência durante esse período. A página levou o nome do desafio, Um Ano sem Compras. Mineira de Belo Horizonte, a jovem mora desde 2008 em Curitiba e achava que a proposta seria difícil. “O mais complicado é conter o primeiro impulso. 

Mas vi que isso é bem possível.” O dinheiro que usava para comprar roupas, bolsas, calçados e cosméticos foi gasto em lazer. “Sempre gostei dessa opção de vida, e queria fazer essa experiência. Você percebe que tem outras prioridades na vida. Passei a fazer mais programas ao ar livre, a aproveitar atividades intelectualizadas. Quando estamos imersos no consumo, deixamos o que nos dá prazer em segundo plano. Passada essa experiência, hoje compro bem menos e me foquei no que é essencial para mim.”

Como psicóloga, Marina conta que muitos pacientes trazem para o consultório frustrações vindas do consumo. “As pessoas estão consumindo mais. E isso acaba tendo uma função psicológica. Ela acabam acreditando que a personalidade está ligada ao que consomem.” Formada em teatro, produtora do curso de educação gaia em BH e estudante de letras na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Priscila Maria Caliziorne Cruz, de 23, diz que a vida simples vem dos pilares que recebeu em casa e das suas buscas e anseios. “São escolhas diárias. Encontrei em BH, no meio urbano, uma alternativa mais simples para viver.”

Ela conta que o segredo dessa opção está na consciência do que se busca. “Sabemos que ter um telefone é importante para atender a necessidade. Mas nem sempre essa necessidade por um produto acompanha moda e o que está no mercado.” Há 10 anos, a jovem não entra em shopping, pois, segundo ela, é um ambiente que a incomoda, principalmente pelo objetivo daqueles que estão ali e os tipos de relações estabelecidas. “Participo de um encontro anual de trocas de roupas. Para a minha alimentação, participo de redes de agricultura urbana, que são alimentos produzidos na cidade. Compramos diretamente dos produtores, sai mais barato e não acumula tanto valores.”

A maior preocupação de Priscila é com o meio ambiente. Ela procura ter atitudes sustentáveis, como reciclagem de lixo, usar carona ou transporte público. “Essa opção de vida me faz sentir em harmonia comigo mesma. Quando fiz essa escolha, é como se tivesse responsabilidade com as pessoas ao meu redor.” Ela diz que o encontro com esse modo de vida foi motivado por uma busca de vida saudável, da saúde do corpo e da mente . “Nunca fiz escolhas motivada pelo financeiro.”

BENS MATERIAIS

Por mais que as quatro filhas insistam, Maria Madalena Aguiar, de 66 anos, fica bons anos sem comprar roupas. Prefere consertar as que tem e não se importa com a idade delas. Um vestido e um tamanco já estão de bom tamanho. Mesmo morando na capital, a essência, adquirida na infância, na roça e durante os três anos que morou em um convento em São Paulo, ela mantém intacta e com orgulho. Diz já ter conhecido muitas pessoas que ostentam bens materiais. “É de dar dó”, comenta.
Certo dia, uma de suas filhas a chamou para sair. Ela logo pegou a bolsa de pano e disse estar pronta para acompanhá-la. 

A filha sugeriu que mudasse de roupa. “Você quer o que visto ou a minha companhia?”, respondeu Madalena. Apaixonada pelas poesias que cria, ela conta que prefere andar de ônibus ou a pé a ir de carro. “Temos pernas é para andar.” Compras com ela, só o essencial. O seu lazer é mexer na terra, com as plantas e aprender com elas. “A vida simples é uma sabedoria”, avisa. Para ela, ajudar o outro a ter um coração bom são as grandes riquezas do ser humano.

Madalena conta a lenda que lhe serve de inspiração. “Uma vez, um turista viajou para conhecer um grande sábio. Quando chegou, disse a ele que queria conhecer seus móveis. O sábio, muito tranquilo, mostrou que só tinha uma cama e uma cadeira e o convidou a entrar. O homem não aceitou, disse estar só de passagem. O sábio respondeu: ‘Eu também’.” Para essa senhora, a história aponta o que devemos pensar antes dos bens materiais serem nossos donos. “Caixão não tem gaveta. Estamos aqui só de passagem.” (LE)

Viver com o essencial

Este mês, o New York Times publicou um artigo sobre a vida de Graham Hill, que vive em um estúdio de 420 pés. Ele tem seis camisas, 10 tigelas rasas que usa para saladas e pratos principais. Não tem um único CD ou DVD. Era rico, tinha uma casa gigantesca e cheia de coisas – eletrônicos , carros e eletrodomésticos. “De uma certa forma, essas coisas acabaram me consumindo”, disse na entrevista. Em 1998, em Seattle, vendeu sua empresa de consultoria de internet, Sitewerks, por muito dinheiro e passou a comprar muito. Entre as compras, um Volvo preto turbinado. Mas tudo isso passou a incomodá-lo e a ficar sem graça. E ele decidiu viver somente com o essencial.





terça-feira, 10 de setembro de 2013

Conheça sete ataques químicos que os EUA se negam a comentar

Às vésperas de uma possível ação militar sob a justificativa de uso de armas químicas, relembre episódios que Washington não faz questão de citar


1. O Exército estadunidense no Vietnã. Durante a guerra, no período de 1962 até 1971, as Forças Armadas dos EUA despejaram cerca de 20 milhões de galões – 88,1 milhões de litrosaproximadamente - de armamento químico no país asiático. O governo vietnamita estima que mais de 400 mil pessoas morreram vítimas dos ataques; 500 mil crianças nasceram com alguma deficiência física em função de complicações provocadas pelos gases tóxicos. E o dado mais alarmante: mais de um milhão de pessoas têm atualmente algum tipo de deficiência ou problema de saúde em decorrência do Agente Laranja - poderosa arma química disparada durante o conflito.
2. Israel ataca população palestina com Fósforo Branco. Segundo grupos ligados aos direitos humanos - como Anistia Internacional e Human Rights - o material altamente venenoso foi disparado em 2009 contra civis de origem palestina em território israelense. O Exército negou na época o uso de armas químicas. No entanto, alguns membros das Forças Armadas admitiram os disparos. Clique aqui e veja a reportagem.
3. Washington atacou iraquianos com Fósforo Branco em 2004. Jornalistas que participaram da cobertura da Guerra do Iraque reportaram que o Exército norte-americano utilizou armas químicas na cidade de Fallujah. Inicialmente, os militares se justificaram dizendo que o material serviu apenas para “iluminar o local ou criar cortinas de fumaça". No entanto, o documentário “Fallujah, o massacre encoberto”, do diretor Sigfrido Ranucci, apresenta evidências do ataque com depoimentos com membros das Forças Armadas dos EUA admitindo o episódio. Crianças e mulheres foram as principais vítimas.
4. CIA ajudou Saddam Hussein a massacrar iranianos e curdos em 1988 com armas químicas. Documentos da Inteligência norte-americana divulgados uma década depois revelam que Washington sabia que Saddam Hussein utilizava armas químicas na guerra Irã-Iraque. Mesmo assim, continuou colaborando com o presidente iraquiano. No começo de 1988, em específico, Washington alertou Hussein do movimento de tropas iranianas. Usando a informação, foi feito um ataque químico que massacrou tropas do Iraque em um vilarejo povoado por curdos. Cerca de cinco mil pessoas morreram. Outras milhares foram vítimas de complicações em decorrência dos gases venenosos.

5- EUA realizaram testes químicos em bairro pobre e negro de St Louis. No começo da década de 50, o Exército norte-americano organizou um teste de militar em alguns bairros populares de St. Louis - caracterizados por ter maioria negra. O governo disse aos moradores que realizaria um experimento com fumaças de iluminação "contra ameaças russas". No entanto, a substância atirada na atmosfera continha gases sufocantes. Após os testes, um número grande de pessoas da região desenvolveu câncer. Não há informações oficiais do número de pessoas vítimas do ataque químico.

6 - Exército estadunidense bombardeou tropas iraquianas com armas químicas em 2003.  A cruzada de Washington à procura de armas nucleares teve episódios de disparos químicos contra os militares iraquianos, que acabaram atingindo civis. Durante 2007 e 2010, centenas de crianças nasceram com deficiências. “As armas utilizadas no confronto no Iraque destruíram a integridade genética da população iraquiana”, afirmou na ocasião Cristopher Busby, o secretário do comitê europeu de Riscos de Material Radioativo.
7- Japoneses são massacrados com Napalm entre 1944-1945. Em 1980, a ONU (Organização das Nações Unidas) declarou que a utilização do Napalm (um tipo de álcool gelatinoso de alto grau de combustão) seria a partir de então considerada crime de guerra dado o efeito absolutamente devastador da substância. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Exército norte-americano derrubou sobre os japoneses o suficiente para queimar 100 mil pessoas, deixar mais um milhão feridas e destruir milhares de residências.




sábado, 7 de setembro de 2013

Sete de Setembro: se o perigo é vermelho, chame o Exército!

Samuel
Recrutinha: exército brasileiro debela os monstros vermelhos que ameaçam o bem-estar da nação.



Em mais este Sete de Setembro, saiba que você pode dormir tranquilo. O exército brasileiro está pronto para protegê-lo de toda e qualquer ameaça vermelha que possa perturbar o país.

Não, você não está lendo um gibi americano no auge da Guerra Fria. Essa é mais uma história do Recrutinha, personagem dos quadrinhos infantis criados pela CCOMSEx (Secretaria de Comunicação do Exército).

A edição em questão (“Perigo à vista, chame o Exército”) foi produzida há alguns meses para celebrar o Dia do Exército Brasileiro, 19 de abril. Nos quadrinhos (leia aqui a íntegra), há uma certa “obsessão” pela cor vermelha. Os monstros que ameaçam a paz do país e perturbam o sono da criança loirinha são vermelhos e o perigo segue grafado na cor vermelha.



Qualquer semelhança com a propaganda anticomunista produzida para semear a paranoia entre as crianças norte-americanas é mera coincidência.




terça-feira, 3 de setembro de 2013

O destino dos negros na Alemanha nazista.


Pouco se sabe sobre a pequena comunidade negra que viveu na Alemanha na época do Terceiro Reich. A Deutsche Welle lança um olhar sobre suas estratégias de sobrevivência durante o regime opressor de Hitler.
 
Entre 20 mil e 25 mil negros viviam na Alemanha durante o regime nazista. Quando questionados sobre os negros no Terceiro Reich, os alemães costumam falar sobre a mostra Afrika Schau. Em seu livro Hitler's Black Victims (As vítimas negras de Hitler, em tradução literal), o pesquisador norte-americano Clarence Lusane descreve Afrika Schau como uma mostra itinerante iniciada em 1936.
Os responsáveis pelo "show" eram Juliette Tipner, cuja mãe era da Libéria, e seu marido branco, Adolph Hillerkus. O objetivo do "espetáculo" era mostrar a cultura africana na Alemanha.
Em 1940, a Afrika Schau foi retomada pela SS e por Joseph Goebbels, que "esperava que isso fosse útil não só para propaganda e fins ideológicos, mas também como maneira de reunir todos os negros no país sob um mesmo teto", escreve Lusane. Para seus participantes, a Afrika Schau tornou-se um meio de sobrevivência na Alemanha nazista.
Negro em prisão nazista
Para a historiadora norte-americana Tina Campt, cuja pesquisa trata da diáspora africana na Alemanha, "era possível que os negros nela envolvidos a usassem para fins não previstos por quem a organizou. Se por um lado a Afrika Schau desumanizou pessoas, por outro lado, para os participantes, era uma oportunidade de ganhar dinheiro, como também um local para se comunicar com outros negros".
Contudo, o show não teve sucesso e foi encerrado em 1941. Além disso, ele não tinha condições de reunir todos os negros no país sob um pavilhão, possivelmente porque ele só aceitava negros de pele mais escura, segundo o estereótipo do que era considerado africano.
Os "bastardos da Renânia"
A maioria dos negros de pele mais clara que vivia na Alemanha durante o Terceiro Reich era formada por mestiços, e um bom número deles eram filhos dos soldados franceses negros das tropas de ocupação com mulheres da Renânia.
A existência dessas crianças é e continua sendo de conhecimento público, porque elas foram mencionadas no livro Minha Luta, de Hitler. Na Alemanha nazista, eles foram descritos com o termo depreciativo "bastardos da Renânia".
A Deutsche Welle conversou com o historiador alemão Reiner Pommerin para descobrir o que aconteceu com estas crianças. "Publiquei um livro nos anos 1970 sobre a esterilização dos mestiços. Foram crianças geradas pelas forças de ocupação – principalmente as francesas", disse.
Seu livro Esterilização dos bastardos da Renânia. O destino de uma minoria negra alemã 1918 - 1937enfoca a esterilização da minoria negra na Alemanha nazista.
Sem plano de extermínio sistemático
Antes da publicação do livro, em 1979, essa informação era desconhecida para o público. A esterilização de crianças birraciais foi realizada secretamente porque violava as leis nazistas de 1938. Os números exatos permanecem desconhecidos, mas estima-se que 400 crianças mestiças foram esterilizadas – a maioria sem o seu conhecimento, disse Pommerin.
Hoje, o destino dos "bastardos da Renânia" ainda permanece em grande parte desconhecido. Essa falta de conhecimento pode estar relacionada à "falta de interesse público em relação a minorias", crê Pommerin. Já Campt atribui isso ao sigilo por trás do programa de esterilização e à natureza da Afrika Schau. "Isso tem a ver com o status do Afrika Schau como espetáculo. Assim, ele foi criado como um espetáculo visual, que deveria levar as pessoas a vê-lo como uma exibição", complementou.
Segundo Campt, a principal diferença entre a vivência dos negros e a de outros grupos no Terceiro Reich é a falta de um plano sistemático de extermínio nazista. Além disso, devido ao pequeno número de negros que viviam no país, poucos estão dispostos a reconhecer que vale a pena discutir sobre o destino dessa população.
Apoio a pesquisadores
Além disso, pesquisadores que trabalham nesta área recebem pouco ou nenhum apoio na Alemanha. Nos Estados Unidos acontece o contrário. Lá a pesquisa sobre minorias é bem financiada, devido ao legado do Movimento pelos Direitos Civis.
"Estudiosos alemães negros que pesquisam há anos não necessariamente obtêm reconhecimento com base em qualificações, com base em se estão ou não trabalhando dentro de certo tipo de estrutura acadêmica para o estudo das culturas de minorias", disse Campt.
Embora a publicação do livro de Pommerin sobre a esterilização dos "bastardos da Renânia" não tenha recebido muito interesse por parte do público, ele recebeu certa atenção do setor político alemão. Um membro do Partido Social Democrata questionou se poderia obter os nomes das vítimas, para que pudessem ser indenizadas.
Pommerin disse à Deutsche Welle que "(o político) pretendia destinar para isso mais de 2 mil dólares. Eu sabia onde eles moravam, mas eu não queria incomodar essas pessoas, porque eu poderia dizer que se tratava mais de interesse político. E eu podia ver as câmeras de tevê diante das casas nos lugarejos onde o dinheiro seria entregue. E, de repente, a grande sensação na vila – aqui está alguém que foi esterilizado".
Autor: Chiponda Chimbelu (rw)
Revisão: Carlos Albuquerque
Fonte: www.dw.de       Mais fontes: www.holocausto-dc.blogspot.com

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Brasil tem quase mil escolas com nomes de presidentes da ditadura



Busto do ex-presidente Costa e Silva divide espaço com desenhos infantis em pátio da escola municipal que leva seu nome, em Botafogo
Foto: Agência O Globo / Leonardo Vieira
Busto do ex-presidente Costa e Silva divide espaço com desenhos infantis em pátio da escola municipal que leva seu nome, em Botafogo Agência O Globo / Leonardo Vieira
Das 3.135 unidades escolares públicas que homenageiam ex-dirigentes da República, 976 pertencem aos cinco generais que comandaram o regime militar

 

Na Escola Municipal Presidente Médici, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, boa parte dos alunos tem pouco a dizer sobre o general que governou o país de 1969 a 1974. “Minha vó falou que ele era um sanguinário”, conta uma aluna do 8º ano. “O professor de Geografia disse que ele não era uma boa pessoa”, afirma uma colega de sala, de 14 anos, quando perguntada sobre o gaúcho ditador, responsável pelo período de maior recrudescimento à liberdade de expressão na ditadura militar brasileira. Dentro da unidade, porém, há um mural com fotos do homenageado e, segundo professores, o nome do colégio é usado para abordar o assunto em sala.
— Durante a aula, temos que explicar o período Médici deixando que eles tenham o seu próprio olhar sobre o ex-presidente, com senso crítico. Nossa função é fazer o aluno se colocar nesse debate. Explicar a razão da homenagem e contextualizá-la com a época — argumenta Gabriella Fernandes Castellano, professora de História.
Inaugurada em 1975, com a presença do próprio Médici, a unidade em Bangu é uma das 160 escolas públicas de ensino básico e pré-escolar no país batizadas com o nome do ditador. Um levantamento feito pelo GLOBO mostra que há no Brasil 976 colégios municipais, estaduais e federais com os nomes dos cinco presidentes do Regime Militar, de 1964 a 1985 (ficaram fora da conta os ministros da junta que chefiou o país de agosto a outubro de 1969). Só o marechal Humberto Castello Branco, que governou de 1964 a 1967, é homenageado em 464 unidades. Ao todo, o país tem 3.135 escolas com nomes de ex-presidentes.


Tributo ao ‘carrasco de Vargas’

Além dos chefes de Estado, pessoas importantes durante o período também batizam instituições de ensino. Chefe da polícia política durante a ditadura de Getulio Vargas, Filinto Müller foi senador e presidente da Arena, o partido que deu sustentação política ao Regime Miltar. Ele dá nome a dez colégios brasileiros, como a Escola Estadual Senador Filinto Müller, uma das mais tradicionais de Diadema, na Região Metropolitana de São Paulo.
Assim como na unidade municipal em Bangu, onde quase um terço do corpo docente pediu a mudança do nome há cerca de dois anos, parte da comunidade escolar do colégio em Diadema também tentou rebatizar o prédio.
— A comunidade cogitou trocar o nome porque ele teve relação com a ditadura, mas se entendeu que, apesar disso, há uma identidade muito forte em torno do nome e, assim, decidiu-se preservá-lo — explica o professor de História e Geografia Bruno do Nascimento Santos, que lecionou na unidade durante sete anos.
Muitos alunos de Diadema também ignoram o passado do homenageado. Na saída da escola, nenhum estudante abordado pela equipe de reportagem conhecia a história de Filinto, muitas vezes chamado de “carrasco de Vargas”, acusado de fazer prisões arbitrárias e ordenar sessões de tortura. Em 1936, ele foi o responsável pela prisão de Olga Benário Prestes, militante comunista e mulher de Luiz Carlos Prestes, e por sua deportação para um campo de concentração na Alemanha nazista.
— A escola nunca abriu um debate para falar quem foi ele. Não sei, acho que foi um senador — arrisca uma estudante de 17 anos.
A direção da unidade reconheceu, por meio de um comunicado, que não existe na escola um projeto pedagógico específico para tratar sobre a história de seu homenageado.
Por ironia do destino, uma página do Facebook com o nome do colégio, atualizada por professores e alunos, faz uma defesa ideológica ao comunismo tão combatido por Filinto. “Acho que o socialismo talvez possa trazer este acesso à cultura de massa. Fazer como o Mao Tse-Tung fez com a China”, diz a descrição da página na rede social.
Os pais de alguns dos alunos reconhecem que o passado do patrono não é boa influência, mas não veem razão para mudar o nome da escola.
— Os estudantes não sabem disso, já que passou tanto tempo. Acho que um nome não interfere na educação deles — pondera o motorista Samuel de Oliveira, de 45 anos, pai de uma aluna.
O presidente da Comissão da Verdade de São Paulo, deputado estadual Adriano Diogo (PT), planeja apresentar um projeto de lei para modificar o nome da escola pública em Diadema.
— Isso é a eternização da ditadura militar no Brasil. Enquanto não for revisto, a ditadura não acabou — critica ele.
De acordo com a advogada Rosa Cardoso, da Comissão Nacional da Verdade, o tema das escolas com nomes de pessoas ligadas à ditadura militar ainda não foi amplamente discutido. Mas ela garante que a questão fará parte das recomendações ao final dos trabalhos do grupo. A advogada, porém, alerta para os perigos que podem surgir nesse debate.
— Não podemos ter visão totalitária às avessas e mudar nomes só porque são de direita. Mas se houver provas de que são nomes de criminosos, devem ser mudados. E devem ser mudados por movimento da sociedade civil.
A coordenadora pedagógica da Escola Presidente Costa e Silva, em Botafogo, Fabíola Fernandes Martins, é contra a mudança. Inaugurada em 1970, um ano após a morte do marechal gaúcho, a instituição tem, no pátio do recreio, perto de murais com desenhos infantis e uma mesa de totó, um busto do ex-presidente, responsável pelo Ato Institucional número 5 (AI-5), que deu poderes absolutos ao Regime Militar e possibilitou o fechamento do Congresso Nacional. Hoje, 45 anos depois do decreto, Costa e Silva é homenageado em 295 escolas.
Quando a equipe do jornal foi à escola na Zona Sul do Rio, a unidade não estava funcionando, devido à greve de professores, e, portanto, não havia alunos para entrevistar. Mas Fabíola garante que orienta os estudantes a traçar um quadro comparativo do Brasil com regimes de outros países, para que tirem suas conclusões.
— Temos que ter cuidado para não haver uma generalização negativa contra a carreira militar. Procuramos apresentar os fatos históricos, sem contudo, despertar o ódio às Forças Armadas.
Presidente da Associação Nacional dos Professores de História (Anpuh), Rodrigo Pato de Sá Motta enxerga na situação uma excelente oportunidade pedagógica:
— É bom para mostrar que escola também é espaço de disputa política e aproveitar para politizar um pouco mais as aulas. A decisão de mudar o nome passa pela comunidade escolar. Mas não adianta nada mudar o nome e todos continuarem sem saber quem foi a pessoa. O mais importante é fazer a discussão — argumenta o professor de História da UFMG.

Nota do Blog: que todos os nomes de torturadores, assassinos e ditadores sejam substituídos por aqueles que os combateram, a começar pelos colégios Filinto Muller, que se substitua o nome desse criminoso por Luiz Carlos Prestes ou Olga Benario.